Lei de biossegurança é decisão soberana do Congresso, diz Langone
2006-10-27
A lei de biossegurança (Lei 11.105/2005) tem vários artigos cuja constitucionalidade é questionada pelo Ministério Público Federal e por diversas ONGs ambientalistas. Porém, para o Ministério do Meio Ambiente, o dispositivo deve ser cumprido porque “é decisão soberana do Congresso”. Durante a reunião do Comitê da Bacia do Rio dos Sinos (Comitesinos) realizada no último dia 19, em São Leopoldo, quando foram divulgados resultados das investigações sobre o último acidente ecológico no Rio dos Sinos, ouvimos o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, Cláudio Langone, sobre a atual posição do MMA e as perspectivas quanto a este assunto em caso de um eventual segundo mandato do governo Lula. O secretário também fez um breve balanço da atuação do MMA, face a críticas de que o atual governo teria sido o pior na gestão ambiental, e defendeu a implementação do sistema de outorga e cobrança pelo uso da água no Rio Grande do Sul.
AmbienteJÁ – Qual a posição do Ministério do Meio Ambiente com relação à contestação da constitucionalidade da lei de biossegurança, especificamente no caso do plantio de transgênicos, cuja ação está no Supremo Tribunal Federal [STF] desde a metade do ano passado?
Cláudio Langone – A nossa posição é de que esta questão foi soberanamente deliberada pelo Congresso Nacional, o Ministério do Meio Ambiente teve uma derrota importante com relação a essa lei, que foi suprimir a obrigatoriedade do licenciamento ambiental para os OGMs. Houve uma regulamentação que supriu algumas dessas deficiências da lei, como, por exemplo, uma regulamentação bastante rigorosa no estabelecimento do quorum de dois terços para a liberação comercial, na cláusula de impedimento para membros da CTNBio [Comissão Técnica Nacional de Biossegurança] que eventualmente tenham envolvimento com os projetos a serem analisados, que nos permitiu minimizar as conseqüências dessa lei e, portanto, nós, como governo, temos que reconhecer a decisão soberana do Congresso Nacional e suplementar a lei que está em vigência.
AmbienteJÁ – E num eventual segundo mandato do presidente Lula existe a possibilidade de se derrubar essa lei, via STF? Como vai ser a ação do Ministério do Meio Ambiente a este respeito, já que existe um conflito entre o MMA e o Ministério da Agricultura na questão dos transgênicos?
Langone – A posição do Ministério do Meio Ambiente é que cabe ao Congresso votar as leis e cabe ao governo cumprir as leis. Se houver, eventualmente, algum questionamento sobre a constitucionalidade da lei, por atores vinculados à sociedade, cabe ao Supremo avaliar e discutir tecnicamente isso.
AmbienteJÁ – Mas esta ação de inconstitucionalidade está há mais de um ano lá no Supremo...
Langone – Mas o Ministério do Meio Ambiente não fará nenhum movimento no sentido de desconstituir a lei que o Congresso soberanamente votou em relação aos transgênicos, embora, à época, tenha discordado de pontos importantes dentro do processo de discussão.
AmbienteJÁ – Qual será, em resumo, a condução do governo com relação aos transgênicos num eventual segundo mandato?
Langone – A nossa condução é de que a lei precisa ser implementada. Nós esperamos que a CTNBio tenha uma dinâmica de funcionamento correta, nós aguardamos que aqueles setores que defenderam, que em situações excepcionais onde eventualmente ficar evidenciada a necessidade de análise de impacto ambiental, isso seja enviado para o licenciamento ambiental. Até agora, nenhum processo foi enviado para licenciamento ambiental, mas isso se explica porque o número de análises de liberação comercial que nós tivemos até hoje na CTNBio, desde a regulamentação da lei, ainda é pequeno. Nós vamos trabalhar no sentido de que as questões que dizem respeito a salvaguardas ambientais colocadas na lei sejam efetivamente cumpridas.
AmbienteJÁ – Com relação a uma recente crítica que o professor emérito da Universidade de São Paulo Aziz Ab Saber fez sobre o que ele considera o fracasso das políticas ambientais do governo Lula, o excesso de participação de ONGs na atual administração federal e a falta de profissionalismo das equipes na área ambiental do governo, o que o Sr tem a dizer?
Langone – Nós respeitamos muito a figura do professor Aziz Ab Saber, mas eu considero lamentáveis as declarações dele. Dizer que a gestão da ministra Marina Silva é a pior gestão na história do Ministério do Meio Ambiente no mínimo revela uma parcialidade, um desconhecimento e uma falta de avaliação política sobre os diferentes gestores que estiveram à frente do ministério e revela uma certa miopia em relação ao reconhecimento que a sociedade faz em relação aos avanços nessa gestão. A acusação de que nós temos a presença de dirigentes no Ministério do Meio Ambiente que pertenceram a ONGs acaba fazendo coro a uma fala de senso comum que tem se repetido, nos últimos tempos, que critica o Ministério do Meio Ambiente por ter muitos ambientalistas. Mas ninguém critica o Ministério da Fazenda por ter muitos economistas, ninguém critica o Ministério da Saúde por ter muitos sanitaristas. Então, nós consideramos que o fato de ter muitos ambientalistas, de nós termos gente que veio da sociedade civil, gente que veio de parlamento, como a própria ministra Marina, e gente que veio de experiências de governo, como é o meu caso, qualificaram muito e fizeram com que hoje o Ministério do Meio Ambiente tenha um status político interno e um destaque internacional muito significativo, e que os nossos indicadores de gestão sejam reconhecidos internacionalmente. Hoje, ninguém pode negar, por exemplo, que o governo Lula, em três anos e meio, criou 20 milhões de hectares em novas unidades de conservação na Amazônia. Isso significa metade de tudo o que foi criado na história do Brasil. E isso deveria ser da informação e do reconhecimento do professor Aziz porque o professor Aziz é um dos grandes defensores da idéia de que se criem unidades de conservação em áreas de conflito na Amazônia para conter o avanço do agronegócio. E foi isso o que foi feito nesta gestão.
AmbienteJÁ – E qual o significado da sua presença, como representante do Ministério do Meio Ambiente, na reunião em que se anunciam os nomes de empresas autuadas pela Fepam por mau funcionamento de estações de tratamento de efluentes, uma das causas do desastre no Rio dos Sinos? O Sr. foi convidado a participar?
Langone – O significado é que nós acompanhamos com muita atenção, pela gravidade do acidente. Nós respeitamos a prerrogativa e a competência do governo do Estado para atuar no caso – competência jurídica e técnica – e nós, desde o início, colocamos o governo federal à disposição para trabalhar no sentido de que, numa situação de tragédia como essa, nós não busquemos aprofundar divisões, mas tenhamos uma conjunção de esforços que vise a sinalizar claramente para a sociedade que os governos vão cumprir as suas responsabilidades, seja penalizando aqueles que são responsáveis pelo que aconteceu, seja principalmente fazendo um grande esforço para evitar que isso volte a acontecer, porque nós temos aí desafios importantes em relação à questão industrial. É evidente que houve um agravamento de despejos industriais irregulares na bacia. Provavelmente como as empresas todas têm seus sistemas de tratamento, provavelmente houve um desvio de efluente não tratado para dentro dos arroios que alimentam o Sinos. Também é evidente que nós temos uma defasagem na área de saneamento básico, mas é importante lembrar que o Pró-Guaíba II – que foi cancelado em função de problemas estruturais do Estado – ele tinha um grande pacto, um grande consenso no Estado, porque a prioridade do Pró-Guaíba II seria o Rio dos Sinos. Então nós temos que buscar outros meios de suprir essa defasagem criada pela decisão do atual governo de que não havia mais condições de contrair o empréstimo do Pró-Guaíba II. E nós precisamos dar um basta definitivo a essa situação de descontrole em relação à captação de água para irrigação. Isso já aconteceu no [rio] Gravataí e volta a acontecer em várias bacias do Estado. E eu acho que chegou a hora de o governo do Estado, por sobre as resistências políticas que querem impedir a implantação da outorga e da cobrança pelo uso da água no Rio Grande do Sul, tomar essa decisão e implantar isso.
AmbienteJÁ – O Sr. considera que houve um retrocesso na área ambiental, no Estado?
Langone – Não, eu acho que existem desafios importantes a serem implementados no próximo período e, sem dúvida nenhuma, para um sistema de recursos hídricos do Estado, a implantação da outorga e da cobrança são fundamentais.
AmbienteJÁ – Por que somente agora, segundo o Sr., em situações como essa, estão sendo divulgados nomes de empresas responsáveis por poluição no rio? Por que se precisou chegar a este ponto?
Langone – Eu imagino que porque em situações desse tipo, em que você não tem um flagrante em relação à verificação de quais os responsáveis, em que provavelmente vários fatores foram de conjunção, em que a análise técnica, portanto, é complexa, nós não podemos sucumbir à lógica do senso comum que quer soluções fáceis para problemas difíceis, que quer soluções rápidas para problemas que são demorados para resolver. Então, entre ser rápido e cometer erros, e ser cauteloso e fazer a coisa certa, é melhor ser cauteloso e fazer a coisa certa.
(Por Cláudia Viegas, AmbienteJÁ, 27/10/2006)