População pede aos políticos soluções para Santa Maria não virar um grande lixão e melhorar a qualidade de vida
"Os cardumes de lambaris subiam e desciam por estas pedras. A gente se juntava e ia
pescar, toda a gurizada. Isto aqui era um balneário. Logo ali, tinha um açude, com
vertente. Tinha tanta traíra que a gente dava de pau nelas".
A afirmação, radiante, é de Antão Moreira, com a autoridade de quem já viveu meio século
ao lado do Arroio Cancela, na zona leste de Santa Maria. Antão plantou uma barreira
verde para impedir que a água desbarranque sua casa e impeça que a água podre entre em
seu pátio a cada enxurrada. Em menos de 35 anos, os peixes que ele pescava se
transformaram em lixo, fezes, lata, plástico e uma série infindável de resíduos que a
população da cidade atira deliberadamente ao arroio por falta de alternativa ou,
simplesmente, porque assim se acostumou a fazer.
- Não tem um ser vivo aqui agora. Também, a cidade foi crescendo, botaram casa e
esqueceram do esgoto - reflete Antão, apontando para o córrego que corta a cidade
recebendo resíduos das casas, prédios, lojas e oficinas.
O diagnóstico traçado por Antão é o mesmo que especialistas em meio ambiente fizeram do
chamado "passivo ambiental", que nada mais é do que a relação de problemas ambientais
que o município e, também, a região central do Estado, possuem e as autoridades
governamentais têm extrema dificuldade em resolver. Por isso, é chamado de "passivo".
São problemas recorrentes e interligados que figuram como promessas a cada eleição.
Enchem a boca dos políticos e a esperança dos moradores. Mas nunca se resolvem.
- É o tempo do tapinha nas costas. Eles tinham de ter mais dignidade. Isto aqui está
abandonado. Eles pensam que estão enganando o cara. Na última eleição, andavam por aqui
de bota de borracha, prometendo colocar canos. Mas não aconteceu nada - afirma Luís
Airton Bibiano, 37 anos, com os pés próximos ao cano que derruba o esgoto de sua casa
para dentro do Cancela.
Desiludido, Luís plantou árvores na encosta para proteger sua casa. Mas o lixo
emaranhado na cerca de arame denuncia que o nível da água em época de cheia traz um
tormento para os moradores do local.
- A gente tomava banho aqui. A cidade cresceu, o lixo aumentou. E aí? Vamos reclamar
para quem? - indaga Luís, que há 15 anos mora na beira do Cancela.
Crescimento desordenado cria espiral de degradação
O caso do Arroio Cancela é um exemplo do que acontece por toda a cidade. O crescimento
desordenado e rápido criou um espiral de degradação (veja quadro ao lado) que se repete
pela região e pelo Estado. Mesmo sendo sinônimo de problema social, os cuidados com o
ambiente onde os eleitores vivem e votam esteve qause ausente desta campanha. Nem depois
do acidente que provocou uma grande mortandade de peixes no Rio dos Sinos.
- Não levam em conta áreas de preservação. Os órgãos competentes são incompetentes. Não
há integração para acompanhar o crescimento da cidade e conhecer a legislação para
gerenciar - afirma Marcos Cartana, arquiteto e membro da ONG Integracidade.
A ciranda da morte
- Os problemas ambientais nascem da ocupação desordenada do espaço urbano e rural e de
atividades que degradam o ambiente e pioram a qualidade de vida da população
- A cidade cresce para cima das áreas verdes, impulsionada pela especulação imobiliária,
produzindo mais lixo, esgoto, espaço impermeabilizados (ruas, prédios)
- O problema é a falta de planejamento. Por exemplo, são criados loteamentos sem esgoto,
que acaba sendo lançado nos cursos de água
- Os rios, que poderiam ser uma opção de lazer, viram esgotos a céu aberto, auxiliando
na propagação de doenças, inibindo o turismo, provocando alagamentos e prejuízos
Yeda Crusius (PSDB)
- Dar caráter estratégico a Sema no planejamento e coordenação das políticas ambientais
a partir das diretrizes estabelecidas pelo Consema e DRH
- Ampliar a participação de municípios no Siga-RS e integrá-los ao processo dos comitês
de bacias hidrográficas
- Criação de uma agência ambiental, com caráter executivo, que agregue as funções de
planejamento, monitoramento e pesquisa, coordenando as ações de todo o sistema de
proteção e desenvolvimento ambiental gaúcho
- Institucionalizar o Balcão Único de Licenciamento para ser uma janela única de
contato entre cidadãos e empresas que buscam licenciamento com órgãos ambientais
- Centralizar na Sema toda a fiscalização ambiental - hídrica-florestal - para quem já
dispõe de licenciamento
- Valorizar o quadro técnico, com definições de funções e qualificações, e reavaliar a
política de subcontratação
- Realizar convênio com o corpo de voluntários militares inativos, para desenvolver o
serviço de guarda-parques nas 22 unidades de conservação
Olívio Dutra (PT)
- Fortalecer a Sema, integrando os programas ambientalmente sustentáveis adotados em
todas as áreas de atuação do Estado
- Revigorar o Conselho Estadual do Meio Ambiente, os Conselhos Municipais de Meio
Ambiente
- Apoiar a formação de cooperativas de trabalho para a reciclagem da coleta seletiva e
geração de renda
- Promover e apoiar ações de planejamento urbano, com atenção especial para o controle
de cheias, controle de doenças e arborização
- Integrar a política de saneamento ambiental com as políticas de saúde, meio ambiente,
recursos hídricos, agrárias, povos indígenas e quilombolas, desenvolvimento econômico,
emprego e renda, habitação e reforma urbana
- Programas de preservação, recuperação, uso e manejo adequado dos recursos naturais em
todos os municípios
- Implementar programas de educação ambiental em todas as instituições públicas
- Promover a agroecologia e fomentar novas tecnologias compatíveis com preservação
Saída para o lixão
Dez entre dez ambientalistas da cidade apontam o problema do lixão da caturrita como a
pior ameaça ao ambiente em Santa Maria e região. O local, inadequado, condenado,
superlotado, invadido, pilhado é uma bomba ambiental de efeito retardado.
Se tudo der certo no edital que a Secretaria de Proteção Ambiental vai publicar até o
fim desta semana, a área da Caturrita pára de receber resíduos sólidos até o fim deste
ano.
- O depósito da Caturrita é um problema histórico. O novo edital vai prever, além da
coleta, um novo destino para o lixo. Terá de ser uma alternativa licenciada pela Fepam.
Hoje, a operação não é adequada - afirma Ester Fabrin, secretária de Proteção Ambiental.
Apesar da boa notícia, o assunto lixão e sua novela de 20 anos ainda deixam de cabelo
em pé que trabalha por melhores condições de vida para a população. O que alegam os
ambientalistas é claro e cristalino, como a água. O dinheiro público investido reverte
para toda a sociedade em qualidade de vida, saúde, lazer e ar puro.
Difícil é conseguir que os políticos profissionais tratem o problema ambiental como uma
das tão faladas "prioridades" da campanha.
- O poder público não encara a questão como prioridade. Não sei se é descomprometimento
ou falta de informação - afirma Marta Regina Lopes Tocchetto, química e especialista na
gestão de resíduos.
- É fácil falar no saco de lixo. É preciso inverter a pirâmide investindo em educação.
Estamos decidindo que mundo e que cidade queremos para os nossos filhos. Há uma lei,
mas há muita impunidade - avalia o presidente do comitê de gerenciamento da bacia do
Rio Vacacaí-Mirim, Sérgio Martini.
(Por Carlos Dominguez,
Diário de Santa Maria