A preservação da floresta amazônica, e de outras florestas tropicais,
depende do mercado ou da melhoria dos padrões de governança? Das duas
coisas, de acordo com um relatório divulgado na última terça-feira, dia 24,
pelo Banco Mundial.
O relatório – “Expansão da Agricultura, Redução da Pobreza e Meio Ambiente
nas Florestas Tropicais” – é um volume substancial que procura discutir uma
série de questões da maior relevância na proteção das matas tropicais. O
economista Kenneth Chomitz questiona as generalizações que são
freqüentemente repetidas na discussão pública sobre o tema.
A primeira delas é a relação entre pobreza e desmatamento. É comum ouvir que
a devastação causa pobreza ou vice-versa. Chomitz argumenta que as duas
afirmações são no máximo parcialmente verdadeiras, e que são bases fracas
para a elaboração de políticas econômicas. Ele mostra que não são apenas os
pobres agricultores de subsistência que desmatam. Na Amazônia brasileira,
por exemplo, em torno de 80% do desmatamento ocorre, segundo o relatório, em
propriedades de 20 hectares ou mais.
Para Chomitz, a distância e a ausência de direitos de propriedade explicam a
maior parte da pobreza das populações que vivem nas florestas. Como as
terras melhores e mais acessíveis têm histórias longas de ocupação, as
florestas e seus habitantes são relegados para áreas geograficamente
remotas. Em muitos casos, a ausência de direitos de propriedade permite que
as matas sejam degradadas pela exploração descontrolada dos seus recursos.
Os motores
A análise econômica permite identificar os principais motores do
desmatamento. Baixos salários, bons solos, clima favorável e bons preços
para produtos agrícolas estimulam a conversão de florestas em áreas
plantadas. Segundo o relatório, no caso da Amazônia brasileira os principais
incentivos são a pluviosidade e o preço da carne bovina. Ou seja, a
combinação de um período de seca na região com bons preços para a carne pode
ter um impacto devastador.
Se a destruição das florestas tropicais é indesejável –e Chomitz cita o
terrível impacto sobre o clima do planeta (através da emissão de CO2 ou de
outros mecanismos) e sobre a biodiversidade, assim como a perda de serviços
do ecossistema –, é preciso combatê-la.
Entre as medidas sugeridas pelo relatório para reduzir a pobreza sem
degradar o meio ambiente, a novidade está no uso que Chomitz propõe para o
mecanismo de créditos de carbono. Ele acredita que as finanças do carbono
permitirão que as pessoas e instituições preocupadas com a mudança climática
e com a perda de biodiversidade façam algo de concreto para combater esses
problemas. O exemplo que ele cita é latino-americano: a conversão de
floresta em pasto para a pecuária extensiva gera em torno de 500 toneladas
de CO2 por hectare. Com base em valores do mercado europeu, evitar essa
emissão valeria entre US$1.500 e $10.000 por hectare, enquanto que o pasto
vale de $200 a $500 por hectare. Ou seja, a terra pode valer muito mais com
a floresta de pé do que como pasto.
O desafio é fazer com que esse valor potencial se torne realidade. Para isso
é preciso que haja um compromisso global contra a mudança climática; que se
crie um sistema de incentivos financeiros para os países em desenvolvimento
reduzirem suas emissões; que se desenvolva em cada país a infra-estrutura
nacional para carbono da floresta, e que se estimule o aproveitamento das
terras já degradadas, diz o documento.
Repercussão
Para especialistas ouvidos por O Eco, a defesa do uso dos créditos de
carbono como mecanismo para evitar o desmatamento das florestas tropicais
surpreende. E o timing é particularmente interessante. A próxima conferência
das Nações Unidas sobre mudança climática (COP12 – COP/MOP2) acontece de 6 a
17 de novembro em Nairóbi, Quênia, e a proposta brasileira de criação de um
mecanismo de redução compensada promete ser um dos tópicos mais quentes de
discussão.
Para Paulo Moutinho, coordenador do programa de mudança climática do IPAM
(Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), o reconhecimento pelo Banco
Mundial do valor da proposta é extremamente bem-vindo. Ainda há muito o que
discutir, mas a abordagem é promissora. Para Moutinho, é importante que o
mecanismo seja sustentável no longo prazo. Para isso é necessário haver
fontes seguras de financiamento. Um mecanismo voluntário, como vem sendo
discutido, talvez não seja suficiente para garantir essa sustentabilidade.
O engenheiro florestal Miguel Milano, com 30 anos de experiência na luta
pela conservação, também acolhe de braços abertos o relatório, que ajuda a
desmontar o paradigma burro que vê no desmatamento sinônimo de
desenvolvimento econômico. Para ele os recursos serão úteis, pois há muito o
que fazer para romper o ciclo de colonização – desmatamento – destruição.
Milano acredita que o caminho é manter a floresta nas mãos do estado,
responsável pelo ordenamento fundiário e a repressão ao desmatamento. A
tarefa não é tão difícil uma vez que já existem meios técnicos para fazer
esse controle em tempo real, e o desmatamento não ocorre na Amazônia toda, e
sim ao longo de uma fronteira que pode ser contida. Principalmente com a
ajuda de governos estaduais, que enxergariam renda e emprego crescentes na
gestão do patrimônio florestal.
Roberto Waack, da AMATA e do Conselho do FSC (Forest Stewardship Council)
acha que o relatório está no caminho certo ao indicar a compensação por
desmatamento evitado como uma fonte importante de receita para projetos de
manejo sustentável de florestas. Mas alerta para a necessidade de se avaliar
com cuidado as projeções de preços no mercado de carbono, pois acredita que
a oferta derivada de projetos de desmatamento evitado pode deprimi-los. E
levanta ainda a questão da titularidade dos créditos de carbono, que está
ligada à posse da terra. Esse assunto ainda é, no Brasil, fonte de enormes
incertezas, e precisa urgentemente de uma reorganização institucional. Waack
vê hoje uma série de órgãos –Incra, Ibama, institutos estaduais – com
objetivos e procedimentos diferentes, enfraquecendo as ações do Estado. Essa
instabilidade pode frear o desenvolvimento desses mercados no Brasil.
O economista Carlos Eduardo Young também aplaude o relatório, mas acredita
que as medidas de combate ao desmatamento devem ir além daquilo que os
economistas chamam de “comando e controle”, ou seja, da esfera
jurídico-policial. Para ele é essencial que se encontrem também soluções
sustentáveis para as populações que vivem na região da Amazônia. As medidas
convencionais adotadas até aqui – principalmente a criação de unidades de
conservação e de reservas extrativistas – têm sido ineficazes. É preciso
criar alternativas de renda para a população pobre que a agricultura moderna
expulsa do campo e que, na ausência de empregos urbanos e de uma reforma
agrária nas regiões já ocupadas, acaba sendo expulsa para o “espaço vazio”
da floresta amazônica. É essa “fronteira social”, segundo Young, que abre
caminho para o avanço da fronteira agrícola.
Os diagnósticos são diferentes, mas em um ponto todos concordam: é preciso
avançar rapidamente da discussão para a ação. Os números do desmatamento
podem flutuar de ano para ano ao sabor de variáveis climáticas e econômicas,
mas a pressão sobre a floresta é enorme e tende a crescer com o aumento da
população do Brasil e com o crescimento da economia mundial. O relatório do
Banco Mundial é uma contribuição valiosa a um debate que deve esquentar nos
próximos meses.
(Por João Teixeira da Costa,
OEco, 27/10/2006)