O leilão de energia nova que aconteceu no último dia 10 deu vitória ao setor empresarial numa disputa ambiental que envolve a construção da usina hidrelétrica Mauá, no rio Tibagi (PR), nas proximidades das cidades de Telêmaco Borba e Ortigueira, ambas a cerca de 247 quilômetros de Curitiba, no Paraná.
Na madrugada da data do leilão, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 4a Região, em regime de plantão, suspendeu a liminar proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) que impedia a hidrelétrica de ser leiloada. O TRF considerou as razões alegadas pelo MP insuficientes e Mauá acabou sendo arrematada por duas empresas estatais: a Companhia de Energia Elétrica do Paraná (Copel), do Estado do Paraná, e a Eletrosul, controlada pela Eletrobrás. Ainda assim, existem seis ações contra Mauá na Justiça que continuam vigentes independentemente de ela ter sido leiloada.
Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), no final de 2005 a CNEC Engenharia S/A, do grupo Camargo Corrêa, responsável pela elaboração do EIA-Rima, protocolou o estudo no órgão estadual de meio ambiente, o Instituto Ambiental do Paraná (IAP), que sugeriu 67 modificações no projeto. Com base nesse EIA-Rima, o MPF entrou com ação civil pública em agosto de 2006, acusando o estudo de não contemplar todas as implicações ambientais que seriam causadas pela construção do empreendimento. A Justiça Federal de Londrina (PR), então, reconheceu as falhas no processo de licenciamento ambiental de Mauá e concedeu a liminar no dia 8.
As principais irregularidades eram a indefinição da área de impacto do empreendimento, a ausência de consulta ao Ibama e à Funai, as deficiências no levantamento de impactos sobre o abastecimento dos municípios, como Londrina e Cambé, e as supostas fraudes no EIA-Rima, que omitiria os impactos sobre as populações indígenas e suas terras. A CPT acusa a CNEC de omitir dados no relatório para amenizar os sérios impactos que a usina causaria na região.
A ação civil pública do MPF, então, foi proposta contra o IAP, o Ibama, a União, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a CNEC Engenharia S/A e ainda contra os consultores técnicos ambientais Ronaldo Luis Crusco e Marco Antonio Villarinho Gomes, cumulada com ação de improbidade administrativa contra o então diretor-presidente do IAP, Lindsley da Silva Rasca Rodrigues, que assumiu o cargo de secretário estadual de Meio Ambiente em 2006. Entre 2003 e 2005, ele fazia parte do Conselho Administrativo da Copel.
O projeto da construção de Mauá foi proposto no começo da década de 90 e, desde então, grupos socioambientais, pesquisadores das universidades estaduais de Londrina e de Maringá, comunidades locais e indígenas se mobilizaram contra a usina devido aos impactos negativos que ela causaria.
A CNEC Engenharia foi procurada insistentemente pela reportagem, mas até o fechamento desta matéria ela não havia concedido entrevista.
Denúncia de irregularidades
De acordo com Rogério Nunes, secretário-executivo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o projeto de construção da usina comete três principais irregularidades. Durante o processo de discussão de Mauá, em 2000, o Ibama, IAP e a Justiça decidiram que o EIA-Rima deveria ser feito não apenas no ponto da construção da barragem, mas ao longo do rio a fim de avaliar os impactos na bacia de forma integrada. Nunes afirma que em 2005 o IAP deu continuidade ao processo e ignorou a decisão de 2000 por fazer um estudo pontual.
Um segundo ponto é que o desrespeito à lei estadual que exige a outorga do órgão estadual, a Superintendência de Desenvolvimento de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental a SUDERHSA, pelo uso da água, após consulta à sociedade civil, cujo representante é o Comitê de Bacia, o órgão máximo de gestão de recursos hídricos. O secretário-executivo da CPT diz que a SUDHERSA emitiu a outorga sem consultar o Comitê, que não teve tempo nem mesmo de propor um planejamento para o manejo do rio. Nunes também acusa o estudo da CNEC de não informar a existência de terras indígenas na zona de impacto da barragem.
“Em 1998, a questão da usina veio com mais força. No governo FHC, houve uma ênfase da privatização do setor e um favorecimento às empresas privadas”, avalia Nunes. “O rio Tibagi é um grande potencial hidrelétrico e por isso o setor energético não vai descansar enquanto não maximizar os seus lucros”. Para ele, o governo atual deve mudar o modelo energético, pois, da forma como é feito, o uso da água acaba servindo a interesses particulares. “O governo federal continua investindo num modelo de privatização de setores estratégicos. Essa é uma política equivocada de geração energética, que privilegia o setor privado”, diz.
Impacto à biodiversidade
De acordo com Sirlei Bennemann, pesquisadora do departamento de biologia animal e vegetal da Universidade Estadual de Londrina (UEL), o EIA-Rima apresentou falhas em todas as áreas ambientais. Segundo ela, o estudo de impacto havia se baseado nos estudos e pesquisas feitos pelos próprios especialistas da UEL e da Universidade Estadual de Maringá (UEM), mas não estavam de acordo com as constatações científicas. “Eles usaram as informações de maneira bastante tendenciosa”, afirma.
Segundo Bennemann, uma das principais falhas é sobre a localização do empreendimento no relatório. A área de maior diversidade biológica da bacia do Tibagi, e que sofreria sérios impactos, não consta no relatório. Além disso, a pesquisadora afirma que o estudo não avaliava as conseqüências que o sistema hídrico do Tibagi sofreria com mais essa intervenção. “A situação se agravaria muito na época de seca. Sem a barragem, o nível do rio já baixa muito”, relata.
A pesquisadora ainda lembra que o rio tem uma rica biodiversidade por ter muitas corredeiras e o nível de oxigenação ser bastante alto. Com a barragem, as águas ficariam estagnadas, afetando muitas espécies, algumas até mesmo ameaçadas de extinção.
(Por Natália Suzuki, com informações da Procuradoria da República no Paraná,
Agência Carta Maior, 19/10/2006)