Cadeia produtiva do jacaré ainda na gestação
2006-10-24
Depois de passar por extremos – a caça indiscriminada, até 1967, seguida pela proibição da captura, até a liberação controlada da atividade para fins comerciais nos últimos 20 anos –, o manejo do jacaré do Pantanal está mais próximo de chegar ao meio termo entre dois pontos aparentemente controversos, a viabilidade econômica e a conservação da espécie e de seu ecossistema. Avanço das técnicas de produção, aliado a iniciativas de pesquisa pioneiras que prometem estabelecer novos modelos de uso sustentável do animal, vem contribuindo para desmistificar a atividade, porém a expansão do aproveitamento comercial do réptil ainda esbarra nas lacunas da cadeia produtiva do Estado.
Das 12 fazendas que já chegaram a explorar a atividade no Estado a partir do final da década de 70, o número de empreendedores rareou para apenas três estabelecimentos, cujos criadouros somam cerca de 15 mil animais. Quando considerada a planície pantaneira como um todo (Mato Grosso do Sul e Mato Grosso), esse número salta para aproximadamente 100 mil animais, conforme estimativas de pesquisadores. Entre as dificuldades relatadas por quem permanece no ramo, está a falta de entrepostos especializados em abate e processamento da pele, o que obriga os criadores a recorrer ao Rio Grande do Sul para enviar a pele para curtimento e depois recebê-la de volta.
Por outro lado, sem estas primeiras etapas, o aproveitamento do produto na confecção de bolsas, sapatos e outros artigos, produzidos ou não de forma artesanal, não pode ser desenvolvida e oportunidades de emprego deixam de ser criadas.
Espera
Com experiência de 18 anos na pesquisa de manejo de jacarés e outros 10 como criador comercial, o médico veterinário Gerson Zahdi compara a atividade ao processo de gestação, e destaca: o "bebê" não nasceu ainda, embora a "gravidez" esteja transcorrendo muito bem até o momento. "Para essa gestação se completar, precisamos de firmeza na comercialização, esse é o ponto onde tem ocorrido problemas. A partir do momento em que o mercado estiver definido, fatalmente vai haver evolução", acredita. Como pontos positivos, ele destaca a tecnologia da produção, a efetividade de aplicação da legislação que ampara a atividade através da portaria 126/90 do Ibama – regulamentando a implantação de criadouros comerciais da espécie Caiman yacare (jacaré do Pantanal), na Bacia do Rio Paraguai – , além da disseminação dos conhecimentos sobre o empreendimento e suas diversas etapas de funcionamento. "Quando tiver frigorífico e curtumes trabalhando com esse produto no Estado, fecha-se a cadeia produtiva e aí haverá espaço para a indústria de transformação se desenvolver", aposta.
Agregação
O subaproveitamento do potencial bioeconômico do jacaré também é reconhecido pelo biólogo Marcos Eduardo Coutinho, do Centro de Conservação e Manejo de Répteis e Anfíbios do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) de Mato Grosso do Sul e coordenador nacional do programa Biologia, Conservação e Manejo de Crocodilianos Brasileiros. O pesquisador considera que o grande desafio para a cadeia produtiva do jacaré do Pantanal é incorporar o conceito de bioindústria, consolidando a agregação de valores do uso comercial do animal, exatamente o contrário daquilo que o retorno da caça – até três anos atrás, defendida por alguns segmentos da sociedade – traria para o Estado. "A caça representa uma desagregação de valores, pois comprometeria a qualidade da carne e ainda não permitiria o processamento adequado do animal. No lugar disso, queremos um manejo que agregue valor ao indivíduo e promova a conservação do ecossistema", comentou.
Frigorífico-escola abaterá animais silvestres
Visto como uma das grandes oportunidades de fomentar a cadeia produtiva do jacaré no Estado, o frigorífico-escola que começou a ser construído no ano passado na fazenda da Embrapa Gado de Corte em Campo Grande está com cerca de 30% da obra física concluída e com cronograma de entrega atrasado em quase 18 meses. Fruto de uma parceria do Instituto Parque Regional do Pantanal (IPP) com o Fundo Francês para o Desenvolvimento do Meio Ambiente (FFEM) e Embrapa, o empreendimento tem a proposta inicial de operar com o abate de bovinos (capacidade de 100 animais por dia), e também será dotado de estrutura para abate de ovinos e animais da fauna silvestre – além do jacaré, ema e porco-monteiro.
"É uma obra extremamente importante, porque servirá para integrar todos os elos da cadeia produtiva da carne, contemplando ainda o tratamento dos resíduos físicos e químicos, e por se tratar de um frigorífico com alta complexidade, vai possibilitar também o melhor conhecimento de outras espécies para aproveitamento comercial", considera o chefe-geral da Embrapa Gado de Corte, Rafael Geraldo de Oliveira Alves.
Dos cerca de 200 equipamentos necessários para colocar o empreendimento em operação, 178 já foram adquiridos pela Embrapa, parceira responsável pela operacionalização do frigorífico-escola. Já as obras de complementação (currais, guarita, sistema de tratamento de efluentes) virão por meio de convênios com o Governo do Estado e outras instituições, havendo ainda recursos colocados à disposição da à Confederação Nacional de Agricultura e outros a serem repassados por meio do Fundo de Apoio à Industrialização, após assinatura de convênios. A conclusão da obra física está sob a responsabilidade do IPP, e sofreu atrasos em seu cronograma em função de atraso no repasse de recursos, necessidade de realinhamento do orçamento por conta da valorização do câmbio e ainda problemas administrativos enfrentados pela organização não-governamental.
No entanto, segundo informações da consultora do IPP, Rejane Figueiredo, foram tomadas todas as providências para que o último repasse proveniente do FFEM chegasse. O valor, que totaliza R$ 389 mil, conforme o contrato assinado no ano passado, não necessitaria de atualização e seria suficiente para concluir as obras. "Houve uma adequação do projeto, que acabou sendo beneficiado com o barateamento de custos", disse.
(Por Daniella Arruda, Correio do Estado, 23/10/2006)
http://www.correiodoestado.com.br/exibir.asp?chave=140284,1,5,23-10-2006