O governo brasileiro acaba de ganhar um aliado inesperado em sua proposta de criar um fundo contra as emissões de carbono na Amazônia: o Banco Mundial (Bird). Num relatório divulgado ontem, o banco afirma que o carbono do desmatamento evitado é a grande "oportunidade inexplorada" pelo planeta para reduzir a pobreza e ao mesmo tempo conservar a biodiversidade e ajudar a resolver a crise climática.
O documento vem sendo organizado há cerca de um ano pelo americano Kenneth Chomitz, o principal economista ambiental do Banco Mundial em Washington.
A data de sua divulgação não poderia ser mais oportuna: no começo do mês que vem, num encontro internacional sobre mudança climática em Nairóbi, Quênia, o Brasil deve propor a criação de um fundo global para compensar os países pobres que reduzirem o desmatamento nas florestas tropicais -e contribuírem, assim, para a mitigação do efeito estufa.
É também com um olho em Nairóbi (e outro na eleição deste domingo) que a administração Lula anunciará, depois de amanhã, a queda na taxa de desmatamento na Amazônia pelo segundo ano seguido.
A lógica tanto de Chomitz quanto da ministra Marina Silva (Meio Ambiente) para apontar o carbono como uma solução para a Amazônia é simples. As árvores da floresta tropical estocam, na forma de tronco, folhas e raízes, grandes quantidades de carbono. Quando elas são derrubadas e queimadas, esse carbono é lançado na atmosfera na forma de CO2, ou gás carbônico, o principal responsável pelo aprisionamento do calor da terra na atmosfera (o efeito estufa). Estima-se que de 20% a 25% das emissões globais anuais de CO2 venham do desmatamento tropical.
Em seu trabalho, intitulado "Em Desacordo? Expansão Agrícola, Redução da Pobreza e Ambiente nas Florestas Tropicais", Chomitz e quatro colaboradores colocam no papel -e em números- as relações entre pobreza e desmatamento em todas as áreas de floresta tropical do planeta.
Desfazem alguns mitos, como o de que o desmatamento está sempre relacionado à pobreza nos países do Terceiro Mundo (isso é verdade em Madagascar, onde miseráveis desmatam, mas não em Mato Grosso, onde milionários do agronegócio o fazem). E afirmam que a devastação tanto destrói quanto cria ativos para as populações pobres.
Tiro no pé
O estudo afirma que há desmatamentos lucrativos -no cerrado goiano, por exemplo, o hectare de terra desmatada chega a valer R$ 6.000, o que significa muito dinheiro no bolso do produtor e um estímulo a empurrar a fronteira agrícola para a frente-, mas que em geral, nas regiões de floresta, o que acontece é um verdadeiro tiro no pé econômico.
"Se você olha para as estimativas de valor de terra na fronteira amazônica, descobre que os produtores desmatam para criar uma pastagem que rende US$ 300 por hectare, em média. Mas o preço do carbono no mercado europeu está em torno de US$ 16 por tonelada", disse Chomitz à Folha. "Assumindo que uma floresta densa pode ter até 500 toneladas de carbono, você está queimando um ativo de US$ 8.000 para ganhar US$ 300. Isso não faz muito sentido para mim."
O problema é que ainda não existem mercados para comercializar esse carbono. Chomitz diz que um acordo internacional pelo qual os países industrializados paguem as nações tropicais para reduzir o desmate é uma das soluções possíveis. Um passo seguinte seria usar essa compensação para estabelecer programas nacionais de incentivo à agricultura em zonas já desmatadas.
"À medida que cresce o reconhecimento global sobre a ameaça da mudança climática, acho que os países-doadores teriam interesse num mecanismo desses", afirmou Chomitz.
Leia o
relatório completo em inglês.
(Por Claudio Ângelo, Folha de S. Paulo, 24/10/2006)
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2410200601.htm