Uma ação do Ministério Público Federal no Espírito Santo, encaminhada segunda-feira (23/10) à Justiça Federal, quer multar a empresa Aracruz Celulose S/A em R$ 1 milhão por danos morais coletivos às comunidades indígenas tupiniquim e guarani do município de Aracruz. Na ação, o MPF acusa a empresa de difundir em sua página na Internet e em cartilhas distribuídas em escolas e universidades “informações de caráter abusivo, distorcido e capcioso”, exigindo também a imediata retirada deste material de circulação.
Desde o início do ano, a empresa vem travando uma guerra contra os tupiniquins e guaranis, que estão buscando na Justiça a devolução de 11 mil hectares considerados terra indígena e atualmente ocupada pela Aracruz com plantação de eucalipto. No dia 11 de setembro, a Funai encaminhou ao Ministério da Justiça um parecer que derruba os argumentos da empresa em defesa da posse da terra, o que, em tese, daria ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, trinta dias para assinar a portaria que ampliaria a área indígena de 7 mil para 18 mil hectares, ou devolvê-la, solicitando mais informações.
De acordo com lideranças indígenas e organizações socioambientais de Aracruz, o encaminhamento do aspecto jurídico do conflito levou a empresa a contra-atacar com propaganda difamatória. Segundo o procurador André Pimentel, responsável pela ação do MPF, tanto as cartilhas quanto as informações na pagina eletrônica da empresa apresentam dados inverídicos sobre a questão fundiária e mentiras sobre a ocupação histórica da região pelos índios, que não apenas “faz parecer invenção a postulação pela terra, mas fere também o artigo 169 da Organização Internacional do trabalho, que garante os direitos dos povos indígenas”.
Em seu material de campanha contra os indígenas, a Aracruz Celulose argumenta que “há muitos anos os índios tupiniquins se integraram à sociedade. Eles não guardam traços da cultura indígena e vivem em aldeias parecidas com cidades do interior: suas casas são de alvenaria, algumas com antena parabólica. As ruas são asfaltadas e é possível identificar escolas, igrejas, postos de saúde e mercados”.
“A manifestação é preconceituosa pois traz a idéia de que só é possível a existência de comunidades indígenas com características estereotipadas, ou seja, traz subjacente a noção de que só podem ser índios os que moram em ocas e cabanas, e que os nativos não podem ter bens materiais comuns em nossa sociedade. Estas idéias são absolutamente deturpadas e não correspondem aos critérios tecnicamente hábeis, sob os aspectos jurídico e antropológico, para se qualificar determinada comunidade como indígena”, afirma Pimentel na ação.
Mais adiante, o texto explica que “a divulgações deste naipe estimulam as desavenças raciais entre nativos e não índios. É que a sociedade envolvente, organização social “civilizada”, influenciada pela conduta da empresa de divulgar sua campanha abusiva sobre a “questão indígena” neste Estado, verá os membros das etnias tupiniquins e guaranis como verdadeiros tratantes, que se fazem passar por índios para gozar de vantagens, tudo com o beneplácito e ajuda da Funai”.
Segundo Pimentel, apesar de não configurar racismo, o material da Aracruz Celulose pode estimular este crime na população local. Neste sentido, explica o procurador, o MPF considera que a simples divulgação da cartilha e das informações difamatórias constituem um dano moral coletivo aos indígenas, o que justifica a multa de R$ 1 milhão cobrada da empresa na Justiça. A analise do mérito deste particular pode ser mais demorada, mas há possibilidades de que a liminar que exige a retirada das informações do site seja deferida logo. Neste caso, o não cumprimento da ordem judicial poderá acarretar uma multa diária de R$ 100 mil.
(Por Verena Glass,
Agência Carta Maior, 24/10/2006)