Falta de vínculos produz desigualdade social, pobreza, miséria e degradação ambiental
2006-10-16
Ação Conjunta foi o tema do painel realizado na manhã de sábado (14/10), no evento Diálogos de
Ecologia e Budismo, com a presença de Jorge Dellamora Mello, consultor na área de
sustentabilidade, terapeuta corporal e artista corporal; Cristiano Machado Silveira, biólogo
da Secretaria do Planejamento, Habitação e Meio Ambiente de Viamão, atuando no Departamento de
Meio Ambiente; Kathia Vasconcellos Monteiro, vice-presidente do Núcleo Amigos da Terra-Brasil
e Lama Padma Samten, diretor do Centro de Estudos Budistas Bodisatva (CEB), tendo como
mediador José Ricardo Buscke de Oliveira, estudante de Direito e aluno do Lama. A partir dos
relatos das atividades que desenvolvem, os palestrantes apresentaram propostas direcionadas
para uma ação conjunta das pessoas e instituições que participaram do evento.
“Religar com a terra e com Deus” para desenvolver a amorosidade, a tolerância, o respeito e a
capacidade de diálogo, foi a sugestão de Katia Vanconcelos, para que o movimento ecológico
supere as dificuldades que encontra para o desenvolvimento de uma ação conjunta. Em sua
avaliação, os ecologistas se afastam da religião porque a sociedade exige deles uma postura
racional, não romântica e de independência científica. “A gente trabalha pela biodiversidade,
mas é muito difícil a gente conviver com a diversidade de personalidades, porque as pessoas
que conseguem chegar à lideranças no movimento ambiental, são pessoas com muita determinação,
com personalidade forte. E aí, quando chegar na hora de ceder, de tentar construir uma ação
conjunta, fica muito difícil”, destacou. Para ela, esta é uma das grandes dificuldades do
movimento ecológico. Para essa religação, a coordenadora do Núcleo dos Amigos da Terra
acredita que as religiões, a filosofia e as artes têm muito a contribuir.
Horta Escolar
Por sua vez, o biólogo Cristiano Machado Silveira destacou a importância da horta escolar nos
projetos de educação ambiental, para que crianças compreendam que os alimentos são seres
vivos, obedecem a ciclos vitais, que fazem a fotossíntese e que em todo o processo o solo e a
água são muito importantes. Para ele, a construção da horta deve partir de um desejo da escola
e da comunidade, que deverá acolhê-la para que permaneça viva, inclusive nos períodos de
férias escolares.
Informou, também, que atualmente a Secretaria do Planejamento, Habitação e Meio Ambiente
está, juntamente com as secretarias da Agricultura, Educação e Obras, usando a Granja Modelo
da Prefeitura de Viamão como laboratório para o desenvolvimento do Projeto Frutificar. Tal
projeto consiste na realização de experimentos como compostagem, produção de mudas e outras
técnicas para o desenvolvimento de tecnologias na perspectiva da produção ecológica. Adubos,
mudas e tecnologias serão colocadas à disposição das escolas que optarem pela construção da
horta.
Poeta Nunca de Desencoraja
Em sua palestra, o terapeuta corporal Jorge Mello, lembrando Gandhi, disse que o senso de
comunidade permite a visão comum, sem uniformidade, aspectos fundamentais para a
sustentabilidade. Explicou que o senso de comunidade pode ser desenvolvido em qualquer lugar.
O principal é ter abertura para a diversidade de visões e praticar. Neste sentido, destaca que
é importante “o contato com a natureza para resgatar os ritmos naturais e o conceito de escala
humana - para o homem se reproporcionalizar em relação à natureza - e a experiência da arte,
qualquer que seja a arte”. Para ele “a arte traz, naturalmente, sem a necessidade de
construtos cognitivos, a experiência da transcendência, do sagrado ou do eterno”. Nesse
processo, é importante a “vivência da arte, sem um compromisso estético, mas sim poético”. É
uma “vivência de reconstrução da visão de mundo através da arte”, destacou o palestrante.
Em sua apresentação Jorge usou “uma imagem inspiradora nesses momentos de desesperança e
tristeza”, dizendo que “os sociólogos e os jornalistas podem ser desencorajados, mas o poeta
nunca se desencoraja porque ele é movido por puro amor, pois não busca resultado na sua ação”.
O palestrante também destacou o valor da ação integrativa, e não alternativa, tanto na
convivência em comunidade onde os diferentes são acolhidos com seus talentos e com suas
diferentes visões de mundo, exemplificando com a sua ação na área da saúde, em que tem a
oportunidade de atuar em equipe. É necessário colocar o foco onde realmente interessa”. No
caso do ambientalismo, em que a busca da sustentabilidade é crucial, “o foco é a saúde do
Planeta como todo e a humanidade como todo” e não alternamos entre esta ou aquela visão ou
setor, concluiu Jorge.
Vínculos Humanos
”Nós precisamos desenvolver relações adequadas”, disse o Lama Padma Samten ao explicar a ação
do CEB. “ Nosso objetivo é estabelecer vínculos humanos”, pois segundo o budismo , a falta de
vínculos produz a desigualdade social, a pobreza, a miséria, a degradação ambiental, etc. Para
o Lama , quando estabelecemos vínculos negativos, isso se dá em boa medida porque nós também
estamos desequilibrados. “Na visão budista equilibrar o ambiente, significa, equilibrarmos as
relações. Nós existimos através de relações. Precisamos estabelecer relações adequadas
conosco, com as outras pessoas, com os outros seres, com o poder nos vários âmbitos, com a
natureza e com o ambiente político.
Destacou que “quando começamos a nos equilibrar e a estabelecer relações positivas com os
outros, a vida melhora e não é possível nós termos felicidade se não tivermos relações
adequadas”. Referindo-se à expressão responsabilidade universal, esclareceu que “quando nós
encontramos alguém, não nos sentidos conectados e não desenvolvemos relações adequadas é
porque está faltando a consciência de insepatarividade com todos os seres”.
Indiferença nos Protege
“Nós pensamos que a indiferença nos protege, mas na verdade a indiferença nos atinge”, alertou
o Lama. Explicou que isso ocorre porque estabelecemos relações negativas com os seres, que são
relações de exclusão. Tais relações de exclusão criam todos os males internos e externos que
nós vamos sofrer, esclareceu.
O diretor do CEB disse também, que na sua instituição acreditam que estabelecendo relações
adequadas com a vizinhança, estarão ajudando-a a viver de forma mais equilibrada. Assim, “o
ambiente como todo, as árvores, os cursos d’água, o ar, os insetos, os pássaros, vão se
beneficiar”.
Para explicar melhor como alcançar essa cura, o Lama empregou a expressão budista “lungue”,
que é uma condição natural. ”Nós temos hoje um lindo dia de primavera aqui no Caminho do Meio
e isto naturalmente nos alegra, mas talvez a gente não esteja receptiva para isto. A gente
olha as plantas como se o espetáculo não estivesse acontecendo. O sol está presente, tem as
plantas, os insetos e os pássaros, mas se não tivermos olhos para estabelecer essas relações,
isto se perde. No entanto, se a gente pára e começa a contemplar, surge uma energia dentro de
nós. Essa energia é o próprio lungue das relações. Nós precisamos dar esse tempo para o lungue
surgir . A natureza toda se move assim.”, completa Padma Samten.
O Exemplo das Abelhas
Para exemplificar, o Lama lembrou das abelhas, que começam a se mover de manhã cedo.” Não há
uma repressão, elas se movem porque o lungue faz com se movam. Então o lungue é a essência da
vitalidade da natureza e dos seres, É ele que rege a ação sem esforço.” Explicou que nós fomos
inicialmente afastados disso por “níveis de repressão e auto-repressão, que terminam se
estabelecendo na forma de educação e nós aprendemos a não obedecer mais o lungue, a não
sentir mais com o nosso coração, a não agir de forma inteira.” Assim, agimos de forma teórica
e quando nós pensamos em recompor o meio ambiente, por exemplo, nós também pensamos no
conjunto de regras que vamos nos auto-impor e impor sobre os outros. Então a legislação
parece que é o ponto crucial e impô-la sobre todos parece melhor. Para ele, “essencialmente
esse é um nível de artificialidade que a gente está vivendo”.
Ressaltou que “quando o lungue se instala, nós naturalmente fazemos o que devemos fazer.
Então os pássaros voam, as árvores crescem sem a necessidade de repressão”. Nós deveríamos
evitar uma sociedade repressiva, mesmo que ela tenha ideais ecológicos. Assim, nós
avançaríamos numa sociedade naturalmente feliz, porque na natureza tudo dá certo”, concluiu
Padma Samten.
Numa demonstração da importância do estabelecimento de relações positivas com todos os seres,
todas as culturas e a própria vizinhança, as atividades da tarde iniciaram com a apresentação
do coral das crianças da Comunidade Guarani de Viamão, que participaram do encontro vendendo
suas peças de artesanato. O encontro encerrou neste domingo com um passeio de barco no Parque
de Itapuã. As pessoas interessadas em mais detalhes poderão acessar as palestras e conclusões
do encontro no site do CEB- http://www.caminhodomeio.org.
(Por Ilza Maria Tourinho Girardi, especial para EcoAgência, 15/10/2006)
http://www.ecoagencia.com.br/index.php?option=content&task=view&id=1890&Itemid=2