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2006-10-11
Você sabe como é feito para se determinar a diversidade biológica da Amazônia e quais espécies de animais podem ser encontradas? Essa é uma das funções da Coleção de Mamíferos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). É o que explica a doutora pela Universidade da Califórnia, Berkeley (USA) e curadora da Coleção, Maria Nazareth Ferreira da Silva. Os trabalhos desenvolvidos pela Coleção de Mamíferos são constituídos em grande parte por estudos genéticos, taxonômicos e evolutivos das espécies. Além disso, as informações produzidas são fundamentais para formulação de políticas públicas, como, por exemplo, criação de Unidades de Conservação e Reservas Florestais.

A pesquisadora disse que a Coleção de Mamíferos tem como finalidade manter representantes da diversidade amazônica de mamíferos em condições ex situ (fora de seu habitat natural) sob a forma de exemplares fixados em formol e preservados em álcool e/ou taxidermizados (empalhados). O material coletado compõe um banco de dados para fins de pesquisa de estudantes de pós-graduação e cientistas nacionais e internacionais. “A coleção começou a ser reunida há cerca de 20 anos. As primeiras amostras eram oriundas, principalmente, de estudos biomédicos, ou seja, pesquisas de campo feitas pela Coordenação de Pesquisas em Ciências da Saúde (CPCS/Inpa), como, por exemplo, para pesquisas com leishmânia” destacou.

De acordo com Silva, a partir de 1985, com o início dos levantamentos faunísticos, executados pelo Inpa em áreas da região amazônica sob a influência das hidrelétricas de Balbina e Cachoeira Porteira e com a contratação de pessoal, a Coleção de Mamíferos começou a ser organizada segundo padrões internacionais. “Antes dessas barragens serem construídas foram coletados anfíbios, aves, mamíferos e répteis. É possível que tenhamos exemplares que não sejam mais encontrados nesses lugares. Eles têm um valor histórico importantíssimo. O acervo de peles de mamíferos conta, atualmente, com mais de 5 mil registros”, ressaltou.

Os 5 mil registros que compõem o acerco científico faz do Inpa a quarto maior Coleção do país com amostras oriundas da Amazônia. A primeira, é o Museu Paraense Emílio Goeldi, com quase 30 mil amostras, enquanto o Museu Nacional (RJ) e o Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP) estão em segundo e terceiro lugares, respectivamente.

Entre os exemplares existem espécies raríssimas, encontradas em poucos museus do mundo, como o marsupial, Glironia venusta. “Em todo o mundo existe apenas uma dúzia de exemplares. Desse total, temos quatro, do Trombetas, Urucu e Madeira na Amazônia e do Mato Grosso. Eles são muito raros”, destacou. A pesquisadora também falou que existem outras espécies raras em coleções, como, o maior morcego da região neotropical: o Vampirum spectrum. No acerco existem também exemplares tipo, ou seja, que servem de base para a descrição de novas espécies.

A pesquisadora explicou que é difícil e oneroso realizar a captura dos animais e, conseqüentemente, a documentação da biodiversidade na Amazônia. A captura dos animais envolve uma série de técnicas diferentes, como diversos tipos de armadilhas, redes, picadas na mata para observação de macacos e outros mamíferos de médio e grande porte, procura em abrigos, entre outros.

Segundo ela, os métodos utilizados mudam conforme o animal que se deseja pegar. “Os morcegos, geralmente, são coletados com rede especiais, à noite, final da tarde ou início da madrugada. Durante o dia, as armadilhas montadas para coleta dos roedores e marsupiais são verificadas e os espécimes começam a ser preparados no campo mesmo. Os roedores e os morcegos englobam mais de 50% da diversidade de mamíferos. Caso queira conhecer a diversidade de mamíferos é fundamental pesquisar esses dois grupos”, afirmou.

Para a captura dos animais o pesquisador precisa ter preparo físico de atleta, bom humor e disposição para suportar a falta de conforto e longas horas de trabalho de dia e de noite, sem falar na habilidade técnica para manipular e preparar os animais, entre outras. “Reunir tudo isso não é fácil e exige uma equipe coesa, pois envolve uma rotina para o dia e outra para a noite. É como se estivéssemos falando de diversos trabalhos simultâneos”, ressaltou. Freqüentemente as amostragens ficam limitadas as áreas próximas aos rios, com até um ou dois quilômetros para dentro da floresta.

Silva enfatizou que são poucas as regiões de interflúvio (zona que separa dois rios) bem amostradas. Isso porque, logisticamente, é mais difícil o acesso, além dos altos custos. Só é possível chegar a esses locais por meio de helicóptero, muitos dias de voadeira, barco de pequeno porte, canoa ou a pé. “Viajar pela Amazônia é muito caro. Em uma expedição que custe R$ 20 mil, por exemplo, caso retorne com apenas 100 animais, cada exemplar terá custado R$ 200. Essa relação custo-benefício é sempre muito alta na Amazônia. Por isso, quando participamos de uma expedição temos que aproveitar para fazer o maior número de coletas possíveis, especialmente, quando se considera o sucesso de capturas das amostragens. Em geral, para cada 100 armadilhas capturamos apenas de 2 a 5 animais por dia. Considerando o esforço investido é muito pouco”, lamentou.

Segundo Silva, além do baixo sucesso de captura, também existe um alto custo associado à captura dos exemplares, como, o transporte e manutenção da equipe em campo. Outro obstáculo encontrado é a exigência de licença de coleta, onde devi-se indicar previamente quais espécies e o número de animais que serão coletados, quando muitas vezes esse conhecimento é inexistente. Ela afirmou que o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) poderia adotar uma política diferente para quem é pesquisador. “As pessoas que trabalham em instituições de pesquisa e, especificamente, com coleções, poderiam ter uma licença permanente. Isso porque estamos capacitados para realizar esse trabalho e mantemos vínculo funcional permanente com uma instituição. Obviamente, também temos que respeitar a legislação, escrever relatórios e manter os animais como parte do acervo de uma coleção”, comentou.

De acordo com a curadora, existe um trabalho publicado em 1996 feito por um pesquisador do American Museum of Natural History (Nova Iorque) sobre quais as áreas da Amazônia brasileira são consideradas bem amostradas para mamíferos. O estudo concluiu que existem apenas cinco localidades com esse perfil, apesar de existir muitas áreas visitadas com coletas esparsas. “O ideal é ter uma boa representatividade do maior número de espécies e locais possíveis. Além disso, se for possível ter também uma amostragem temporal, ou seja, voltar periodicamente às mesmas áreas para reamostrar. É o ideal. Mas isso vai depender dos objetivos da pesquisa e do pessoal disponível para realizar o trabalho”, enfatizou.

Imagem nem sempre é tudo
Maria Nazareth explicou que fotos nem sempre são tudo quando se trata de pesquisa científica na qual é necessário confirmar a espécie de um determinado animal. Por isso, é muito importante a coleta em campo, pois permitirá colocar os exemplares lado a lado. “Só dessa forma é possível fazer uma identificação acurada das similaridades ou diferenças. Durante o processo de identificação material de diversas localidades, é colocado lado a lado e idealmente comparado com o holótipo (espécime utilizado para a descrição de uma dada espécie), o que ajuda saber se estamos lidando com uma, duas ou mais espécies diferentes”, informou.

Hoje, no processo de identificação das espécies, também são usadas técnicas genéticas, como, seqüenciamento de genes, comparações morfológicas e informações ecológicas. Dessa forma, é possível obter uma compreensão mais correta da diversidade biológica existente na região. Todo esse material está disponível no acervo da Coleção para consulta de estudantes de graduação, pós-graduação, pesquisadores, entre outros. Além disso, as informações estão digitalizadas permitindo o acesso fácil e rápido. Também existe uma coleção didática para estudantes que participam de feiras de ciências os quais solicitam exemplares para apresentação.

Recursos humanos
A curadora da Coleção de Mamíferos, Maria Nazareth Ferreira da Silva, disse que, atualmente, existe uma carência de técnicos para um melhor aproveitamento do acervo. “Hoje, trabalham na coleção apenas três pessoas. Precisamos contratar técnicos preparadores, pessoas para trabalharem em campo, especialistas para diferentes grupos de mamíferos, pois uma pessoa que trabalha com primatas não, necessariamente, vai ter a formação para trabalhar com morcegos ou roedores, por exemplo. No caso, estamos falando de vários especialistas para diferentes grupos de mamíferos”, explicou.

A curadora afirmou que não é barato manter um acervo científico, pois é preciso disponibilizar recursos para compra de materiais, como: álcool, formol, etiquetas e livros, os quais são utilizados diariamente. Como a idéia é manter um registro permanente é fundamental comprar materiais de alta durabilidade e qualidade, porém muitos desses produtos não são encontrados no Brasil, obrigando os curadores a importá-los. Também é necessário uma vigilância permanente para não deixar que insetos entrem nos armários e destruam as amostras. “No Inpa temos armários de excelente qualidade para guardar o acervo, de fazer inveja a qualquer coleção. Valeu a pena todo o esforço e recursos investidos na importação desse material”, afirmou.

Segundo a pesquisadora, o trabalho de curadoria envolve toda uma rotina que necessita de profissionais capacitados, treinados e dedicação dos mesmos. Eles executam trabalhos de taxidermia que envolve a remoção da pele e enchimento com algodão. Guarda-se também a parte óssea. Depois, separa-se o crânio e o esqueleto os quais são colocados em uma colônia de Dermestes (besouros que se alimentam de restos animais). Após esse procedimento, o material é limpo e armazenado.

“Hoje, temos um problema sério no processo de preparação dos animais, devido a falta de pessoal e de espaço adequado, pois os locais de preparação estão em condições muito precárias, com risco à saúde de quem ali trabalha. Todavia, temos um projeto aprovado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) para a construção de um novo prédio, no valor de R$ 500 mil. No entanto, esse recurso representa apenas 1/3 do valor que necessitamos para a construção de todo o prédio”, afirmou.

Silva disse que uma Coleção não é simplesmente um local de depósito de material. Existe toda uma dinâmica de funcionamento. Ela ressalta que, às vezes, pessoas chegam com animais que encontraram mortos em estradas. “É interessante recebe-los, mas é necessário estrutura, pois é preciso dar entrada, ser preparado, tombado e guardá-lo”, explicou.

Espécime: pode envolver: pele, crânio, tecido, suspensão celular para cariótipo, esqueleto, podendo ter todas ou algumas dessas partes. Assim, embora a Coleção de Mamíferos tenha cerca de 5 mil registros, quando se pensa em partes a serem preservadas, esse número pode ser multiplicado diversas vezes. Isso sem falar que cada uma dessas partes exige cuidados e materiais diferentes para seu armazenamento e preservação. “Seriam como pequenas coleções dentro de uma coleção maior. Hoje, a importância do acervo da Coleção já adquiriu reconhecimento nacional e internacional”, finalizou.
(Por Luís Mansuêto, INPA, 10/10/2006)
http://www.inpa.gov.br/noticia_sgno.php?codigo=199

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