Kayapós têm a maior floresta certificada da América Latina
2006-10-23
Os corações dos bravos guerreiros Kayapós, da Terra Indígena do Baú (TI Baú), no município de Altamira, extremo sul do Pará, passaram a bater mais fortes semana passada com uma conquista inédita e de extrema importância para o futuro de seu povo.
A grande conquista foi a declaração da certificação socioambiental FSC de uma área de 1,5 milhão de hectares da TI Baú, que passa a ser a maior área de floresta tropical já certificada no mundo e a primeira do Brasil pertencente a índios. Além do certificado FSC, aquela terra indígena está prestes a receber a certificação de agricultura orgânica do IFOAM (International Federation of Organic Agriculture Movements), organismo internacional que certifica a agricultura ecologicamente correta.
Com a certificação FSC, a Terra Indígena Baú entra para o seleto grupo de áreas de florestas que utilizam sistemas de exploração sustentável, com seus produtos atendendo aos princípios da certificação (economicamente viável, ecologicamente sustentável e socialmente justo).
A certificação da Terra Indígena do Baú leva o Brasil a dispor agora da maior área certificada FSC na América Latina, contabilizando cinco milhões de hectares de florestas certificadas, sendo 2,7 milhões de floresta natural e 2,3 milhões de plantação florestal.
O processo de certificação da terra indígena dos Kayapós foi todo conduzido pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) em parceria com o Programa SmartWood (da Rainforest Alliance) e com o Instituto Biodinâmico (IBD).
Agora, os certificadores vão acompanhar permanentemente as fragilidades e os pontos a serem aperfeiçoados, verificados durante a avaliação, através de auditorias anuais àquela terra indígena. A comunidade também poderá ser visitada pelos auditores, caso existam denúncias relacionadas à área.
A certificação da primeira terra indígena do país é uma grande vitória para a sustentabilidade amazônica. Em uma região marcada por conflitos fundiários, pressões de atividades ilegais de madeira e garimpo, a comunidade indígena do Baú buscou alternativas sustentáveis para o uso da floresta, valorizando seu principal produto, que é a castanha.
Segundo o Imaflora, a retomada do manejo da castanha pelos Kayapós, representa uma grande contribuição com a reintegração social da comunidade indígena, com a construção de mecanismos para repartição de custos e benefícios, além de auxiliar na contínua fiscalização e proteção das suas áreas e divisas próximas à BR-163, de Cuiabá a Santarém.
Os técnicos do Imaflora destacaram, também que a comunidade Kayapó também contou com o apoio de diversos parceiros para estruturar sua cadeia produtiva, investir em consultoria técnica, financiar a auditoria para certificação, equipamentos e treinamento em práticas de manejo florestal e beneficiamento do óleo de castanha.
Para conquistar a certificação, a comunidade passou por um processo de avaliação conduzido por uma equipe de quatro profissionais especializados em certificação florestal comunitária, orgânica e em questões indígenas, com fluência no idioma Kayapó. Durante todo o processo, a equipe considerou os costumes, a língua, a organização social, as crenças, as tradições, o grande conhecimento e a estreita relação da comunidade com a floresta e seus recursos.
Além disso, os especialistas se basearam nos Padrões de Manejo de Produtos Florestais Não Madeireiros (SmartWood), nos Padrões para a Certificação Orgânica de Produtos Extrativistas (IFOAM/IBD) e utilizaram os Procedimentos Simplificados do FSC para Manejo Florestal em Pequena Escala e Baixa Intensidade (SLIMF).
Índios kayapós comemoram certificação
A Terra Indígena do Baú é um dos cinco territórios dos mais de sete mil índios Kayapós que habitam entre o norte do Mato Grosso e o sul do Pará. Somados, os cinco territórios medem 11,5 milhões de hectares de terras demarcadas, juntando também a área indígena contígua dos índios Panarás, uma etnia que se juntou à luta dos Kayapós e fala um idioma similar.
Toda essa área equivale ao tamanho dos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Alagoas, juntos. Além da TI Baú, os Kayapós ocupam as terras indígenas Menkranoti, Kayapó, Badjonkore e Capoto-Jarina.
“Os kayapós são senhoriais, guerreiros e orgulhosos de sua raça. Mantiveram suas tradições e seu idioma. Talvez por serem um povo tão lutador, eles conseguiram também a demarcação de um enorme território”, relatou Sydney Possuelo, ex-presidente da Funai, que conviveu com os kayapós por várias décadas.
As organizações ambientais ressaltam que fiscalizar esse gigantesco patrimônio é uma tarefa difícil e custosa, porém, extremamente necessária para que esse pedaço de floresta amazônica não se transforme em puro pasto. Os kayapós são os guardiões naturais dessa região e recebem apoio de organizações ambientalistas para adquirirem barcos, motores de popa, gasolina e equipamentos de comunicação, necessários à fiscalização de toda a sua área. As aldeias que estão na fronteira criaram postos de guarda e hoje existem mais de 60 pontos de fiscalização.
FSC luta pelo desenvolvimento sustentável
O Forest Stewardship Council (FSC) é uma organização não-governamental criada em 1993 para lutar pela conservação ambiental e pelo desenvolvimento sustentável das florestas. É reconhecido hoje em todo o mundo e existem ao redor de 33 milhões de hectares de florestas certificadas no planeta e mais de 20 mil produtos com o selo da organização. Já foram emitidos mais de 300 certificados de manejo florestal e mais de 1.500 certificados da chamada "cadeia de custódia", que é a garantia de que o produto empregou matéria-prima certificada no processo de fabricação.
Em 1996, um Grupo de Trabalho constituído por organizações de diferentes setores da sociedade iniciou as discussões sobre a certificação florestal do FSC no Brasil. Seu objetivo era desenvolver padrões de manejo adequado à realidade das florestas brasileiras. Há cinco anos atrás, ambientalistas, empresários, engenheiros florestais e representantes dos trabalhadores e de entidades da área social se reuniram em Brasília e fundaram a organização com o intuito de fortalecer a certificação florestal FSC no Brasil e promover o manejo responsável das florestas brasileiras.
Em 2001, o Brasil contava com 870.511 hectares de florestas certificadas, sendo que hoje, o país soma, com o 1,5 milhão de hectares certificados da área dos Kayapós, mais de cinco milhões de hectares de florestas naturais e plantadas certificadas e quase 200 cadeias de custódias, com uma variedade de produtos que carregam o selo FSC, mobilizando o setor produtivo florestal e os consumidores responsáveis.
Exibir o selo de certificação ou o selo verde, como também é conhecido, é um diferencial para a venda e aquisição de produtos de origem florestal, pois a certificação comprova que as atividades econômicas ocorreram preservando-se as florestas. Isso significa que as empresas exploradoras possuem sistemas de manejo ambiental adequados, socialmente benéficos e economicamente viáveis. Os consumidores também podem auxiliar nesse processo. O consumo consciente, ou seja, a escolha de fornecedores que exibem o selo verde, ajuda a evitar o desmatamento. Hoje, o selo é exigido por importadoras da União Européia porque lá os consumidores têm consciência da força de suas escolhas.
Atualmente, o FSC está presente em 66 países dos cinco continentes, somando um total de 54 milhões de florestas certificadas. O FSC está sediado no Centro Internacional (FSC-IC) na cidade de Bonn, na Alemanha, e é representado nos diversos países pelas iniciativas nacionais (INs) oficialmente reconhecidas.
(Kaxiana, 20/10/2006)
http://www.kaxi.com.br/noticias.php?categoria=3