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2006-10-20
O que era ontem (19/10) para ser um anúncio sobre as causas e responsabilidades pela mortandade de peixes que atingiu o Rio dos Sinos, há quase duas semanas, transformou-se em algo parecido como “vestir de Prada” uma desgraça, num palco de muitas explicações, ansiedade e uma boa dose de confusão.

A primeira fileira do auditório do Centro de Direito da Unisinos, que ontem, a partir das 14h, abrigou mais uma reunião do Comitê da Bacia do Rio dos Sinos (Comitesinos), estava lotada por políticos e autoridades da região, silenciosos e atentos, e as demais, por técnicos, ambientalistas e populares, muitos indignados com a demora na liberação dos nomes das empresas autuadas administrativamente pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) em razão de irregularidades nas condições de funcionamento de suas estações de tratamento de efluentes. Esta teria sido, conforme o diretor-técnico da Fepam, Jackson Müller, uma das diversas causas que contribuiu para a mortandade de peixes detectada no último dia 7.

Mas, ao final da reunião, aberta ao público, muitos saíram com a sensação de que um evento tão socialmente relevante como foco de educação ambiental foi transformado em “happening” comparável ao de grifes, com desfile de autoridades fazendo pronunciamentos não diretamente interessantes ao motivo da convocação, com cafezinho, água mineral e datashow eivado de longas explicações técnicas sobre a geografia e as condições – complexas – que desembocaram num rio vestido de peixes mortos, e sobre planos e projetos de governo, tendo inclusive a presença de crianças do Projeto Peixe Dourado, que entregaram e leram a “Carta de Outubro”, um texto sobre o que já está sendo chamado de “primavera de luto”, em alusão ao desastre.

“Isso (a existência de uma enorme quantidade de peixes, apesar de terem acabado mortos) mostra que o rio está vivo”, analisou o diretor-técnico da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), Jackson Müller, a uma certa altura em que todos esperavam informações mais objetivas para justificar sua presença à reunião. O que os presentes (e a imprensa, em peso no local) queria saber é: quem é responsável pelo desastre? E por que só desta vez um evento para divulgar nomes de possíveis responsáveis?

Ao final, de seis empresas que seriam anunciadas como estando com irregularidades em seus sistemas de efluentes – o que seria um coadjuvante, mas não a única causa do desastre – apenas três foram citadas (seus nomes estão em diversos jornais diários de hoje, listados na nossa sinopse), pois as demais foram protegidas por força de liminares judiciais – uma delas depositada na mesa do auditório, enquanto explicações preliminares eram dadas, em meio ao nervosismo geral por informações objetivas.

A sucessão de justificativas e a postergação do anúncio agendado, enquanto a tarde ia correndo, levou à revolta de pessoas presentes ao local. Houve necessidade de o Ministério Público – cuja representante, Sílvia Cappelli, estava lá justamente para “buscar informações” – intervir para impedir a generalização de um clima ainda mais tenso. Nos bastidores, antes do desfile de pronunciamentos começar, questionamos Müller com a pergunta que grande parte de nós, jornalistas, nos estávamos fazendo:

Ambiente Já: Por que só agora, ou desta vez, divulgar nomes num evento assim (que, na realidade, segundo a Assessoria de Comunicação da Fepam, era “apenas” uma reunião ordinária do Comitesinos)?

Müller: Na verdade, o trabalho todo que a Fepam desenvolveu procurou atingir um nível de minúcia e foi uma resposta bastante rápida que nós desencadeamos com todo um conjunto de entidades que se envolveu e que nos permitiu identificar empresas nesse episódio e colaborar, de alguma forma, com a produção de elementos poluentes que atingiram o Rio dos Sinos.

Ambiente Já: Mas é possível identificar exatamente quem é o responsável, pelas análises realizadas?

Müller: Não, não, a situação não é assim. Quando tu lanças um efluente, ele não sai com endereço, tu não lanças uma etiqueta, tu lanças uma substância que se mistura a todo um conjunto de outras substâncias e que chegam ao rio, têm um impacto, geram uma interferência...

Ambiente Já: Então, os nomes a serem divulgados são de suspeitas de causar o desastre?

Mülller: Essas empresas estão sendo autuadas porque, na crise da mortandade, foram identificadas situações irregulares quanto ao seu tratamento de efluentes ou quanto ao descumprimento de algum critério do licenciamento ambiental.

Ambiente Já: Mas, do ponto de vista jurídico, elas são suspeitas? Como se poderia classificar a situação dessas empresas?

Müller: A Fepam entende que essas empresas estavam na crise da mortandade, lançando efluentes de forma inadequada. Mas nós não temos elementos suficientes para dizer que uma, ou duas ou três empresas foram aquelas as responsáveis pela mortandade. Até porque acontece o seguinte: tem uma série de fenômenos no rio: você tem um rio com baixa vazão, tem um rio represado, tem um rio que recebe uma carga orgânica muito forte... Então o que se fez? Se procurou abrir exatamente a investigação para procurar evidências de que, durante as investigações, surgiram essas irregularidades que levou à autuação destas seis empresas – destas seis primeiras empresas.

Ambiente Já: Mas não há prova de responsabilidade objetiva, direta dessas empresas...

Müller: Não, não há como relacionar objetivamente, ou seja, dizer que cada uma dessas seis empresas foi responsável pela mortandade dos peixes. Não se tem esse elemento, até pela complexidade de empresas que estão situadas dentro da bacia do Arroio Portão – são mais de 160 empresas de potencial poluidor que se inserem dentro do contexto de uma subbacia em que esse ponto de lançamento é, no caso do Arroio Portão, o Rio dos Sinos. Agora, o rio também tem um estado crônico, ele tem uma situação que vem se acumulando ao longo dos anos, voltado a exatamente receber uma carga de esgotos não tratados. Houve uma confluência de alguns fenômenos que aconteceram no conjunto, como o início do período da piracema, que na bacia do Sinos, as evidências apontam que ela começa em outubro, então, uma série de fatores foram se integrando e que gerou esse efeito multiplicado na mortandade.

Ambiente Já: E a Fepam vai seguir nessa linha de, em havendo um incidente ambiental como esse, divulgar nomes de empresas com esse procedimento, como o de hoje?

Müller: Quando for possível identificar as empresas, quando for possível estabelecer um conjunto de elementos que nos permitam elucidar, através de dados analíticos e técnicos, a Fepam sempre faz isso. Agora, nós estamos vivendo também uma situação de complexidade na bacia. A bacia precisa do foco da opinião pública, precisa da participação das prefeituras, dos órgãos de governo. O rio dos Sinos é um rio que vem com problemas crônicos há muitos anos, e é uma infelicidade nós termos vivido um episódio como esse para um rio que está vivo. Muitas pessoas não acreditaram sequer que o rio tivesse tantos peixes vivos que, sucessivamente, foi recebendo todo um conjunto de carga poluidora, mas ele reagiu, ele mostrou que é possível revigorar essa condição.

Em tempo: durante as apresentações técnicas, foram divulgados dados que dão conta da existência de 2.100 cabos de esgoto cloacal, ao longo do Rio dos Sinos, por onde são despejados dejetos domésticos, e 51 cabos de esgotos industriais de alta severidade poluidora.

De acordo com os técnicos, isso mostra que a questão do esgoto cloacal tem um peso importante para o agravamento das condições do rio. Isso significa, metaforicamente, que todos que lançam esgotos no Sinos poderiam ter sido citados como responsáveis pelo desastre. Teríamos então que listar os nomes de todos? E, para finalizar, a quantas anda o sistema de automonitoramento de efluentes das empresas?
(Por Cláudia Viegas, AmbienteJÁ, 20/10/2006)

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