Poluição do ar, a peste urbana do século XXI
2006-10-20
A contaminação da atmosfera ameaça se converter na peste urbana do novo século, causando mais e mais doenças nos habitantes das cidades e refazendo o mapa de doenças infecciosas antes presentes nas zonas tropicais, afirmam especialistas. Mais da metade do petróleo consumido no mundo corresponde ao setor do transporte. Quase 25% dos gases causadores do efeito estufa lançados na atmosfera se devem à queima desse e outros combustíveis fósseis, como carvão e gás, que além de esquentar o clima na Terra elevam incidência de doenças nas cidades.
A contaminação do ar mata prematuramente dois milhões de pessoas por ano, mais da metade delas em países em desenvolvimento, segundo as Diretrizes sobre a Qualidade do Ar, divulgadas pela Organização Mundial da Saúde no último dia 5, como um apelo aos governos para que adotem normas mais rígidas sobre emissões. “Diante da proliferação de provas sobre o impacto da contaminação atmosférica na saúde, a OMS reviu e ampliou suas Diretrizes sobre a qualidade do ar já em vigor para a Europa, elaborando, assim, as primeiras aplicáveis em todo o mundo”, informou em um comunicado.
De acordo com essas normas, a redução das emissões de partículas inaláveis com diâmetro inferior a 10 micra, o PM 10 (o mícron é a milésima parte do milímetro), poderia reduzir as mortes nas cidades em cerca de 15% ao ano. Em muitas cidades, a concentração atual de PM 10, emitido, sobretudo, durante a queima de combustíveis, excede as 70 micra por metro cúbico de ar. As Diretrizes recomendam que seja reduzido até 20 microgramas para prevenir infecções respiratórias, doenças cardíacas e câncer de pulmão.
A OMS também estabeleceu limites mais rígidos para as concentrações de ozônio na atmosfera baixa, de 120 para 100 microgramas por metro cúbico. Este contaminante se forma por ação da luz e do calor do sol sobre resíduos industriais e do transporte, com os compostos orgânicos voláteis, o óxido de nitrogênio e o dióxido de nitrogênio. É causador de problemas respiratórios e ataques de asma. Também foram reduzidas as concentrações permitidas do dióxido de enxofre, de 125 para 20 migrocramas por metro cúbico.
Um dia antes do lançamento das Diretrizes, o impacto da contaminação atmosférica no ambiente e na saúde humana foi analisado por cientistas e mais de 50 comunicadores de todos os continentes, no IV Fórum Internacional para Jornalistas sobre Proteção da Natureza, proteção da saúde”, promovido pela Associação Cultural Greenaccord entre os dias 4 e 7 deste mês, em Monte Porzio Catone, perto de Roma. “Além de causar mortes, a contaminação atmosférica aumenta a quantidade de internações hospitalares e de casos crônicos de problemas respiratórios e cardiovasculares. É responsabilidade dos governos proteger os seres humanos de um ambiente nocivo. Respirar ar limpo deve ser um direito humano”, argumentou a diretora da Escola Suíça de Saúde Pública, Ursula Ackermann-Liebrich.
O aumento dos veículos movidos a combustível para motores diesel nas últimas duas décadas preocupa os especialistas, pois sua combustão libera contaminantes mais sutis e mais prejudiciais, afirmou a especialista. “Quanto mais contaminado o ar, mais diminui a função pulmonar, gerando mais cansaço e morte. A contaminação atmosférica nas cidades do século XXI é semelhante ao que foi a peste em épocas medievais. Estudos mostram que na Europa caiu em 8,6 meses a expectativa de vida de seus habitantes”, destacou Ackermann-Liebrich. O impacto tende a piorar, pois nos próximos 30 anos a maioria da população mundial nascerá em cidades de países em desenvolvimento, com falta de recursos para enfrentar esse rápido crescimento e a concentração populacional em áreas urbanas, disse Pierre Quiblier, coordenador da Iniciativa relativa aos vínculos entre saúde e meio ambiente da OMS e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
No fórum, realizado com apoio da agência internacional de noticias IPS (Inter Press Service), o especialista defendeu a adoção de um sistema de mobilização sustentável baseado em igualdade social, transporte integrado a corredores, administração do uso da terra, prioridade para os veículos não-poluentes e melhoria da tecnologia do transporte. “As novas tecnologias veiculares não resolverão por si mesmas o problema. Todo o sistema de transporte deve ser reformulado”, disse Quiblier. Além da mortalidade e das crescentes hospitalizações, a queima de combustível fóssil lança na atmosfera gases que agravam o efeito estufa (o principal deles é o carbono) responsáveis pelo aquecimento global, segundo a maioria dos cientistas.
Em um planeta mais quente, muda o mapa de doenças infecciosas, como malária, dengue, febre amarela e leishmaniose. “O próximo informe do Painel Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC), que será divulgado em meados de 2007, trará muitas evidencias de que as mudanças climáticas induzem alterações na saúde humana de maneira global”, afirmou o cientista Andrei Karanja Githeko, do Instituto de Pesquisas Médicas do Quênia e um dos que trabalhou no novo estudo.
O aumento de casos de doenças infecciosas ocorre durante as ondas de calor, inundações e secas prolongadas. Estes fenômenos climáticos extremos tendem a ser mais freqüentes e intensos com o aumento da temperatura do planeta, que já aumentou 0,7 grau desde o século XIX. “A malária se estenderá da Amazônia até a Argentina. O mesmo ocorre na África. Na Europa, onde as condições de vida são melhores, a tendência é contrária a uma epidemia desta enfermidade. Mas há surpresas, como ocorre com a febre amarela do Rio Nilo, que de Nova York passou rapidamente para outras regiões dos Estados Unidos”, disse Githeko em entrevista à IPS.
Os países em desenvolvimento devem criar sistemas de vigilância sanitária e controle de vetores, com os mosquitos, em todas as regiões, inclusive naquelas onde atualmente essas doenças não se apresentam, como forma de prevenir as epidemias, afirmou o especialista. “Os sistemas de saúde destes países não estão preparados para enfrentar as conseqüências das mudanças climáticas. A maioria está preocupada apenas com os problemas já existentes e somente reagem diante da crise”, acrescentou. Já surgiram casos de leishmaniose em áreas onde não existia, como norte da Itália, norte da Croácia, Suíça e Alemanha.
Antes existiam picos no verão, e agora também nas demais estações, informou Bettina Menne, médica do Centro Europeu Ambiente e Saúde da OMS e uma das autoras do capítulo sanitário do estudo do IPCC. “Sem reduzir as emissões (de gases causadores do efeito estufa), as medidas de adaptação a um planeta mais quente não serão suficientes”, afirmou. Com o calor aumentam as doenças intestinais causadas, por exemplo, pela salmonela. “Além disso, a má alimentação pode ser um dos piores efeitos das mudanças climáticas”, alertou. O aquecimento pode reduzir a produção agrícola em grande parte do planeta, principalmente nos países em desenvolvimento, disse Menne.
(Por Roberto Villar Belmonte, IPS, 19/10/2006)
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