Já foi o tempo em que o papelão só servia para transportar produtos. Hoje
ele virou o próprio produto. É o que acontece quando gente criativa, com
apreço ecológico, pega uma matéria-prima versátil nas mãos. Brinquedos,
cadeiras, mesas, camas, luminárias, poltronas, obras de arte e até uma casa
inteira de papelão estão à disposição em lojas, sites, feiras e exposições
pelo mundo. "Se tivesse um ranking dos objetos mais desejáveis, a caixa de
papelão estaria no fim da lista. Para mim, é um desafio transformar esse
material que sempre foi associado a lixo num objeto de desejo", diz o
designer holandês David Graas, que usou apenas caixas de papelão comum para
criar mesas, cadeiras e luminárias.
Entre os próximos lançamentos de Graas, estão uma cadeira e um tamborete da
nova linha "Finish Your Self" (termine você mesmo): o usuário não apenas
monta a cadeira ou mesa, como precisa destacar uma parte da caixa em que o
produto foi empacotado para terminar a montagem. "É bem simples e não
precisa de cola ou fita adesiva", conta ele. Graas quer que as pessoas olhem
com outros olhos para a caixa de papelão depois de ver seu trabalho: "Todos
nós precisamos prestar mais atenção nas coisas que jogamos no lixo sem
pensar". Suas luminárias, que são as próximas caixas de papelão, são os
únicos produtos de Graas que já estão à venda em lojas da Europa ou na
internet por cerca de US$ 40.
Mas não é preciso rodar a Europa para encontrar objetos de desejo feitos de
papelão. Os brinquedos desse material que mais fazem sucesso nos Estados
Unidos são a casinha, o castelo e o foguete da brasileiríssima Isa Toys. A
artista plástica Isa Pini Piva teve a idéia por acaso."Fiz o primeiro
brinquedo com uma caixa linda de um presente de casamento. Cortei uma
casinha para minha filha e o sucesso foi tão grande com ela e outras
crianças que decidi desenvolver um segundo projeto, o castelo. Descobri que
brinquedos de papelão são lúdicos e ecológicos, entre outras qualidades, e
têm um tempo de vida mais que suficiente", diz Isa, que só jogou fora aquela
primeira casinha da filha há pouco tempo, depois de seis anos, e por falta
de espaço: "A durabilidade depende do uso. Testamos o castelo numa escola,
entretendo duas classes na parte da manhã e duas na parte da tarde, e durou
quase um ano. Como mãe, acho que esse é o tempo ideal, já que os interesses
da criança mudam".
Em sociedade com o publicitário Akio Aoki, Isa vendeu 13 mil brinquedos para
o exterior e 3 mil para o mercado interno desde o lançamento, em 2004. No
Brasil, a linha de produtos da Isa Toys pode ser encontrada na rede Tok &
Stok e em lojas de brinquedos educativos do Rio, São Paulo e Minas Gerais, a
partir de R$ 50. Fora do país, há revendedores na Inglaterra, Estados
Unidos, Dinamarca, Suécia, Itália, Japão, Austrália e Nova Zelândia e cada
peça custa cerca de US$ 50. "A aceitação foi imediata nos Estados Unidos e
na Europa, mas aqui no Brasil tivemos problema porque nossa cultura não
entende bem o valor do brinquedo de papel. No início, só uma pequena elite
achava bacana", lembra Isa, que viu seus brinquedos serem copiados no mundo
todo: "Infelizmente, como a idéia é ser simples e legal, fica muito fácil
copiar".
Novos produtos, como o disco voador Ufo e um ônibus londrino, estão
em fase de teste em escolas e em casas de amigos da artista. Todos os
brinquedos são confeccionados em papelão ondulado pela Klabin, uma das
maiores fabricantes de papel e celulose do país. Eles têm a parte de cima
colorida, mas o corpo branco para que as crianças possam desenhar do lado de
fora e de dentro. A tinta é atóxica e a celulose é fibra virgem de pinus ou
eucalipto de florestas plantadas. "Trabalhamos com a estrutura da fibra
virgem, que dá maior sustentação, e temos mistura de material reciclado só
no miolo. É celulose pura. Mas de florestas certificadas. A celulose
brasileira é de alta qualidade e de fibra longa, o que dá mais resistência
ao papel", explica Isa, que expõe pelo menos um novo produto por ano em
feiras internacionais.
Um dos concorrentes da Isa Toys é a inglesa Ecotopia Toys. A casinha e o
foguete delas são quase idênticos, mas há alguns produtos diferentes, como a
casa de bonecas e o forte. "Usamos o Trident, um papelão 100% reciclado que
parece papel kraft, mas custa bem menos. O processamento sofisticado da
fibra e a folha tripla dão força para que o brinquedo se sustente sem
precisar de aditivos químicos", conta o diretor da Ecotopia, Miles Owen, que
vende basicamente para o mercado inglês.
Obras de arte
De volta ao universo adulto, móveis criados pelo arquiteto
canadense-americano Frank Gehry são considerados obras de arte clássicas do
papelão entre os amantes do material. Três décadas antes de projetar o
modernoso Museu Guggenheim de Bilbao (1998) em titânio, Gehry fez as
primeiras peças de papelão ondulado, em 1969, para a série "Easy Edges".
Repetiu a matéria-prima dez anos depois na série "Experimental Edges". Para
fazer as curvas dos móveis, Gehry usou 60 camadas de papelão ondulado e
laminado, presas por hastes de metal. Algumas peças estão à venda na
internet com preço de obra de arte. A pioneira Wiggle Chair, por
exemplo,custa US$ 850.
Mas uma cadeira de Frank Gehry não parece tão cara se comparada às simples
camas itbed. Criadas por dois arquitetos suíços, Valérie Jomini e Stanislasn
Zimmermann, em 1997, elas custam de US$ 440 a US$ 690, dependendo do
tamanho. "Muitos jovens compram a itbed para o dia-a-dia, mas a maioria
compra para servir de cama de hóspede. Elas podem durar mais de dez anos se
você não tiver uma enchente dentro de casa", diz Zimmermann, que usa papelão
ondulado de duas camadas e 7mm de grossura, o mesmo das caixas de papelão
comum de David Graas.
E para quem achava que já tinha visto todas as possibilidades do papelão na
vida, um grupo de arquitetos da australiana Stutchbury & Pape e
pesquisadores da Universidade de Sidney criaram em conjunto a Casa de
Papelão do Futuro, que custa cerca de US$ 25 mil. Inspirados nas casas
japonesas de papel-de-arroz e nos encaixes dos origamis, os arquitetos
fizeram a casa com 100% de material reciclável. Criada para servir como
moradia temporária, ela pode ser montada por dois adultos num período de
seis horas e vai poupar 39 árvores e 30 mil litros de água se for
reaproveitada. O telhado, as caixas dágua e o piso da cozinha e do banheiro
têm camadas de plástico HDPE para dar mais durabilidade para a casa.
"Sendo extremamente barata e fácil de transportar, a Casa de Papelão pode
ser usada numa grande variedade de aplicações. Você poderia viver em uma
enquanto sua casa permamente está sendo construída ou renovada, levar para
as férias no campo ou usar como uma casa de emergência", escreveram os donos
do projeto no seu site oficial.
Se ainda resta dúvida de que existem fãs do papelão no mundo das artes, é
hora de conferir a exposição "This Side Up: The Cardboard Show". Ela reuniu
em agosto obras de 45 artistas da Europa, Estados Unidos e Canadá para
homenagear o papelão na Creative Electric Gallery, em Minneapolis. Eles
usaram um pedaço de 30cm x 30cm do material para mostrar seus talentos."Teve
de tudo, desde caixa de pizza até papelão industrial e capa de álbum de
fotos. Algumas obras chegaram infestadas de moscas, porque foram feitas com
papelão que estava no lixo. Essas, infelizmente, não pudemos aproveitar",
conta um dos organizadores, Jeremy Boyd, que prepara a "This Side Up 2" para
junho de 2007 e espera contar com a participação de artistas brasileiros:
"Basta enviar para a nossa seleção a arte num pedaço de papelão de 30cm x
30cm".
O resultado da primeira exposição pode ser conferido no site onde surgiu o
projeto, Wootini. Além de um livro sobre as obras de arte, elas já estão à
venda no site por preços que variam de US$ 50 a US$ 1,5 mil. Boyd lembra que
todo o dinheiro arrecadado será direcionado para programas de caridade.
(Por Adriana Maximiliano,
OEco, 11.10.2006)