Lei entregará florestas a estrangeiros, diz economista
2006-10-27
A privatização das florestas públicas na Amazônia, promovida pelo governo federal, esconde um objetivo maquiavélico: a entrega da região a grandes empresas madeireiras do exterior. A opinião é do economista e diretor da Federação da Agricultura do Pará (Faepa), Armando Soares, para quem os autores da idéia sequer fizeram uma estimativa dos custos do programa ambiental para a região. Em cima do discurso da preservação da Amazônia, segundo ele, chegou-se ao “modismo irresponsável”. A presença dos ambientalistas do Greenpeace e da WWF nas mesas de negociações do governo com setores técnicos, empresariais e líderes das comunidades da floresta, diz Soares, é um sinal claro da entrega da exploração madeireira às multinacionais.
Ele vê uma ação diferente nesse processo. Os madeireiros da Federação das Indústrias do Pará (Fiepa), por exemplo, deveriam hoje estar sentados ao lado do pessoal da Federação da Agricultura para lutar contra a entrega da madeira das florestas públicas aos grupos internacionais, o que hoje não ocorre. “Eles queriam uma solução de curto prazo para resolver um problema que achavam fatal (liberação de planos de manejo). E acabaram aceitando as regras do jogo impostas pelo governo federal na privatização das florestas, como se isso fosse ao encontro de seus interesses no tempo e no espaço”, critica Soares.
O economista contou que durante uma reunião em Brasília, quando o projeto ainda estava sendo discutido, observou a desenvoltura das organizações não-governamentais (ONGs) estrangeiras no apoio à idéia da privatização. Foi quando um engenheiro florestal de Minas Gerais, Éderson Augusto Zanetti, pediu a palavra para criticar duramente o projeto, acusando-o de estar dirigido ao grande capital internacional. “Eu acho que ele tinha razão, porque a concorrência pública para a exploração da madeira, como foi montada, favorece somente grandes empresas com características multinacionais”, acredita o diretor da Faepa. Essas empresas teriam maiores chances de sair vencedoras da concorrência, para depois sublocar os serviços, o que seria um contra-senso em todos os sentidos.
Jogada
A contradição está no fato de se criar a reserva e depois fazer a concorrência para ela ser explorada. Zanetti, continua Soares, mostrou durante a reunião que havia outras maneiras de se fazer a exploração de maneira racional, mas suas idéias não foram levadas sequer em consideração. Soares também levanta questões que entende relevantes: primeiro, qual o custo ambiental amazônico dessa privatização para o governo brasileiro ou para os governos da região? E responde: “não fizeram isso”. Mas, se tivessem feito, existiria no orçamento fiscal condições de sustentar um programa desse tipo?
A segunda questão levantada é a seguinte: se for obedecida toda a legislação ambientalista e se o custo ambiental de exploração for chamado para dentro de um núcleo produtivo, seja ele florestal ou de criação de gado, e incorporado ao produto, ele será absorvido ou rejeitado pelo mercado com esse custo adicionado? No caso da rejeição, o agente produtivo seria eliminado? Como o governo não oferece respostas para tantas dúvidas, Soares se diz levado a concluir que a privatização da floresta amazônica pode ter sido uma criação muito bem feita, maquiavélica, dos países ricos, exatamente para eliminar concorrentes de menor poder econômico.
Fiscalização
De acordo com a arquiteta e ambientalista Oro Serruya, presidente do Congresso Internacional Israelita de Sociosfera na Amazônia (Cisa), entidade sempre envolvida com seminários e debates sobre o desenvolvimento sustentável da região, a grande preocupação hoje é como a exploração de madeira nas terras da União e do Estado será fiscalizada. Ela cobra melhor aparelhamento do Ibama e da Sectam para monitorar a exploração e impedir que novas áreas da região sejam devastadas.
“Nós estamos preocupados, porque a exploração vai começar e não sabemos como os órgãos públicos irão fazer para controlar a retirada da madeira”, disse Oro Serruya. Ela chama a atenção para a completa ausência de propostas dos candidatos paraenses nestas eleições para temas como o desenvolvimento da Amazônia sem que suas florestas sejam devastadas. “Ninguém falou sobre nada disso, porque os candidatos sabem que se suas propostas fossem para atender às necessidades da região iriam contrariar grandes interesses”, enfatizou a líder do Cisa.
Serruya lamenta que nesta eleição, seja no plano nacional ou regional, os candidatos tenham perdido a oportunidade de mostrar suas idéias e propostas para a Amazônia. “A nossa região está hoje sendo discutida no plano internacional, mas aqui dentro isso sequer apareceu na campanha eleitoral dos candidatos”. Ela adiantou que o Cisa continuará estimulando o debate sobre o presente e o futuro da região, porque este é o compromisso da entidade com a sociedade brasileira.
Senador cobrou maior discussão
Foi o senador Pedro Simon quem primeiro levantou a suspeita na urgência justificada pelo gabinete do presidente Lula em privatizar florestas da Amazônia e abrir concorrência para a retirada da madeira. Em março deste ano, no plenário do Senado, Simon foi taxativo: “Soa muito estranho, isso. O fato de o governo não ter permitido a esta Casa a discussão profunda de algo tão importante. É a resposta que ele dá por ter sido recentemente o campeão mundial de desmatamento?”.
A lei propõe a concessão para a exploração das florestas para o extrativismo de diversos portes. O senador questiona: por que não começarmos de forma experimental e gradual, para posteriormente ser implementado nas demais áreas, o trabalho realizado por pequenas comunidades como o que era coordenado pela irmã Dorothy? Por que não começarmos pelas beiradas das florestas, e depois, interiorizamos? Será a concessão a única forma? Sabe-se que, em diversos países, a concessão de gestão florestal não obteve o resultado esperado, aumentando ainda mais o desmatamento, como é o caso da Malásia e Indonésia.
Simon lembra de algumas considerações que foram levantadas, repercutidas, e sem resposta, durante a discussão do projeto no Senado Federal. “É o aluguel da floresta. Só quem nada entende da soberania espacial da Amazônia pode concordar com isto. Vai ser uma devastação”, alertou Aziz Ab Saber, decano dos cientistas brasileiros e professor da Universidade de São Paulo (USP), e antigo guru ambiental do PT e do presidente Lula.
Índios
O engenheiro Ederson Zanetti, da Organização Internacional para Biotecnologia e Bioengenharia, questiona a competência do Ministério do Meio Ambiente para gerir sozinho toda a questão florestal no Brasil, além de criticar o projeto por ter um viés voltado para o extrativismo, defendendo sua vinculação a outras iniciativas como a exploração de espécies exóticas. “Na prática, este projeto é o começo da privatização da Amazônia”, critica Zanetti. Ele explica que, pela proposta, somente grandes empresas poderão participar das licitações para a exploração das áreas.
Muitas das áreas sujeitas à concessão estão encravadas entre reservas indígenas, por onde teriam que passar as toras de madeira exploradas por futuros concessionários. Esta é mais uma polêmica, já que os índios não estão dispostos a abrir estradas em suas terras para servir de passagens às empresas concessionárias. “O governo está oferecendo a Amazônia às multinacionais”, protestou Simon.
Calados os militares pelo regimento das Forças Armadas, falam por eles os colegas da reserva. “O projeto é uma aberração que o governo e o Congresso estão querendo impor silenciosamente à sociedade”, resume o presidente do Clube Militar, general Luiz Gonzaga Lessa, ex-comandante militar da Amazônia. A opinião dele reflete o que pensam os generais brasileiros.
Jaques Wagner defende projeto
Adotando um discurso conciliador, bem diferente do que tem sido usado em campanha pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pela senadora Ana Júlia Carepa, o governador eleito da Bahia, Jaques Wagner, disse ontem, em Belém, que não considera como dogma a estatização. Segundo Jaques Wagner, as críticas feitas por influentes setores do PT às privatizações decorrem de uma reação à política privatista adotada no passado pelo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Naquela época, disse ele, tentou-se difundir a convicção de que tudo o que é controlado pelo Estado não presta. O que, na sua avaliação, não condiz com a verdade.
A opinião do futuro governador baiano, que deixa implícita a possibilidade de privatizações, foi exposta a propósito da nova Lei de Gestão de Florestas Públicas, aprovada pelo Congresso Nacional com base em projeto encaminhado pelo governo, através do Ministério do Meio Ambiente. Jaques Wagner se declarou favorável à legislação que transfere para a iniciativa privada, em regime de concessão, a exploração de florestas, conforme prevê a lei, cuja aplicação será iniciada no Estado do Pará. Ele disse confiar na sensibilidade da ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, e considerou que a Lei de Gestão de Florestas Públicas vai representar um avanço no conceito da preservação ambiental no Brasil.
O governador eleito da Bahia veio a Belém para dar apoio à candidatura da senadora Ana Júlia e para fortalecer também a campanha pela reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Jaques Wagner manifestou-se convencido de que, uma vez reeleito, o presidente Lula não vai encontrar grandes embaraços no tocante à governabilidade.
(Por Carlos Mendes, O Liberal – PA, 26/10/2006)
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