Nanotecnologia chega aos alimentos e alerta reguladores
2006-10-26
E se a Mars, fabricante de doces, criar um aditivo para a cobertura dos seus M&Ms que deixe as balas frescas durante mais tempo e impeça que elas derretam? E se os cientistas da Unilever conseguirem reduzir as partículas de gordura (e com isso as calorias) de um novo sorvete especial, sem sacrificar seu sabor?
Esses ainda são sonhos de laboratório. O que é padrão em todos os projetos de desenvolvimento de produtos em muitas outras empresas alimentícias é a nanotecnologia, nome dado a um número crescente de técnicas para manipular a matéria em dimensões minúsculas como uma simples molécula.
As empresas alimentícias mostram-se cautelosas, evitando avançar muito rápido e ir muito longe neste campo. O cuidado se justifica pela preocupação dos consumidores com a segurança dos alimentos. Mas as companhias estão entusiasmadas com a capacidade da nanotecnologia de criar formas de substâncias usadas cotidianamente, como ingredientes e embalagens, simplesmente reduzindo-as a tamanhos antes inimagináveis.
Grande parte desse entusiasmo, e muitas das promessas da nanotecnologia, dependem de outros setores, incluindo os de eletrônica, energia e Medicina. Mas a primeira geração de produtos do setor alimentício baseados na nanotecnologia, incluindo colorantes sintéticos, conservantes de óleo de fritura e embalagens revestidas com agentes antimicróbio, já entrou discretamente no mercado.
Os usos comerciais da tecnologia já somam US$ 410 milhões, que vêm se integrar ao mercado alimentício global de US$ 3 trilhões. A participação do mercado da nanotecnologia crescerá para US$ 5,8 bilhões em 2012, com o desenvolvimento de outras utilizações.
Consciente das reações adversas de alguns consumidores à introdução de produtos geneticamente modificados, os chamados transgênicos, o setor alimentício espera que os órgãos reguladores criem diretrizes de apoio que também amenizem o medo dos consumidores. Por isso, está no centro das atenções a forma como o FDA, agência do governo americano que regula remédios e alimentos, vai reagir à novidade. A primeira audiência pública sobre a área ocorreu no dia 10.
PROTEÇÃO E INOVAÇÃO
Mas lidar com a nanotecnologia será um enorme desafio para a agência, é o que diz um relatório divulgado no início do mês, produzido por Michael Taylor, um ex-funcionário do FDA. Ele diz que a agência não tem os recursos necessários e que, na área de cosméticos, alimentos e suplementos dietéticos, ela necessita proteger os consumidores mas também fomentar a inovação.
Representantes e analistas do setor temem que a nanotecnologia tenha o mesmo destino da engenharia genética, que foi rapidamente adotada como um enorme avanço pela indústria farmacêutica mas se deparou com uma feroz oposição, especialmente na Europa, à sua utilização nas plantações, na pesca e na pecuária.
Muitos dos mesmos grupos que contestaram a engenharia genética na agricultura vêm insistindo para que os órgãos reguladores adotem medidas drásticas contra o uso da nanotecnologia em alimentos e cosméticos até que outros testes de segurança sejam realizados.
Estou assombrado como isso já avançou tanto, disse Ronnie Cummins, diretor do Organic Consumers Group, grupo americano de defesa dos produtos orgânicos. "Comparada com a nanotecnologia, a ameaça da engenharia genética já está dominada", diz.
Até agora não há nenhuma notícia confirmada de problemas para o meio ambiente ou à saúde pública relacionados com a nanotecnologia. Mas testes laboratoriais preocupantes sugerem que algumas partículas em nanoescala podem apresentar novos riscos, conseguindo por exemplo atravessar barreiras que costumam filtrar partículas maiores, e atingir o cérebro. Ou seja, os mesmos atributos que podem tornar a nanotecnologia algo valioso para a fabricação de remédios também podem torná-la perigosa.
Todos concordam que foram feitos poucos estudos precisos sobre como esses materiais recentemente projetados se comportam em relação aos seres humanos e ao meio ambiente. Aqueles que já foram realizados não conseguiram reproduzir a gama de condições com que as nanopartículas se defrontarão no comércio em geral. E os poucos estudos de laboratório se concentraram no destino das partículas ingeridas e não nas inaladas ou injetadas.
"O fato de não existirem evidências de danos não pode significar que existe uma aceitável certeza de segurança", indicou a União dos Consumidores dos EUA. A linguagem foi cuidadosamente escolhida. "Aceitável certeza de segurança", é o que as empresas alimentícias precisam provar ao FDA para obter aprovação.
Diversas entidades aconselharam a agência a classificar automaticamente todos os novos ingredientes alimentícios resultantes da nanotecnologia. E querem que esses mesmos padrões sejam estendidos, abrangendo as empresas fabricantes de suplementos alimentares, entre elas algumas que já estão comercializando terapias minerais e à base de ervas tradicionais que, segundo informam, são novas formas em nanoescala mais eficazes.
Alguns grupos estão solicitando também que os produtos que contenham ingredientes sintéticos em nanoescala, não importa qual seja a sua quantidade, sejam rotulados obrigatoriamente. Ao FDA faltam funcionários suficientes para uma fiscalização em grande escala. Além disso, a simples definição de nanotecnologia também pode ser um obstáculo.
A Basf é considerada pioneira na área de produtos tais como o licopeno sintético, aditivo que substitui o licopeno natural extraído de tomates e frutas. Amplamente usado como colorante alimentar, o licopeno está cada vez mais valorizado pelos benefícios que produziria contra o câncer. Mas as partículas da Basf têm, em média, 200 a 400 nanômetros de diâmetro, bem acima do limite de 100 nanômetros que muitos especialistas consideram ser a fronteira da nanotecnologia.
RENOVADOR DE ÓLEO
Diante das incertezas, o investimento a curto prazo deve se concentrar em novas tecnologias na área de embalagem e processamento de alimentos. Esse é um nicho para o qual a OilFresh, companhia da Califórnia, está atenta. Ela comercializa um dispositivo original para renovar o óleo de fritura.
A OilFresh tritura o zeolito, que é um mineral, em minúsculas partículas com 20 nanômetros, revestidas com um material não revelado. Comprimidas na frigideira, as partículas interferem com processos químicos que desintegram o óleo. Com isso, pode-se utilizá-lo por mais tempo.
(O Estado de S. Paulo, 25/10/2006)