Irresponsabilidade e descaso causam tragédia ambiental no Rio Grande do Sul
2006-10-13
O rio dos Sinos registra o maior desastre ecológico do Estado desde o caso do navio Bahamas no porto de Rio
Grande. Antes deste só o caso do Hermenegildo registrou tantos animais mortos e uma comoção tão grande da
sociedade gaúcha.
A mortandade dos peixes foi a maior, no mínimo, em trinta anos. Mais de 50 toneladas de peixes morreram. Mas
de cem mil indivíduos. Uma tristeza tremenda que mostra o descaso com o meio ambiente, tanto de alguns
poluidores individuais, que nas madrugadas de expectativa de chuva lançam dejetos sem tratamento, como dos
poderes públicos, que postergam sempre o início do tratamento dos esgotos domésticos e que não dão prioridade
política para a manutenção de órgãos ambientais eficientes para fiscalizar os que agridem a natureza com o rigor
que a sociedade espera.
Todos os indícios apontam para uma conjugação nefasta de fatores que levara à tragédia. Por um lado, o rio estava
baixo e represado pelo Guaíba. Com menos movimento d’água diminui o oxigênio dissolvido e se concentram ainda
mais os dejetos de esgoto cloacal não tratados. Muitas indústrias grandes na região do arroio Estância
Velha-Portão estavam lançando efluentes com carga poluidora acima do permitido em suas licenças. Era sexta
feira de noite e havia uma ameaça de chuva forte. Ocasião em que algumas empresas, com menor compromisso
ambiental, costumam aproveitar para lançar uma grande dose de efluentes sem tratamento na expectativa que a
chuva os dilua e suma com eles sem deixar rastro.
Só que a chuva não veio e o derrame de dejetos agiu sobre uma situação crítica, como a gota d’água que vira o
copo. Foi o que bastou para toda essa carga atiçar a fome dos microorganismos que acabaram com o oxigênio
d’água, bem no período da piracema. Ocasião que milhares de peixes se movimentam para se reproduzir e
encontraram um rio sem oxigênio. Fato que agrava ainda mais a questão e compromete a vida das espécies no
futuro. O resultado é o quadro terrível que já é noticia no país e no mundo.
O serviço de emergência da Fepam foi acionado no domingo e começou a trabalhar com o apoio das prefeituras de
Estância Velha, Sapucaia, Esteio, São Leopoldo, Batalhão Ambiental e Defesa Civil.
Além das ações de contenção e retirada dos peixes, iniciou-se uma investigação em algumas dezenas de
empresas suspeitas do lançamento. Também foram feitas coletas de material para análise, visando investigar as
origens do dano. Num primeiro momento foram identificadas três empresas, mas outras podem surgir ainda graças
a dezenas de denúncias que a população vem fazendo.
Três empresas já estão sendo multadas. Além disto, a Fepam vai intimar todos os municípios da região do vale dos
Sinos para apresentarem planos de tratamento do esgoto cloacal. Ainda foi determinado que todas as empresas da
bacia do arroio Estância Velha- Portão reduzam o lançamento de dejetos em trinta por cento, enquanto figurar a
situação de emergência no rio. Essas medidas visam responsabilizar todos os setores que têm sua parte na
geração do desastre. A direção da Fepam prometeu que até semana que vem apontará todas as empresas
responsáveis pelo dano e encaminhará informação para o Ministério Público abrir processos junto à justiça pelo
crime ambiental cometido.
Muita gente me comentou que não imaginava que houvesse tantos peixes no Sinos. Ele tem sim! O desastre
mostra que se as medidas de controle da poluição forem tomadas, a possibilidade de recuperação é grande.
Arno Kayser é agrônomo, escritor e ecologista. Militante do Movimento Roessler de Defesa Ambiental, de Novo
Hamburgo, RS.
(Ecoagência, 11/12/2006)
http://www.ecoagencia.com.br/index.php?option=content&task=view&id=1883&Itemid=2