A Coréia do Norte testou sua bomba nuclear no domingo 8. A comunidade
internacional reagiu com furor, num raro consenso de que o regime de
Pyongyang deve ser punido pela ousadia. Como fazer isso é outra
história. Exceto pelo Japão, que cortou de imediato o comércio
bilateral, é difícil um acordo sobre a resposta adequada. Na sexta-feira
passada, o Conselho de Segurança das Nações Unidas examinava uma
resolução impondo sanções econômicas à Coréia do Norte. Proposto pelos
Estados Unidos, o texto é relativamente ameno (não sugere ações
militares, por exemplo), mas a China e a Rússia ainda querem mais tempo
para negociações diplomáticas. O que se tem agora são dois problemas num
só. O primeiro, mais geral, diz respeito à proliferação de armas
nucleares – os entraves existentes simplesmente não estão funcionando. O
segundo é a Coréia do Norte propriamente dita. Ninguém sabe a que grau
de insanidade os caciques desse país miserável e sem amigos estão
dispostos para manter em pé seu modelo excêntrico de comunismo.
Não se deve confundir a aparência amalucada de Kim Jong-Il, o ditador
norte-coreano, com falta de determinação. Seu cabelo pintado é penteado
em forma de penacho. Usa saltos altos para disfarçar a pouca altura. Ele
é tratado como "Estimado Líder" (seu pai, de quem herdou o poder, era o
"Grande Líder"). Há uma década, o ditador usa com habilidade seu
programa nuclear para obter vantagens dos Estados Unidos, do Japão e da
Coréia do Sul. A estratégia transformou seu país no maior receptor de
ajuda internacional em alimentos. Para acalmá-lo, o Japão aumentou o
comércio bilateral e fez por lá alguns investimentos. A Coréia do Sul
adotou uma política de aproximação e ajuda econômica chamada de "Raio de
Sol". A China, o único amigo do regime norte-coreano, fez o que pôde
para convencê-lo a moderar o comportamento.
Há algumas explicações para, apesar de todos esses benefícios, Kim
Jong-Il ter decidido desafiar a comunidade internacional. A primeira é a
hostilidade do presidente americano George W. Bush, que o identifica
como um dos vértices do eixo do mal. É fácil imaginar o susto que a
deposição de Saddam Hussein causou em Pyongyang. O regime norte-coreano
vive um dilema causado pelo próprio anacronismo. Mesmo que disso dependa
sua sobrevivência, não tem coragem sequer de cogitar de uma abertura
econômica sob o rígido controle do Partido Comunista, como fez a vizinha
China. Prefere rugir e ameaçar os vizinhos. Em julho, já tinha
demonstrado seus maus modos com testes de mísseis capazes de atingir o
Japão.
O que fazer? Sanções econômicas não dão bons resultados contra regimes
fora-da-lei. A possibilidade de os chineses cortarem o envio de comida
para a Coréia do Norte teria efeitos desastrosos para a população –
metade dos alimentos consumidos no país vem da China –, mas isso não
parece preocupar o governo norte-coreano. "Kim Jong-Il não vai desistir
da bomba porque acredita que a sobrevivência de seu regime depende da
demonstração de força", disse a VEJA o historiador americano Ted Galen
Carpenter, autor do livro O Enigma Coreano. Uma ação militar é
impensável. Não há como os Estados Unidos localizarem e destruírem todas
as instalações nucleares norte-coreanas. Em caso de guerra, Seul, a
capital sul-coreana, localizada a 50 quilômetros da cerca que divide as
duas Coréias, seria facilmente arrasada pela artilharia norte-coreana.
O teste subterrâneo realizado a 110 quilômetros da fronteira com a China
foi registrado pelos sismógrafos como muito fraco, colocando em dúvida a
qualidade da bomba nuclear norte-coreana ou até mesmo sua existência. De
qualquer forma, o artefato deve ser grande e pesado. Serão necessários
alguns anos de trabalho para que seja reduzido de forma a caber num
míssil de longo alcance. No momento, o maior perigo é o mau exemplo. A
experiência norte-coreana e a reação internacional ao desafio estão
sendo acompanhadas atentamente pelos aiatolás do Irã, outro regime
fora-da-lei ansioso por se armar com ogivas nucleares. Entre todos os
países que realizaram testes nucleares, apenas a África do Sul desistiu
da bomba atômica. Em vão, Estados Unidos, China, Rússia, Inglaterra e
França – os sócios originais do clube atômico e, não por coincidência,
também os membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas
– tentam impedir a proliferação do armamento nuclear. Com a Coréia do
Norte, sobe para nove o número de países com esse tipo de arsenal.
Israel e Índia armaram-se nos anos 70, seguidos pelo Paquistão, que
testou sua bomba em 1998. Foi o Paquistão, por sinal, que vendeu
tecnologia nuclear à Coréia do Norte e ao Irã. As maiores potências
acabaram por aceitar o arsenal de Israel (o país, que se estima ter 200
ogivas, jamais admitiu ter armas nucleares), da Índia e do Paquistão. Em
parte, isso se deve ao fato de esses países terem se armado contra
inimigos bem definidos e possuírem governos respeitáveis. Com a Coréia
do Norte e o Irã, ambos ditaduras imprevisíveis, a situação se torna
muito mais perigosa.
O temor causado pelos norte-coreanos pode levar a Coréia do Sul e o
Japão a procurarem armamento equivalente. Os aiatolás atômicos
provocariam uma corrida armamentista no Oriente Médio. Turquia e Egito
já anunciaram planos de construir reatores nucleares, teoricamente para
fins pacíficos. "A partir do momento em que uma nação sabe fazer o
combustível nuclear, o custo para construir a bomba é de apenas algumas
dezenas de milhões de dólares", disse a VEJA o americano Henry Sokolski,
diretor executivo do Centro para Educação em Política de
Não-Proliferação, em Washington. O maior incentivo para a popularização
dos arsenais nucleares é justamente o fato de serem uma opção barata em
comparação ao custo de montar e treinar um enorme Exército com armas
modernas. A Coréia do Norte tem um Exército de 1,1 milhão de homens, o
equivalente a 5% de sua população. Mas os soldados são mal armados e mal
alimentados. Com a bomba, Kim Jong-Il ganha poder de barganha contra a
pressão internacional para abrir seu regime fracassado.
(Por Denise Dweck,
Veja, 18/10/2006)