À primeira vista, os programas ambientais de governo dos candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Geraldo Alckmin (PSDB) são parecidos. Referências a alguns objetivos como redução do desmatamento, expansão sustentável dos recursos energéticos ou proteção da biodiversidade são comuns aos dois documentos. A principal diferença reside na aposta do candidato petista em projetos com maior participação social (como o biodiesel) enquanto o candidato tucano é mais identificado com a “agenda do mercado”. Para insatisfação do movimento socioambientalista, no entanto, os dois programas de governo são muito próximos em temas polêmicos como a liberação dos transgênicos, o projeto de transposição do Rio São Francisco ou a construção de grandes usinas hidrelétricas nos rios Xingu (Belo Monte) e Madeira (Jirau e Santo Antônio).
O programa ambiental de Lula afirma que “a ampliação da infra-estrutura energética, apoiada na diversificação da matriz anterior, permitirá que o novo ciclo de desenvolvimento se dê de forma sustentável e sem os sobressaltos do passado”. No capítulo “Brasil Potência Energética”, o programa de governo do candidato petista fala em “manter os investimentos na expansão da geração e transmissão de energia elétrica” e se compromete a “dar início à construção das hidrelétricas do Rio Madeira e Belo Monte, com respeito às normas ambientais”.
O programa de Alckmin afirma que “o desenvolvimento e o crescimento econômico do país exigirão expansão do consumo de energia” e também defende a conclusão da construção das mega-usinas. O documento, no entanto, revela que, num eventual governo do PSDB, os estudos de impacto social e ambiental dos projetos de infra-estrutura seriam tratados como entrave ao desenvolvimento: “É preciso afastar a burocracia excessiva que entrava os investimentos em setores estratégicos para o crescimento do país”, diz o documento, que traz como proposta “simplificar e informatizar os procedimentos de licenciamento ambiental, visando à desburocratização, agilização e transparência dos processos”.
Outra diferença programática em relação à questão energética diz respeito à busca por fontes renováveis. O PT propõe “dar continuidade ao fomento do grande potencial brasileiro de fontes alternativas” e afirma que “no Nordeste, a energia eólica dará complemento à hidráulica” enquanto “no Sul e Sudeste, a alternativa prioritária será a da biomassa”. Lula defende a introdução de novos mecanismos de apoio à produção de biodiesel “de forma a ampliar o percentual de mistura em uso no Brasil” e propõe a consolidação dos pólos de produção de biocombustíveis “como o etanol, o biodiesel e o H-Bio”. O programa petista fala também em “incentivar a exportação da tecnologia de biocombustíveis para os países da América Latina e da África”.
O PSDB aborda a questão de maneira mais generalista, apenas dizendo em seu programa que Alckmin pretende “expandir o uso de fontes de energia renováveis”. Em relação aos biocombustíveis, os tucanos falam em “revisar o Programa de Biocombustíveis, estabelecendo para ele critérios de sustentabilidade econômica, ambiental e social”. Quando fala em revisão, não fica claro se Alckmin não pretende priorizar a produção de biodiesel e H-Bio ou se quer apenas modificar a orientação de incentivo à agricultura familiar que é dada aos programas pelo governo Lula. Os dois programas falam em manter a auto-suficiência em petróleo e garantir a oferta de gás (sem citar a Bolívia), mas nenhum traz uma linha sequer sobre a construção da usina nuclear de Angra 3.
Desmatamento
Tarefa monumental para o próximo presidente da República, a redução do desmatamento na Amazônia é citada nos programas do petista e do tucano. Lula fala em “criar e consolidar novas Unidades de Conservação” e promete “reduzir a taxa de desmatamento anual da Amazônia e demais biomas a níveis médios inferiores aos do período 2003-2006”, enquanto Alckmin se compromete a “implementar medidas efetivas para o aumento da presença do poder público na Amazônia, nas áreas de licenciamento, monitoramento e fiscalização”. Para conter a ação predatória nas áreas de maior risco, o programa do PT defende a implementação da Lei de Gestão de Florestas Públicas aprovada este ano. O PSDB, por sua vez, defende “a racionalização da exploração da área já desmatada ao longo do chamado arco do desmatamento”: “São 60 milhões de hectares de terras subutilizadas e degradadas que podem abrigar um enorme conjunto de atividades agropecuárias”, diz o programa tucano.
Os dois candidatos se comprometem a manter o engajamento do Brasil nos acordos ambientais multilaterais assinados pelo país. O programa de Alckmin fala em “definir uma Política Nacional de Mudanças Climáticas, envolvendo programas de mitigação e de adaptação do país às mudanças climáticas em curso”. O programa de Lula defende que o Brasil mantenha metas voluntárias de combate ao desmatamento e queima de combustíveis fósseis e mantenha o papel de protagonista nas negociações internacionais para que os países em desenvolvimento sejam recompensados pelo desmatamento evitado. Lula também defende para um segundo mandato “a regulamentação, por lei, do acesso aos recursos genéticos e ao conhecimento tradicional associado” enquanto Alckmin fala somente em “estimular programas nacionais de pesquisa, de forma a aumentar o conhecimento do nosso patrimônio natural, com vistas a possíveis usos e a preservação da soberania nacional”.
Transgênicos e transposição
Os dois temas ambientais mais polêmicos do governo Lula _ a adoção de uma política de biossegurança e o projeto de transposição do Rio São Francisco _ são tratados de forma negligente tanto no programa do petista quanto no do seu adversário tucano. Em relação à biossegurança, nem PT nem PSDB fazem menção a pontos sensíveis que envolvem interesses diversos, como a liberação comercial dos transgênicos ou a posição do futuro governo frente à produção de árvores transgênicas ou de sementes suicidas (conhecidas como Terminator).
O programa de Lula ignora a questão dos transgênicos _ numa omissão deliberada, segundo os movimentos sociais, para manter a posição “em cima do muro” do primeiro mandato. O programa de Alckmin fala em “fortalecer e capacitar a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) para desempenhar papel regulador e decisório em todos os temas relacionados à biossegurança”. O tucano, se eleito, certamente irá determinar a redução do quorum necessário (atualmente de dois terços) para aprovar as liberações comerciais na CTNBio. No caso de um novo mandato de Lula, provavelmente persistirá a atual disputa interna, o que torna a posição do futuro governo frente aos transgênicos uma incógnita.
Em outro ponto que promete trazer ainda muita dor de cabeça para quem quer que seja o futuro presidente do Brasil, o programa do PT propõe a revitalização do Rio São Francisco e a “interligação de sua bacia com outras bacias hidrográficas do país”, o que, na prática, significa defender a continuidade do projeto de transposição. O PSDB fala apenas em “garantir a revitalização do Rio São Francisco, para que o mesmo possa cumprir sua função estratégica de assegurar água para o desenvolvimento econômico e social, no contexto do Programa Novo Nordeste”. O candidato Alckmin, no entanto, já se manifestou favoravelmente à transposição em diversas entrevistas durante a campanha eleitoral.
(Por Maurício Thuswohl,
Agência Carta Maior, 24/10/2006)