A construção de Angra 3 e de seis outras usinas nucleares - conforme plano que está na Casa Civil e será discutido pelo governo, como adiantou a ministra Dilma Rousseff em entrevista ao Valor - continua um assunto de difícil consenso dentro do próprio governo. "É possível superar a questão do suprimento energético com outras alternativas", argumenta o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Cláudio Langone.
Segundo ele, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) ainda analisa a viabilidade de Angra 3 e novos projetos nucleares "não estão absolutamente em discussão". A posição do ministério é desfavorável à conclusão de Angra 3, cujos investimentos devem consumir mais US$ 1,5 bilhão, essencialmente por causa dos riscos de armazenamento dos rejeitos. No início do ano, relatório da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados apontou a inexistência de locais adequados para o depósito de lixo radioativo no país.
Para Karen Suassuna, especialista em mudanças climáticas da ONG ambientalista WWF-Brasil, falar em expansão da energia nuclear na matriz brasileira "é quase uma insensatez". "Não tem cabimento pensar em novas usinas nucleares quando o país tem tanto espaço para melhorar a sua eficiência energética e tanto potencial com fontes alternativas."
Estudo da WWF-Brasil demonstra que, com um ambicioso programa de eficiência energética, a demanda por eletricidade no país pode cair 38% até 2020 - mesmo com crescimento econômico a taxas anuais de 4,1%. Essa energia corresponde à oferta equivalente à produção de 60 usinas semelhantes a Angra 3.
Para a especialista da WWF, o fato de o aumento da demanda por energia estar sendo atendido pela oferta de termelétricas, mais caras e poluentes, não justifica a alternativa nuclear. "Temos outras opções", diz Karen. Segundo ela, o melhor é investir em biocombustíveis. Nos cálculos da WWF, o Proálcool evitou a emissão de 403 milhões de toneladas de gás carbônico entre 1975 e 2000. O incremento da produção de energia eólica, solar e a partir de biomassa pode repetir essa economia, afirma.
Já estudo elaborado pelo Greenpeace argumenta que os reatores atômicos de terceira geração (em fase inicial de implantação) e de quarta geração (em desenvolvimento) não garantem a eliminação dos principais riscos associados a esse tipo de energia: falhas no sistema de resfriamento da usina, explosões de hidrogênio e como lidar com os rejeitos nucleares.
Existem quatro gerações de reatores. A primeira, desenvolvida nas décadas de 1950 e 1960, já foi praticamente desativada. Boa parte dos reatores em funcionamento faz parte da segunda geração, da qual existem pelo menos seis variações.
A terceira geração começou a ser implantada no Japão, tem um projeto em curso na Finlândia e pode tornar-se base da expansão da energia atômica na França. As pesquisas para o desenvolvimento de uma quarta geração foram lançadas em 2000, pelo governo americano, e hoje contam com a participação de mais nove países, inclusive o Brasil.
Esse tipo de equipamento é aguardado por especialistas como uma revolução em termos de segurança e eficiência. O Greenpeace questiona a real possibilidade de sucesso nessas novas pesquisas e não vê chances de isso ocorrer antes de mais 20 ou 30 anos.
Se retomar os projetos nucleares, o Brasil seguirá o exemplo de diversos outros países que anunciaram planos semelhantes nos últimos meses. O grupo inclui Reino Unido e Finlândia, mas também emergentes como a Argentina. Em agosto, o país vizinho decidiu retomar a construção da terceira usina atômica do país, paralisada há um quarto de século. A conclusão de Atucha 2 demandará investimento de US$ 1,5 bilhão. A estimativa é que entre em operação em meados de 2009. As duas usinas nucleares argentinas em funcionamento são Atucha 1 e Embalse. Juntas, correspondem a 4,5% da potência instalada no país.
(Por Daniel Rittner,
Valor Econômico, 24/10/2006)