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2006-10-23

Por Suindara Striga*

Como pagadora em dia de meu cadastro junto ao Conselho Profissional, recebi a Revista Bio3 — uma publicação do Conselho Regional de Biologia da região Sul. Nela pude ler, com descrença, que “para alavancar o crescimento do Estado, a Federação das Indústrias do RS (Fiergs) criou o projeto “ O Rio Grande que Queremos ” e que “ a Assembléia Legislativa, por sua vez, montou o Pacto pelo Rio Grande”. Parei a leitura por aí, percebi que se tratava de mais um texto demagógico de um secretário-executivo “dum tal” de Conselho Estadual de Recursos Hídricos.

O projeto versa sobre a mesma-coisa-de-sempre-tratada-em-foruns-e-debates-sobre-recursos-hídricos: racionalização, diagnósticos de áreas problemáticas, conscientização, educação ambiental; enfim uma leitura que passaria em branco não fossem os jornais do dia seguinte. A notícia: o maior “acidente ambiental” no arroio Portão, ou crime ambiental, resultando em cerca de 50 toneladas de peixes mortos no rio dos Sinos. O óbvio está sendo feito: a retirada do “material”, sua análise e da água, a autuação de empresas, as investigações pra culpar alguém — enfim, TUDO está “sob controle” da Fundação de Proteção Ambiental (Fepam). Todavia, é no “mapa da destruição”, publicado na Zero Hora de 12.10, que temos um diagnóstico de 2.635 atividades industriais de alto potencial poluidor, quer dizer, se der algo errado, acontecerá algo bem consistente, algo PIOR do que esse “acidente” dos Sinos.

Também nesse mapa deu pra notar o papel do rio Guaíba de receptor-de-toda-sorte-de-lixo-e-dejetos que vêm de todo nosso Rio Grande — sem pato, sem Pacto. Mas com sapatos, ferros-velhos, sofás, esgotos hospitalares e/ou clandestinos. Meu faro, e o de qualquer criatura que transite próximo ao arroio Dilúvio, pode suspeitar, quase jurar, que a maioria do que chega nele não tem tratamento algum; sempre me questiono porque não usam, ao menos, redes de contenção pros materiais mais “volumosos” que “vão parar” no valão.

Como cidadã, fiquei com a pulga-atrás-da-orelha, e pensei: por que sabendo o que é despejado, quanto e QUEM o faz, o poder público não determina que as indústrias potencialmente perigosas se enquadrem, por exemplo, em normas internacionais de produção limpa, de gestão dos resíduos sólidos, tais como as ISO 14000 e alguma coisa? Por que não há efetivamente programas de consumo consciente (afinal de contas, pra que tanto dejeto perigoso, senão pra suprir a demanda local e internacional?); educação ambiental que trabalhe a ética, a “idiossincrasia ambiental” (os palestrantes ambientais adoram falar em “mudar o paradigma”). Seria preciso amordaçar as pessoas e enfiar um funil nos ouvidos e, no funil, projetar um texto sobre as ameaças iminentes das atitudes individuais poluidoras, lembrar a elas de que uma coisa cria a outra, de que a poluição estuarina, urbana, mental, marinha, global são UMA SÓ COISA !??

Por que não há um programa sério e “militar” em relação a todos os tipos de poluição? Não é interessante ter uma cidade limpa de verdade? Não. Proibiriam-se, por exemplo, os carros-de-som eleitorais, as bandeirolas em formato de barraca, que foram “a novidade” nas últimas eleições — inclusive enfeitando a beirada do arroio Dilúvio e, desmantelando-se, caindo nas águas verdes-escuro, criando um cenário duma plástica incomum; que planeta é esse?

É de se pensar se realmente vale a pena estudar ecologia — rasa, profunda, budista, holística, metafísica —, desenvolvimento socioambiental, consumo consciente, ciclo de vida dos produtos, educação ambiental, direito ambiental, ética etc. Pra quê? Se, no frigir dos ovos, as pessoas continuam poluindo as cidades, as praias, as ruas, as calçadas, os bueiros? Constroem habitações em locais de risco e/ou protegidos por Lei — não estou falando de favelados e necessitados, e sim de loteadores de dentes cerrados e serrados (à pigméia), com sangue nos olhos e toda aquela boa-vontade da iniciativa privada de fazer tudo conforme a autorização ambiental (até encomendam pesquisa através de equipes multidisciplinares corruptas). Claro que o poder público faz a sua parte, com os técnicos apenas passando os olhos nos processos, saturados da merda toda, da pressão do progresso, deferindo sistematicamente pra se livrar daquilo. Dentro do possível, em algumas ocasiões aparece um advogado-do-diabo (acho que o diabo combina mais com o meio ambiente, toda aquela coisa de meio-homem, meio-cabrito...) e surge uma ação civil pública sobre isso — vale a pena lembrar do caso do loteamento de Jurerê Internacional, que se tornou viável (mesmo com laudos técnicos apontando destruição de dunas e de vegetação protegida) após chegar às mãos de políticos de Brasília. É constranjedor o poder delegado a essa corja.

A publicidade funciona maravilhosamente bem, basta darmos uma olhadinha no anuário do RS: todas as empresas limpas, corretas, mártires, estão buscando a “melhoria contínua”, as “tecnologias limpas”, as “política e cultura organizacionais”, etc. Parece aquelas revistas que trazem as imagens do paraíso prometido por Javé.

O que resta ao biólogo é, portanto, lucrar com estudos prévios de impacto ambiental que aleguem não haver possibilidade de impacto, de maneira a maquiar ao máximo os princípios do Direito Ambiental, as Tutelas da Fauna e da Flora e, claro, o artigo 225 da Carta Maior. Todo esse estudo, as discussões, os projetos, a Universidade, tudo não passa de balela, joguinho de criança perante o conluio de “empreendedores” privados ou públicos. E, a todos nós, resta-nos esquecer afinal essa coisa de preservação e seguir as regras do Gênesis e multiplicarmo-nos e dominarmos as forças da Natureza demoníaca que teima em nos rodear.

*Suindara Striga é ambientalista e bióloga

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