Verdes querem Chiloé livre de transgênicos
2006-10-17
Ambientalistas exigem que as autoridades chilenas declarem zona livre de transgênicos o austral arquipélago de Chiloé, que fica 1,19 mil quilômetros a sudoeste de Santiago e é reconhecido como centro de origem da batata (Solanum tubesorum), junto com Bolívia e Peru. No Chile, é proibido o cultivo de alimentos geneticamente modificados, mas é permitido multiplicar sementes transgênicas para exportação. Em 2005, estas ocupavam 12.928 hectares, sendo 93,7% de milho, 4,85% de colza e 1,28% de soja.
Na décima região de Los Lagos, onde fica o arquipélago de Chiloé, há poucos hectares dedicados à multiplicação de sementes de batatas transgênicas, e na ilha e suas ilhotas esta biotecnologia ainda não entrou. Maria Isabel Manzur, da não-governamental Fundação Sociedades Sustentáveis (FSS), disse ao Terramérica que o principal risco de liberar transgênicos no território insular é a eventual contaminação que seus produtos autóctones podem sofrer, principalmente a batata, o que levaria ao desaparecimento de variedades milenares.
A batata foi domesticada há dez mil anos e introduzida na Europa pelos conquistadores espanhóis no século XVI. Atualmente, é o quarto cultivo alimentar mais importante do mundo, com produção anual de aproximadamente 300 milhões de toneladas. “As batatas são a base da cultura de Chiloé e muitas de suas variedades foram melhoradas em países europeus”, disse ao Terramérica o diretor do Centro de Tecnologia de Chiloé (CET), Carlos Venegas.
O conhecimento sobre as batatas foi passado através das gerações de chilotes, a maioria regida por ritos e superstições. Muitos somente a semeiam na lua minguante, acreditando que assim conseguirão melhor produção. Além disso, “existe uma diversidade tão grande de batatas, de diferentes formas, cores e sabores, que é possível preparar inúmeros pratos diferentes”, acrescentou Venegas, que defende uma política governamental de promoção da gastronomia chilota que possa incentivar ainda mais o turismo e a economia locais.
Tonta, colorada, guapa, clavela branca e azul, zapatona, noventa-dias, cabeça-de-santo e cachimba são alguns dos curiosos nomes das variedades de batatas. Algumas servem para a alimentação e outras para a medicina, já que algumas receitas serviriam para problemas de fígado ou vesícula. Nos dias 17 e 18 de outubro, acontecerão os seminários “Cultivos transgênicos e batatas autóctones de Chiloé”, organizado pela FSS e pelo CET, em duas cidades da décima região, Castro e Puerto Montt.
Manzur explicou que o objetivo é reforçar a consciência da sociedade civil sobre as batatas nativas e colher assinaturas para pressionar as autoridades a declararem o arquipélago zona livre de transgênicos. A ambientalista alertou que atualmente não existe uma figura legal que possa ser usada para estabelecer esta categoria, e ressaltou que é uma demanda da sociedade que deve ser atendida pelo governo e pelos parlamentares.
Os habitantes da Ilha Grande de Chiloé voltaram a valorizar suas batatas nativas graças ao importante trabalho feito por diferentes organizações da região, com o CET, que em 1987 criou um banco de espécies que hoje mantém mais de 200 variedades. As sementes são colhidas pelos próprios camponeses, que trocam variedades para cultivar em suas terras, que, em geral, não superam os 15 hectares, disse Venegas. A experiência teve tamanho sucesso que os agricultores criaram outros três bancos de batatas.
Em abril, a Universidade Austral do Chile iniciou um projeto patrocinado pelo governo para resgatar, proteger, sanear e comercializar variedades de batatas nativas de Chiloé, que contempla a descrição e inscrição das espécies chilotas no Registro de Variedades de Batatas do governamental Serviço Agrícola e Pecuário. Além disso, o CET e outras instituições locais reivindicam três locais do arquipélago para o projeto “Sistemas Engenhosos de Patrimônio Agrícola Mundial”, lançado em 2002 pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) e outras agências de desenvolvimento.
Segundo Venegas, a proposta do CET foi aprovada e deve ser implementada no final deste ano ou início de 2007. Pretende-se estimular a sustentabilidade social, econômica e ambiental, por meio da criação de capacidades locais, promoção global de seus valores e difusão dos conhecimentos tradicionais. Dados do Centro Internacional da Batata mostram que, desde a década de 60, a superfície cultivada nos países em desenvolvimento cresceu mais rapidamente do que a de qualquer outro cultivo para alimentação.
(Por Daniela Estrada, IPS, 16/10/2006)
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