Carlos Nobre diz que há fundamento na preocupação com o eucalipto no Sul e que mais estudos são necessários
2006-10-13
Se houver um plano de desenvolvimento baseado na silvicultura no Rio Grande do Sul, é preciso estar atento a possíveis impactos nos regimes hídricos. O alerta é do meteorologista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Carlos Nobre, que participou na última terça-feira (11/10) de uma reunião do Grupo de Luta Contra Desertificação e Seca do Mercosul. O encontro aconteceu na sede do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama), em Porto Alegre.
Nobre, que lidera o maior projeto mundial de pesquisa sobre Amazônia e mudança climática (LBA-ECO), lembra que o Estado não enfrenta a falta de chuvas sazonais – que acontecem em apenas certos períodos do ano –, o que evita déficit hídrico. Mas com um aumento no número de florestas, porém, é preciso avaliar possíveis impactos relativos à quantidade de água no solo. O cuidado deve ser ainda maior com algumas variedades de eucaliptos, que têm alta necessidade de água no verão, período em que as plantas costumam crescer mais. "O eucalipto demanda muita água para crescer vários metros por ano. Chega a evaporar, às vezes, uma taxa entre cinco e seis milímetros por dia, no verão".
O meteorologista adverte que há fundamento nas preocupações relativas ao florestamento, pois alguns passivos já se mostraram reais. Relatou o período de seca vivido por cidades como São Mateus, no Espírito Santo, no final dos anos 80, quando houve problemas de abastecimento por causa da expansão do eucalipto. "Depois vieram negociações entre as empresas de celulose, como a Aracruz, quando Áreas de Preservação Ambiental (APA) e áreas próximas a mananciais e reservatórios começaram a ser preservadas. A partir daí se teve um certo equilíbrio. Houve a consciência de que se tinha um problema, e ele diminuiu. Não foi resolvido, mas amenizado", completa.
Ele sugere, ainda, a realização de estudos acerca da silvicultura para evitar problemas futuros. "Não conheço nenhuma pesquisa, mas vale a pena estudar. Se houver um plano de reflorestamento para o Rio Grande do Sul por espécies exóticas, como o eucalipto, é bom fazer o cálculo antes."
Fenômenos extremos
De acordo com o especialista, até o final do século, a temperatura pode subir entre 2º e 5ºC, e as perspectivas indicam que fenômenos extremos, como chuvas e ventanias, acontecerão com mais freqüência, afetando sobretudo a região subtropical do Brasil, que abrange o Rio Grande do Sul. "O nível do mar já vem subindo. No final do século, pode estar entre 30 e 80 centímetros. As regiões litorâneas e costeiras, inclusive Porto Alegre, precisarão adaptar algumas de suas estruturas, como portos, para enfrentar esse aumento", avalia.
Um sinal de que as mudanças climáticas estão ficando mais próximas do Sul do Brasil pode ser o furacão Catarina, que atingiu o Rio Grande do Sul e Santa Catarina em março de 2004. Não há ainda uma certeza de que o furacão seja uma conseqüência do aumento das temperaturas, mas o fato é que o fenômeno é raro e jamais havia sido observado na região. Nobre afirma que existem indícios de que os ciclones extratropicais podem se tornar mais intensos com o aquecimento global. Não necessariamente mais freqüentes, porém mais intensos. "Não é possível afirmar ainda se alguns desses ciclones extratropicais podem se tornar ciclones tropicais ou furacões, como aconteceu com o Catarina. Mas o fato é que o Catarina, em princípio, pode acontecer de novo".
As estiagens prolongadas também podem ser acenos do aquecimento global. Nobre esclarece que uma das conseqüências do aquecimento é a exacerbação de fenômenos naturais, aumentando a variabilidade entre chuvas e secas abundantes. Embora o Sul do país, principalmente o Rio Grande do Sul, o Uruguai e o nordeste da Argentina sejam regiões naturalmente sujeitas a secas periódicas, nos últimos quatro anos elas se tornaram mais intensas e freqüentes.
O especialista explica que não há estudos conclusivos sobre o tema, mas um número crescente de pesquisadores tem se debruçado sobre a questão, atento sobre uma possível relação entre aquecimento global e estiagem. Nobre ainda afirma que, se o fenômeno continuar ocorrendo, é sinal de que o clima está mesmo mudando de maneira permanente no Brasil. "Não se pode dizer a partir do dia 20 de outubro o aquecimento global começou . É um processo contínuo, que só pode ter conclusões quando se analisam dados por muito anos e décadas. Não há explicação ainda clara sobre isso, mas é uma área de muito estudo porque chama a atenção que secas, que são naturais e sempre aconteceram, estão mais intensas".
(Por Patrícia Benvenuti, Ambiente Já, 13/10/2006)