Em uma campanha eleitoral marcada pela ausência de propostas sobre questões ambientais por parte dos candidatos à Presidência da República, o primeiro debate televisivo entre Luis Inácio Lula da Silva (PT) e Geraldo Alckmin (PSDB), realizado pela TV Bandeirantes no último dia 8 de outubro, apresentou uma surpresa: a referência dos candidatos aos polêmicos projetos de construção das hidrelétricas de Tijuco Alto, no Rio Ribeira de Iguape, na divisa entre São Paulo e Paraná, e de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará.
A construção das barragens foi citada durante debate entre os candidatos sobre matrizes energéticas. O candidato tucano criticou a demora do governo federal em construir hidrelétricas nos “afluentes do Amazonas”, como os rios Madeira e Xingu. Disse que o risco de um novo “apagão” energético existe por conta da "falta de investimento". “As hidrelétricas do Norte não saíram do papel, não temos investimentos novos. Minha meta é aumentar em 4 mil megawatts por ano a geração de energia”.
Em resposta, o presidente Lula negou o risco de apagão e disse que os projetos de Belo Monte e os do rio Madeira estão em andamento e sendo discutidos com a sociedade. E, nesse momento, citou Tijuco Alto. "Tive que chamar o Antônio Ermírio (o empresário Antônio Ermírio de Moraes é dono da Companhia Brasileira de Alumínio - CBA -, proprietária do empreendimento) para dizer que a usina dele, aqui pertinho no Vale do Ribeira, não ia sair por causa dos problemas com o meio ambiente”.
O candidato do PT provavelmente se referia à decisão de 2003 do Ibama, que em outubro daquele ano devolveu o Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima) por julgá-lo incompleto. No ano seguinte, no entanto, a CBA deu início a um novo processo de licenciamento, e em outubro de 2005 entregou o novo EIA-Rima que está sendo analisado pelo Ibama. Após pedir algumas complementações nesses estudos e receber o parecer técnico dos estados de São Paulo e Paraná, o órgão federal deve se manifestar a respeito da viabilidade da obra até o final deste ano.
De acordo com o advogado Raul Silva Telles do Valle, do Programa Política e Direito Socioambiental do ISA, a questão da projeção sobre a necessidade de energia nova para os próximos anos, entretanto, se baseia apenas no crescimento linear da demanda e não leva em consideração aspectos importantes que poderiam modificar essa conta. “Um recente estudo, patrocinado pelo WWF e realizado por um grupo de pesquisadores das mais diversas áreas, aponta que se medidas de eficiência forem efetivamente adotadas, em 2020 teremos economizado energia suficiente para suprir mais da metade da demanda atual”.
Raul do Valle também afirma que muita energia seria economizada no Brasil se houvesse mudanças no destino da energia gerada. “Hoje praticamente um terço da eletricidade é consumida por indústrias eletrointensivas, em sua maior parte multinacionais que geram poucos empregos e se utilizam do país como plataforma de exportação de produtos que suas matrizes não querem mais produzir, exatamente por consumirem muita energia para pouco benefício social”.
As usinas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia, estão em processo avançado de licenciamento. No final de setembro o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) aceitou os estudos de impacto ambiental apresentados por Furnas Centrais Elétricas. O próximo passo neste processo é a realização de audiências públicas nos municípios afetados.
Belo Monte
Já a usina de Belo Monte faz parte de um antigo projeto do governo brasileiro de construção de usinas hidrelétricas no rio Xingu, as quais alagariam vinte mil quilômetros quadrados (quase metade de toda a área alagada por reservatórios de hidrelétricas em todo o país até hoje) e alterariam significativamente as condições do rio. Há mais de 17 anos, contudo, a obra vem sendo contestada pelas populações que vivem na região, como indígenas e ribeirinhos, que seriam diretamente afetadas por ela. O mais famoso episódio de protesto contra Belo Monte se deu em 1989 em Altamira, no I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, que reuniu três mil participantes – 650 dos quais índios.
Diante da pressão social, o projeto foi suspenso e remodelado, de forma a diminuir a área de alagamento, sendo retomado apenas em 2005, quando o Congresso Nacional aprovou decreto que autoriza a realização de novos estudos de impacto ambiental. A Eletronorte – empreendedora do projeto – afirma que desistiu do projeto de construir as demais hidrelétricas do rio Xingu, optando por uma única barragem, a de Belo Monte. Há estudos independentes, no entanto, que apontam para a inviabilidade econômica desse novo projeto, pois Belo Monte operaria durante a maior parte do ano com capacidade ociosa de geração de energia, devido às mudanças naturais de vazão do rio Xingu.
Se o conjunto de seis usinas fosse construído, a maior parte das terras indígenas existentes ao longo do rio Xingu e de seus principais afluentes seria afetada diretamente pela formação do reservatório e pela alteração drástica nas condições naturais do rio e na fauna aquática.
Apesar deste enorme impacto, os povos indígenas não foram ouvidos pelo Congresso Nacional quando os parlamentares aprovaram, em julho do ano passado, o decreto legislativo nº 788/2005, que autorizou a realização do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) de Belo Monte pela Eletronorte. O decreto tramitou menos de 15 dias entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal antes de ser aprovado, em um prazo excepcionalmente curto. No final de março passado, contudo, o licenciamento de Belo Monte foi suspenso pela Justiça Federal. A decisão impede que os estudos prossigam antes que os povos indígenas que seriam afetados pelo empreendimento sejam ouvidos pelo Congresso Nacional.
Tijuco Alto
Apesar de ainda não estar aprovada pelos órgãos competentes, o projeto de implantação da usina de Tijuco Alto vem produzindo efeitos negativos na região do Vale do Ribeira há bastante tempo. Centenas de pequenos agricultores que viviam no local onde seria implantada a barragem venderam suas terras à CBA ao acreditar que o território seria inundado.
Muitas famílias que viviam nestas terras, mas não eram proprietárias, foram expulsas de suas casas sem nenhum tipo de indenização, aumentando o êxodo rural na região e gerando grande passivo social para a empresa.
Por tudo isso, formou-se na região o Movimento dos Ameçados por Barragens (MOAB), composto principalmente pelas comunidades quilombolas que seriam afetadas.
A essa luta se juntaram outras tantas organizações sociais que atuam na região e que se opõem a esse modelo de desenvolvimento socialmente excludente e ambientalmente insustentável. Assim, a Igreja Católica, sindicatos de trabalhadores rurais e organizações não-governamentais se associaram ao MOAB para se opor à construção das barragens.
Para Nilto Tatto, coordenador do programa Vale do Ribeira do ISA, é fundamental que ambos os candidatos à Presidência se atualizem sobre o processo de Tijuco Alto e tenham a compreensão e reconhecimento da importante sociobiodiversidade do Vale do Ribeira. “Eles deveriam assumir um compromisso com as futuras gerações, garantindo os serviços ambientais e a beleza da paisagem de um rio que ainda corre livre. Será que todos os rios do Brasil estão condenados a virar lago? Nossos netos terão a oportunidade de conhecer algum rio livre?”, indaga Tatto.
“Tão importante quanto este compromisso seria a coragem dos candidatos em discutir com profundidade o atual modelo energético, novas matrizes e, fundamentalmente, compreender que o atual padrão de consumo implica uma produção ilimitada de energia, colocando em sério risco a sustentabilidade de nossos recursos naturais”.
(
ISA, 10/10/2006)