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2006-10-24
O desequilíbrio ambiental marinho está sendo empurrado cada vez mais para o fundo. O fenômeno, que é mundial, já começa a ser detectado pelos pesquisadores nas águas brasileiras. Por causa de um esforço de pesca cada vez maior, determinados tipos de peixe sumiram de perto do litoral, em todas as regiões do Brasil.

Ao irem mais longe, atrás de novas espécies, os barcos de pesca não colocam em risco apenas as populações-alvo. Os bancos de coral, apesar de indesejados, também são destruídos e trazidos à tona, principalmente na modalidade arrasto -redes são lançadas até o assoalho oceânico e arrastadas por quilômetros até serem puxadas de volta.

Ainda não há uma estimativa oficial sobre o dano. Mas relatos dão conta de que em um único arrasto, em uma área ainda não explorada, 4.000 quilos de coral são capturados em apenas um lançamento de rede.

Até 2004, o grande alvo do sistema de arrasto era o peixe-sapo (Lophius gastrothysus), que vive em águas profundas. "Agora, muitas embarcações, inclusive de bandeira estrangeira, estão indo atrás também do camarão de profundidade. Como a pesca de arrasto é pouco seletiva, o impacto acaba sendo bastante grande", disse à Folha Marcelo Kitahara, pesquisador do Museu Oceanográfico do Vale do Itajaí.

Hoje, segundo o cientista, algumas frotas pesqueiras já lançam equipamentos altamente sofisticados a até 1.500 metros de profundidade. Os corais são zonas de grande biodiversidade. Por isso, a pesca do camarão, por exemplo, acaba sendo feita nessas áreas. Um dos motivos dessa busca mais profunda pelo pescado pode ser explicada pelos dados que acabam de ser compilados pelo programa Revizee (Recursos Vivos na Zona Econômica Exclusiva). Apesar de existirem algumas saídas, a pesca no Brasil está sendo feita de forma insustentável afirma o estudo.

Um dos casos mais simbólicos, é o do peixe cherne-poveiro. Entre 1989 e 2001 a produção dessa espécie era de 2.000 toneladas anuais.

Nos últimos anos, ela caiu para apenas 460 toneladas. Além disso, em termos gerais, a produção marinha de pescado do Brasil hoje é de 500 mil toneladas, contra 600 mil toneladas na primeira metade da década passada.

"A pesca de arrasto em águas profundas da costa brasileira (mais de 200 metros) vem crescendo desde o final da década de 1990. A destruição causada pelas pesadas redes foi comprovada por pesquisadores que estiveram a bordo dos pesqueiros. Eles relatam a captura de grandes quantidades de coral e de outros organismos de águas profundas também", afirmou Alberto Lindner, pesquisador do Cebimar (Centro de Biologia Marinha) da USP.

O especialista brasileiro em formações coralinas de águas profundas participou da equipe que descobriu imensos "jardins de coral" no Alasca, em 2002. A descoberta fez o presidente americano George W. Bush criar uma das maiores áreas de proteção marinha de todo o mundo. "Os dados sobre a destruição, no Brasil, e no mundo, são alarmantes. Esses organismos são ainda pouco conhecidos e precisam ser mais bem estudados", diz.

Se as conseqüências indiretas dos arrastões do fundo do mar são uma realidade, José Ángel Perez, oceanógrafo e professor da Univali (Universidade do Vale do Itajaí), em Santa Catarina, lembra que essa modalidade usada pela indústria pesqueira pode colocar em risco o próprio alvo principal, ou seja, os peixes. "O problema mais grave, na minha opinião, são as populações pescadas. Em geral, os níveis de abundância delas são muito baixos."

Para o estudioso, é o momento de ser feita uma grande discussão para que toda a atividade pesqueira realizada em águas profundas possa ser organizada. "O próprio programa Revizee mostrou que os estoques do litoral brasileiro não estão em boas condições. As medidas do governo, por enquanto, também não estão surtindo muito efeito", disse.

Na visão otimista de Perez, se medidas efetivas forem tomadas hoje, em dez anos a situação pode melhorar. "As populações não estão perdidas. Elas estão sendo muito exploradas. É possível reverter esse quadro". Entre as ações cabíveis, nem Perez nem os demais pesquisadores excluem a necessidade de que atitudes extremas sejam tomadas.

"Em alguns casos, exclusões geográficas deverão ser estudadas", explica. Em outras palavras, se o Brasil e o mundo quiserem preservar a biodiversidade das altas profundidades, moratórias à pesca terão que ser decretadas em breve.

"A preservação desses habitats em forma de áreas de exclusão de pesca é essencial para a sustentabilidade", afirma Kitahara. "Não tenho dúvidas que isso vai precisar ser feito."
(Por Eduardo Geraque, Folha de S.Paulo, 23/10/2006)
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2310200601.htm

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