Transgênicos: você já pode ter comido um
2006-10-13
O direito à informação clara e precisa ao consumidor é assegurado em diferentes artigos do Código de Defesa do Consumidor (CDC). No caso da rotulagem de alimentos produzidos a partir de soja transgênica, no entanto, há divergência sobre a qualidade de informação que é repassada aos clientes. Entidades de defesa do consumidor discordam do governo federal quanto à adequação dos rótulos. Segundo elas, a legislação sobre o assunto é confusa e dá margem a mais de uma interpretação. As entidades ressaltam ainda que desde a promulgação do decreto 4.680, em 2003, não se tem notícia de que algum produto para consumo humano tenha recebido o selo que indica a presença de transgênicos.
Aurélio Rios, Procurador do Ministério Público Federal, de Brasília, diz que só há duas hipóteses:
- Os otimistas diriam que não há produtos transgênicos no mercado. Os realistas, diante da grande safra de soja transgênica brasileira e a dificuldade de exportá-la, concluiriam que estamos consumindo transgênico sem saber. Acho que a segunda hipótese é a mais acertada.
Informação relevante deve estar no rótulo
O decreto federal estabelece que se faça a rotulagem quando se detectar no produto - pronto, diz a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) - a partir de 1% de proteína ou DNA transgênico. Paulo Bacini, advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) discorda:
- Não se pode dizer que não seja uma informação relevante para o consumidor incluir no rótulo que a soja que originou o óleo de cozinha era transgênica, mesmo que no produto final o índice de proteína ou DNA transgênico seja abaixo de 1%, limite estabelecido pelo decreto - frisa Bacini, referindo-se ao artigo 66 do CDC, que diz ser crime, passível de detenção, omitir informação relevante sobre o produto do consumidor.
O decreto, continua Bacini, prevê a rastreabilidade da cadeia produtiva, o que parece que não vem sendo feito. Segundo Marcus Coelho, coordenador de Biossegurança do Ministério da Agricultura, o controle da lavoura é voltado à fiscalização do plantio.
- Pelo decreto, a fiscalização é no produto final - destaca Coelho.
Ricardo Morishita, diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), tem fiscalizado os produtos encontrados nas prateleiras dos supermercados, e até agora não encontrou irregularidades:
- Inauguramos um sistema de fiscalização nacional descentralizado, em parceria com os Procons. Em 2006, começamos um monitoramento em 120 tipos de produtos, nas cinco regiões do país. Os resultados até agora foram negativos. Vamos continuar testando, mas o fato é que alguns produtos só poderão ser identificados verificando-se a cadeia de produção e isso não é atribuição do DPDC.
Gerente de Operações Especiais da Anvisa, Antônia Aquino, destaca que, mesmo que se use soja transgênica em biscoitos, massas, molhos, a análise pode não alcançar o índice de 1% no produto final, estabelecido no decreto. Ela garante que no momento da inspeção é verificada a origem da matéria-prima. Mas admite:
- Pode haver produto com mais de 1% de transgênico que ainda não tenha sido analisado. Até agora, os que verificamos possuem índice abaixo deste percentual - diz a gerente, destacando que há diferentes sistemas adotados no mundo - Há países que não rotulam nada, como Estados Unidos, outros em que o índice é a partir de 5% e os em que a rotulagem é plena, independentemente do índice.
Para o procurador Aurélio Rios, só a rotulagem plena satisfaz o código. O Greenpeace mantém em sua página na internet (www.greenpeace.org.br), desde 2002, uma lista de produtos transgênicos e não transgênicos, montada de acordo com consultas feitas às empresas sobre a sua política em relação a transgênicos. Na lista vermelha, estão as que não responderam ou afirmam não fazer controle ou fazem de forma insuficiente. Na verde, as que são certificadas ou fazem testes.
- Existe uma lei de rotulagem boa, só que é uma letra morta. Comprovamos, numa fiscalização, que as empresas líderes na produção de óleo de cozinha usam soja transgênica e nem assim conseguimos que o produto fosse rotulado. Nada foi feito nem pelos ministérios da Saúde, Justiça, Casa Civil, MPF - afirmou Gabriela Vuolo, responsável pela área de comunicação de campanhas sobre engenharia genética do Greenpeace.
Segundo Bacini, do Idec, a Abia vem incentivando seus associados a descumprirem a lei de rotulagem:
- Para a indústria não interessa a rotulagem. Primeiro porque é caro, teriam que ter uma linha para os transgênicos e outra para os não transgênicos. Além disso, temem que o consumidor comece a segregar os produtos transgênicos.
A Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia), no entanto, nega que tenha adotado essa postura e, em nota, informa cumprir plenamente a lei. A entidade, ligada ao poder público, diz ainda ter sido a primeira a divulgar publicamente a nova lei de rotulagem.
(O Globo, 11/10/2006)
http://oglobo.globo.com/jornal/