Recanto das Araras de Terra Ronca, nome que remete a um refúgio de vida
silvestre, foi escolhido para batizar a primeira reserva extrativista
(resex) do Cerrado, onde a idéia é salvar o homem da pobreza com a ajuda da
natureza.
Até então, esse tipo de unidade de conservação só existia na Amazônia. Mas
em setembro, o governo federal criou por decreto a Resex Recanto das Araras
de Terra Ronca no nordeste de Goiás, quase divisa com a Bahia. Lá, serão
assentadas 117 famílias em uma área de 11, 9 mil hectares, uma demanda que
partiu dos próprios extrativistas que atuam no município de São Domingos e
que já vendem seus produtos pela Rede de Comercialização Solidária do
Cerrado. Há, por exemplo, um contrato de suprimento de faveira (Dimorphandra
gardineriana) à farmacêutica Merck, que retira das sementes a rutina, uma
substância que fortalece vasos capilares.
Além de sua ligação com uma rede de comercialização já bem estruturada, a
Resex receberá o apoio da Fundação Banco do Brasil, que deverá aplicar
inicialmente até 100 mil reais na implantação de projetos produtivos.
Segundo o presidente da Fundação, Jacques Pena, produtos como o pequi, a
mangaba, o baru, serão coletados em Terra Ronca e processados em uma unidade
produtiva do Centro de Desenvolvimento de Agroecologia do Cerrado (Cedac),
em Goiânia. Não está descartada a possibilidade de, no futuro, a própria
resex possuir sua fábrica.
No entanto, antes de qualquer investimento em produção, Pena garante que a
Fundação Banco do Brasil vai financiar a elaboração do plano de manejo e a
constituição do conselho consultivo da reserva, obrigações previstas em lei.
“As reservas-extrativistas no Cerrado são uma idéia nova, uma forma avançada
de convivência com o bioma, por isso não queremos que fiquem sem funcionar,
vamos buscar resultados”, argumenta.
Risco ambiental
O plano de manejo e o respeito a suas determinações indicarão o quão
sustentável poderá ser o Recanto das Araras de Terra Ronca. A principal
questão é a preservação das diversas nascentes que existem na área. A
reserva está envolta pelo Parque Estadual de Terra Ronca, cujas principais
atrações são imensas cavernas cortadas pelos rios que brotam aos pés da
Serra Geral de Goiás, que agora abrigará a resex. Um guia do parque, que
prefere não se identificar, expressou suas dúvidas à reportagem de O Eco,
que visitou há pouco mais de um mês a região. “Ao invés das nascentes
ficarem dentro do parque, elas ficarão com as famílias de extrativistas.
Veja só que contradição”, ponderou.
O coordenador-geral de Reservas Extrativistas e de Desenvolvimento
Sustentável do Ibama, Alexandre Cordeiro, afirma que não há preocupação de
que as nascentes possam sofrer alguma forma de degradação. O plano de manejo
[da resex] indicará quais serão as zonas intangíveis e entre elas estarão as
áreas de preservação permanente, conforme determina o Código Florestal. O
governo de Goiás apoiou o Ibama para que os quase 12 mil hectares, que antes
formavam uma Área de Proteção Ambiental (APA) estadual, se transformassem em
uma Resex federal. Em carta, a Agência Ambiental de Goiás prevê que a
reserva será mais efetiva na proteção das bordas da Serra Geral. “Na APA
havia diversos fazendeiros que estavam desmatando as nascentes e que agora
serão desapropriados”, conclui o diretor de Unidades de Conservação do
Estado, Paulo D´Ávila.
Cadastro
Diferentemente do que normalmente acontece, no caso de Terra Ronca, a
desapropriação das fazendas não tem sido a maior fonte de problemas, mas sim
os moradores mais pobres da região. Ao criar a reserva, o Ibama mexeu num
vespeiro. Na área do Parque Estadual e da Resex existem 190 propriedades que
esperam por indenização, mas algumas famílias poderão ficar dentro da resex
por se enquadrarem na categoria de extrativistas. Aí que está problema,
figuras notórias por lutarem pela preservação das belezas naturais da
região, como o caverneiro Ramiro Hilário dos Santos, serão desapropriados
pois não trabalham com extrativismo. “Foi um processo com muita mentira,
onde se falava que todos receberiam algum lote de terra, mas agora famílias
que moram a 100 anos na região terão de sair daqui”, lamenta.
Alexandre Cordeiro, do Ibama, explica que a decisão de quem será assentado
na resex foi tomada com base num estudo de campo que cadastrou quais
famílias já trabalhavam com o extrativismo na área da reserva. Desta forma,
28 famílias que exploravam a área foram classificadas como extrativistas, as
outras 89 virão da comunidade em São Domingos que havia requisitado a
criação da resex. Nas palavras de Cordeiro, as famílias de São Domingos
fizeram o “rota inversa”, pois já possuem produtos como granola,
cookies,
remédios, e com o decreto das Araras de Terra Ronca apenas garantiram um
espaço para coleta.
O ambientalista Itanor Carneiro Júnior, assíduo visitante de Terra Ronca,
questiona a rapidez com que a Resex foi criada. “Não conheço nenhuma
reserva-extrativista que tenha tido um processo de apenas três meses”,
frisa. Mas o coordenador do Ibama relativiza e garante que houve uma
mobilização ampla das comunidades. “Em comparação com a Amazônia, estas
comunidades do Cerrado nascem mais evoluídas, não só na inserção no mercado,
como no conhecimento sobre o manejo e capacidade suporte das espécies”,
avalia.
Junto à resex do Recanto das Araras de Terra Ronca foi criada também a
reserva-extrativista Lago do Cedro, na região leste de Goiás, com cerca de
17 mil hectares. E o Ibama já estuda a criação de mais quatro no cerrado de
Minas Gerais. A expectativa é que as resex do cerrado tenham maiores
condições de ingressarem no mercado produtivo, devido à proximidade com os
centros urbanos. Por outro, questiona-se a capacidade de conservação que
terá a reserva em um ambiente rico em biodiversidade e água.
(Por Gustavo Faleiros,
OEco, 17/10/2006)