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2006-10-27
Ana Júlia Carepa, candidata do PT ao governo do Pará, diz que é possível haver crescimento com respeito ao meio ambiente. O adversário dela no 2º turno, o atual governador Almir Gabriel (PSDB), foi procurado, mas não concedeu entrevista.

A velocidade do desenvolvimento do Pará, um ator cada vez mais importante na economia global devido à exportação de produtos agropecuários e minerais, esconde um tipo de crescimento não-sustentável, destrutivo ao meio ambiente e ao homem. A riqueza gerada não é distribuída e, na maior parte das vezes, nem mesmo fica dentro do estado. O processo gestado por Vargas, experimentado por JK e que se intensificou na ditadura militar (com as políticas dos anos 70 para ocupação da região) continua ainda hoje - ignorando que a Amazônia não é um deserto verde e que locais onde hoje há pastos, minas e hidrelétricas já foram casa de ribeirinhos, indígenas e camponeses.

Quem assumir o governo do segundo maior estado em área do país, terá um grande desafio pela frente, que é o de garantir que os detentores do poder econômico não continuem fazendo da arena política um espaço para a efetivação dos seus interesses em detrimento da qualidade de vida das populações tradicionais ou dos pequenos produtores. Principalmente em regiões de fronteira agrícola, que o Pará tem de sobra.

As conseqüências disso são conhecidas. O Estado é o campeão em libertação de escravos, com 7985 pessoas entre 1995 e setembro de 2006, ou 36,4% do total do país - de acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra. Está sempre entre os primeiros nos índices de desmatamento, possuindo o município recordista em área desmatada: São Félix do Xingu - ponta-de-lança para a expansão agrícola ao miolo do estado, a região do Iriri/Terra do Meio. As terras que os cadastros do Incra em Brasília e no próprio estado apontam como públicas têm porteira, mata-burro e casa-sede com TV por satélite. E a irmã Dorothy Stang foi apenas mais uma no longo terço de contas abatidas pela violência no campo, que por sua vez apresenta um rosário de ameaçados de morte, como o frei dominicano Henri des Roziers.

Da mesma forma que na arena federal, o segundo turno para o governo do Estado será decidido entre PSDB e PT. O tucano Almir Gabriel, que administrou o estado entre 1995 e 2003, levou o primeiro turno com 43,83% de votos válidos enquanto a sua adversária, a petista Ana Júlia Carepa, passou com 37,52% - dados do Tribunal Superior Eleitoral. De acordo com a última pesquisa Ibope, divulgada no dia 13 de outubro, as posições se inverteram. Ana Júlia agora está à frente com 53%, enquanto Gabriel está com 43% - votos totais.

A Repórter Brasil fez três perguntas aos candidatos ao governo estadual. Somente a senadora Ana Júlia Carepa atendeu à solicitação. De acordo com a assessoria de Almir Gabriel, não foi possível responder a entrevista devido à preparação para o debate que seria realizado na noite desta quarta (26/09) na TV Globo.

Carta Maior – O Pará é recordista em libertações de trabalhadores em situação de escravidão. Como o seu mandato pretende enfrentar esse crime? É importante considerar que a maioria desses criminosos, de acordo com dados do governo federal, é de grandes produtores de commodities como gado, soja, carvão e pimenta-do-reino, muitos deles bem representados politicamente nas esferas estadual e federal.
Ana Júlia Carepa – Como senadora já tenho trabalhado muito para melhorar a legislação que possibilita a punição daqueles que exploram o trabalho escravo. Um projeto de minha autoria determina a proibição de concessão de créditos a pessoa física ou jurídica que submeta alguém à condição degradante de trabalho ou que importe grave restrição à sua liberdade individual. Essa proposta que já teve aprovação na Comissão de Assuntos Sociais e foi elaborada a partir de discussões com os seguimentos organizados que trabalham pela erradicação do trabalho escravo. Foram muitas conversas com entidades como a OIT - Organização Internacional do Trabalho e a Conatre - Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo - para que construíssemos essa proposta. Em resumo, ela torna legal a Lista Suja do Trabalho Escravo, que existe, mas não tem força de lei. Ou seja, os que aparecem na lista e que tem crédito negado, entram com liminares judiciais para conseguir os recursos. Temos que dar um fim nisso.
Eleita governadora, farei com que o Governo do Pará assuma de forma ativa a luta pela erradicação do trabalho escravo. Inclusive tive orgulho de ser a primeira candidata a assinar a Carta Compromisso organizada pela Repórter Brasil, com o apoio de entidades da Conatrae. Acredito que podemos, sim, dar um basta a essa vergonha. Buscaremos parcerias com o Governo Federal, especialmente Ministério do Trabalho e Secretaria de Direitos Humanos, a exemplo do que vem sendo feito em outros estados, já que tivemos avanços muito significativos no combate a esse crime durante o Governo Lula.
Abriremos diálogo tanto com o setor produtivo como com os segmentos dos trabalhadores na busca de criar mecanismos para inibir a prática do trabalho escravo e dar o apoio necessário para que os trabalhadores resgatados não voltem a ser vítimas. Como senadora já mantive diálogo com dirigentes de entidades de produtores rurais e sei que há disposição para isso. Queremos articular ações envolvendo o setor produtivo a exemplo de experiências que existem no setor siderúrgico, onde empresas já se comprometeram a não comprar de carvoarias que utilizem mão-de-obra escrava.

CM – Em regiões de fronteira agrícola paraense, há casos em que o Estado acaba sendo cooptado pelo poder econômico local. Uma das conseqüências disso é a utilização de policiais militares como jagunços de fazendeiros, na repressão de trabalhadores escravos ou na desocupação violenta de propriedades rurais. Como é possível fazer com que o Estado nessas regiões atenda ao público e não ao privado e não faça distinção entre ricos e pobres?
AJC – Vamos acabar com isso. Vamos aparelhar a polícia e dar condições de trabalho aos policiais. Fazer concurso público para o ingresso de novos policiais civis e militares também será uma das nossas ações. Capacitar esses policiais, delegados e fortalecer o trabalho de corregedoria. A falta de estrutura possibilita que o poder econômico local interfira no funcionamento da polícia e, por isso, será necessário, além da qualificação dos policiais, a ampliação da infra-estrutura. Pretendo também investir nos serviços de inteligência e informações criminais. Vamos avançar na efetivação das Delegacias Especializadas. Está no nosso programa de governo criar a Política Estadual dos Direitos Humanos, fortalecer a Defensoria Pública e com isso estaremos mais preparados para combater as violências praticadas no Pará, como a violência no campo, exploração sexual, trabalho infantil e o trabalho escravo.

CM – O modelo de desenvolvimento da Amazônia tem sido extremamente predatório, escoando as riquezas ao invés de utilizá-las para garantir o crescimento sustentável e a melhoria da qualidade de vida da região. Como é possível conciliar o crescente avanço do capital (presente na forma do agronegócio ou de hidrelétricas) com a preservação do modo de vida de populações indígenas, ribeirinhas e camponesas?
AJC – É possível crescer e desenvolver respeitando o meio ambiente e melhorando a qualidade de vida da população que vive na região. Sou convicta disso. Temos centros de excelência na região que não são ouvidos devidamente. Existem experiências riquíssimas de desenvolvimento sustentável que precisam ser estimuladas e multiplicadas. O governo Lula tem tido preocupação na direção de um crescimento sustentável, o Plano de Desenvolvimento da BR 163 é exemplo disso. Pretendo articular o conhecimento, as experiências e ganhar o setor produtivo para seguirmos um modelo de desenvolvimento que se coaduna com a nossa realidade amazônica. Costumo dizer, e é preciso que todos se conscientizem disso: a Amazônia não é problema; a Amazônia é solução para este país. E é pelo seu desenvolvimento sustentável, pela sua preservação e pela valorização das suas comunidades que vamos lutar sempre.
(Por Leonardo Sakamoto, Agência Carta Maior, 26/10/2006)

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