Em agosto, foram tomadas várias medidas que, em seu conjunto, vão aos poucos viabilizando, política e financeiramente, a construção das polêmicas hidrelétricas Jirau e Santo Antônio, planejadas para o rio Madeira, em Rondônia, perto da fronteira com a Bolívia. Primeiro, o Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) aprovou licenças preliminares para as obras. Depois, o presidente da República disse, em comício, que, se reeleito, construirá as duas unidades, ao mesmo tempo que os partidos de sua coalizão política divulgaram o programa de governo em que, no capítulo intitulado “Brasil, potência energética”, prometiam, no mandato 2007–2010, priorizar o aproveitamento do potencial hidráulico da Amazônia, sobretudo das hidrelétricas do Madeira e de Belo Monte. Jirau e Santo Antônio estão orçadas em R$ 20 bilhões, fora o complexo sistema de transmissão para transportar essa energia para as demais regiões do país. Não há na praça qualquer projeção desse custo, que alguns especialistas arriscam estimar em até 50% do projetado para as usinas.
No mesmo mês, o BNDES, único financiador de longo prazo no Brasil para obras de infra-estrutura, anunciou uma importante redução nas suas taxas para financiamento de projetos de geração e transmissão de energia, deixando de fora a distribuição, terceira fase do setor elétrico. Enquanto o financiamento à geração e à transmissão atende aos grupos econômicos capazes de tocar grandes obras para construção de usinas e linhas de transmissão, o setor de distribuição, ainda que também oligopolizado por corporações, está na ponta do sistema e atende diretamente os pequenos consumidores comerciais, industriais e residenciais.
Citado pelo Jornal do Comercio do Rio o diretor de Infra-Estrutura do BNDES, Wagner Bittencourt, informou que “a instituição usava um mix de taxa de juros, sendo 80% vinculados à variação da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) e 20% atrelados à variação do título do governo NTN-B – que é indexado ao IPCA. A partir de agora, os financiamentos para geração e transmissão serão 100% vinculados à TJLP, que está em 7,5% ao ano. [Nota do editor: no dia 28 de agosto, o Conselho Monetário Nacional (CMN) reduziu a TJLP para 6,85%, a menor taxa desde 1994]. Além desse custo, o BNDES cobra o chamado spread básico (em torno de 1,5% ao ano) e o spread de risco (que oscila entre 0,8% e 1,18% ao ano). Com isso, nos empréstimos diretos feitos pelo banco (sem agente financeiro), o custo para o setor elétrico ficará em torno de 10% a 10,5% ao ano. Bittencourt estima que a mudança implicará uma queda de juros para o tomador final em torno de 1,2% ao ano”.
Enquanto isso, Furnas e a empreiteira Odebrecht, que pretendem participar do futuro leilão de concessão para construir as duas usinas, tentam convencer várias lideranças acadêmicas e organizações da sociedade que questionam o projeto. As empresas sustentam que Santo Antônio e Jirau serão muito menos impactantes do que outros grandes projetos de infra-estrutura já instalados na região amazônica.
Furnas e Odebrecht defenderam a construção do complexo do Madeira, em agosto, na reunião da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica, realizada em Minas Gerais. Porém, segundo o professor Artur Moret, da Universidade Federal de Rondônia, “há questões inexplicáveis na apresentação”.
Moret reclama que o termo de referência do Estudo de Impacto Ambiental foi elaborado antes do estudo de inventário. “Os estudos são discrepantes”, afirma. Também aponta que a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), a qual abrange apenas 260 quilômetros quadrados de área de influência das usinas, não atende à legislação ambiental. O artigo 50 da Resolução 001/86 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) exige estudos em toda a bacia, que é muito maior do que a área estudada. Moret também avalia que, pelo fato de o rio Madeira carrear muitos sedimentos, não houve uma abordagem adequada. Segundo ele, depois de alguns anos, os sedimentos se fixarão em tamanha quantidade no fundo do lago que levarão a um alargamento da massa de água, momento em que o lago atingiria o território da Bolívia.
Esse impacto exigiria, então, que a construção das hidrelétricas do Madeira fosse precedida de um acordo entre o Brasil e o seu vizinho, do tipo que, na década de 1970, foi assinado com o Paraguai para a construção de Itaipu.
Além disso, o foco dos impactos em área tão diminuta restringiria a possibilidade de transformar esse empreendimento em um vetor de desenvolvimento regional, conectado às demais regiões do país e planejado para criar oportunidades permanentes e sustentáveis de geração de renda e emprego, com o equilíbrio socioambiental adequado. Além disso, a restrição da área em análise denuncia que o objetivo final do projeto é mesmo construir um enclave produtivo ligado aos mercados internacionais, com exploração máxima dos recursos naturais e humanos locais, em total desconexão com as demais regiões do Brasil.
(Boletim de Acompanhamento Social do BNDES – Ibase, disponível em
Ecoagência, 13/10/2006)