Nova polêmica atômica no Egito: país quer lançar proposta alternativa ao fóssil
2006-10-17
O Egito encontra-se em meio a uma intensa polêmica depois que o governo anunciou sua intenção de produzir energia nuclear com fins pacíficos. Gamal Mubarak, assistente da secretaria-geral do governante Partido Nacional Democrático (PND) e filho do presidente Hosni Mubarak, surpreendeu, no dia 19 de setembro, todos os presentes à convenção dessa força política com o anúncio de que o Egito reativará seu programa de desenvolvimento atômico. “Muitos países em desenvolvimento propuseram e começara a executar planos por energias alternativas. É tempo de o Egito lançar a proposta das energias alternativas, incluindo a nuclear”, disse Gamal, que também preside o influente comitê de políticas do PND.
Gamam Mubarak e outros funcionários do governo rapidamente procuraram esclarecer que a energia atômica seria produzida somente com fins pacíficos, segundo o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), do qual o Egito é signatário. O pacto permite às partes construir instalações atômicas sempre e quando submetidas à supervisão internacional. A declaração de Mubarak teve grande repercussão na opinião pública. “Foi uma surpresa, embora já tivessem sido dados alguns sinais de que a produção nuclear estava na agenda do governo”, disse à IPS o analista político Joshua Stacher, da Universidade Britânica no Egito. O especialista afirmou que o Cairo “está fazendo uso de seus direitos como membro do TNP ao usar a energia nuclear com fins pacíficos”.
Ninguém duvida de que o governo egípcio precisa de fontes alternativas de energia para tender a demanda interna. Cairo gasta cerca de US$ 7 bilhões por ano para fornecer energia, situação que se agravará se continuar subindo o preço internacional do petróleo e do gás. A demanda interna por eletricidade cresce, em média, 7% ao ano. Às vésperas do anúncio, o ministro de Eletricidade e Energia, Hassan Yunis, revelou planos para construir uma central elétrica em Al Dabaa, no Mediterrâneo, cerca de 150 quilômetros a oeste de Alexandria, ao custo de US$ 1,5 bilhão.
Destacando a necessidade do país de reduzir sua tradicional dependência dos hidrocarbonetos para gerar eletricidade, Yunis disse à imprensa estatal que o Egito poderia ter uma usina nuclear funcionando dentro de dez anos, com a ajuda do capital estrangeiro. ‘O programa egípcio para uso pacífico de energia nuclear incluirá várias usinas em diferentes regiões, para garantir o fluxo de eletricidade necessário para atividades de desenvolvimento”, afirmou Yunis ao jornal governamental Al Ahram. O ministro acrescentou que o número de centrais nucleares “dependerá da forma e das fontes de financiamento e dos recursos humanos e técnicos”. Yunis explicou que “o combustível nuclear a ser usado nas usinas egípcias será enriquecido no exterior”, mas não especificou em qual país.
Logo após o anúncio, o governo mostrou sua determinação ao criar um Conselho de Energia Nuclear, formado por representantes de vários ministérios. Está órgão começou a trabalhar em um estudo de viabilidade que será entregue ao presidente. Está não é a primeira incursão do Egito na área nuclear. Em 1963, o então presidente Gamal Abdel-Nasser decidiu construir uma centra atômica, mas o projeto não deu certo por causa da guerra com Israel, quatro anos mais tarde. Houve uma segunda tentativa em 1986, mas também foi abortada depois do desastre nuclear em Chernobyl, Ucrânia, em 1986. O fato de o anúncio ter sido feito por Gamal Mubarak, considerado o principal candidato à sucessão presidencial, provocou intensas especulações na imprensa.
Um artigo na edição de terça-feira do semanário independente Al Karama, abertamente crítico a Gamal Mubarak, e a toda tentativa de consolidar a dinastia de sua família no poder, perguntou: “O programa proposto representa o início de um novo equilíbrio de poder na região (Oriente Médio), ou é simplesmente propaganda para levar o jovem Mubarak à presidência?”. A intenção do governo de usar energia atômica ganha especial relevância em um momento de grande tensão internacional por causa dos testes atômicos da semana passada da Coréia do Norte. Vários analistas concordam que a iniciativa oficial tem o único objetivo de alavancar a popularidade de Gamal Mubarak.
“Era importante que Gamal fizesse o anúncio. Foi por razões práticas", afirmo Stacher. “Embora se apresente razões nacionais de energia, a forma com o anúncio foi feito revela que se trata mais de um golpe de relações públicas para ganhar pontos políticos”, acrescentou. O especialista disse que Gamam Mubark, campeão da liberalização econômica e que, com seu país, goza de estreitas relações com Washington, poderia usar a questão nuclear para demonstrar independência política em relação aos Estados Unidos.
“O governo apresentou suas ambições nucleares de forma muito semelhante à do Irã, transformando-a em um assunto nacional. Desta maneira, Gamal, que fez várias declarações expressando descontentamento com as políticas norte-americanas, poderia estar apresentando suas credenciais em um estilo “Egito antes de tudo”, afirmou Stacher. “Essencialmente, trata-se de uma tática efetiva para se aproveitar do orgulho nacional para que o Egito dê um sinal concreto de que é um país sofisticado e moderno. Desta forma, Gamal ficará popular”, ressaltou o especialista.
(Por Adam Morrow, IPS, 16/10/2006)
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