Ambientalistas e autoridades federais e estaduais apostam em uma nova estratégia para impedir o avanço da soja e dos madeireiros na Amazônia: a criação de um "muro verde" formado por unidades de conservação que, em tese, brecaria o desmatamento.
Eles correm contra o relógio para finalizar e implementar um corredor que já soma 19,5 milhões de hectares e deverá ganhar pelo menos outros 8 milhões com a aprovação de um trecho crítico - o da BR-319 - até o fim do ano.
O "muro verde" acompanha o tradicional arco do desmatamento na região, que começa com a ação dos madeireiros no Pará, segue pelo Mato Grosso dos sojicultores, por Rondônia e termina no Acre. É a maior ofensiva já realizada em conjunto entre governos e ONGs ambientais para manter a maior floresta brasileira em pé.
"Só para comparação, o Estado do Rio de Janeiro tem 4,4 milhões de hectares", diz Tasso Azevedo, diretor do Serviço Florestal do Ministério do Meio Ambiente.
Implementado em 2002 pelos programas federais Arpa (Áreas Protegidas da Amazônia) e de Combate ao Desmatamento da Amazônia, o "muro verde" - ou "arco da conservação", como prefere dizer o governo para não "assustar" alguns setores da sociedade - é um mosaico de unidades de conservação que engloba também áreas indígenas e militares. Essas áreas podem ser federais, estaduais e municipais, e se dividem em dois grandes grupos: o de proteção integral (como estações ecológicas e parques nacionais) e o de uso sustentável (como florestas nacionais e reservas extrativistas).
Hoje, 75% da Amazônia são terras públicas - 34% já são áreas protegidas e 24% são áreas privadas. O desafio agora é proteger os 42% de terras que ainda não estão protegidas. E a prioridade é a faixa da divisa com o agronegócio.
"A criação de unidades de conservação nas regiões de expansão da fronteira agropecuária é fundamental para estancar a destruição florestal", diz Paulo Adário, coordenador da campanha amazônica do Greenpeace. "Elas darão um destino à terra pública e isso impedirá a grilagem, que é o maior problema na Amazônia".
"Olha o tipo de encrenca que isso vai gerar para o agronegócio no futuro", afirma, surpreendido, Sérgio Mendes, diretor da Anec (Associação Nacional de Exportadores de Cereais). Ele diz já ter ouvido falar nas áreas de conservação, mas desconhece a estratégia para estancar o desmatamento. "Não vi este mapa ainda, mas a participação da soja na devastação foi ínfima. Eles teriam de conversar com o setor madeireiro e pecuaristas". Em julho, a Anec e a Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais) se comprometem a não comercializar soja oriunda de áreas desmatadas do Bioma Amazonas.
Ainda faltam alguns nacos de terra para "fechar" o "muro". O principal deles é o entorno da BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO). A idéia é criar um mosaico nos moldes do realizado na BR-163, de Cuiabá (MT) a Santarém (PA), o que tem atraído críticas de ambientalistas. Eles alegam que os governos tentam criar unidades de uso sustentável, que permitem extração de madeira e minério, por exemplo, quando o ideal seria a proteção integral.
"Do ponto de vista econômico, a BR-319 não se justifica", diz o ecólogo Philip Fearnside, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia). "Os amazonenses querem ligar Manaus por terra ao resto do país, o que trará danos a uma região rica em biodiversidade".
A influência política na criação dessas áreas é outra inevitabilidade. Em 2004, o amazonense Alfredo Nascimento, então ministro dos Transportes, anunciou a recuperação da BR-319, abandonada desde sua abertura nos anos 70. Nascimento foi um de seus maiores defensores e, não à toa, angariou a única vaga do Estado ao Senado na eleição deste ano com o apoio do empresariado local.
Interesses econômicos também ameaçam essas áreas. O exemplo mais recente é o do Parque Nacional de Juruena, criado em junho após sete anos de negociações entre o Ibama e o governo amazonense. "O governo estadual nos atrapalhou muito", conta Carlos Durigan, da Vitória Amazonense, uma das mais antigas ONGs da região. Situado na divisa do Amazonas com Mato Grosso e Pará, o parque tinha dentro de seus limites originais jazidas de calcário, um importante minério para a correção do solo no agronegócio.
"Enquanto a situação do Juruena não foi resolvida, o governo estadual segurou a criação de duas outras reservas extrativistas", diz Marcos Pinheiro, do WWF-Brasil.
O parque de Juruena saiu, mas com concessões. O governo remodelou seu desenho original e deixou de fora as jazidas, que agora estão na Floresta Estadual de Apuí, uma modalidade de unidade de conservação de uso sustentável - e que, neste caso, quer dizer a permissão à mineração.
"Em troca, o governo criou um mosaico com nove unidades de conservação", afirma Pinheiro.
Mas o "muro verde" dependerá de fiscalização. Azevedo, do ministério, concorda, e lembra os dois concursos públicos para reforçar o Ibama e as novas ferramentas para detectar desmatamentos em tempo real. Segundo ele, desde 2003 foram investidos R$ 100 milhões por ano no combate ao desmatamento na Amazônia. O programa Arpa destinará US$ 390 milhões até 2012 para as unidades de conservação, doações feitas por organizações internacionais como GEF (Fundo Global para o Meio Ambiente, que recebe recursos de países ricos) e Banco Mundial.
(Por Bettina Barros,
Valor Econômico, 13/10/2006)