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2006-10-11
De tempos em tempos, uma autoridade qualquer de um país do Primeiro Mundo espeta os brios tupiniquins ao propor uma forma qualquer de internacionalização da Amazônia. A última dessas declarações desastradas veio do ministro britânico do Meio Ambiente, David Miliband.

No fim da semana retrasada, ele teria dito ao jornal inglês "Daily Telegraph" que seu governo, com ciência e apoio do premiê Tony Blair, proporia num encontro sobre mudanças climáticas no México a "privatização completa" da Amazônia.

Admitia que o assunto poderia levantar "questões de soberania com o Brasil", dono da maior parte da floresta tropical. "Mas o desmatamento é uma questão maciça, e qualquer plano, por mais radical que seja, vale ser estudado", teria dito ao jornal.

Miliband acabou precipitando sem querer um debate internacional que o governo brasileiro esperava ver tomar corpo só no mês que vem: como países detentores de florestas tropicais podem receber dinheiro da comunidade internacional pela redução no desmatamento --e sem vender suas matas a estrangeiros.

A reação da imprensa às declarações do ministro foi imediata. Na semana passada, no segundo encontro do Diálogo de Gleneagles --uma série de negociações entre o G8 e os gigantes do Terceiro Mundo (Brasil, Índia, China, México e África do Sul) para discutir soluções para o efeito estufa-, Miliband retirou o que disse. Ou melhor, negou que o tenha dito Chamou o episódio de "distorção" da imprensa britânica.

Em reunião durante o evento com Cláudio Langone, secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente brasileiro, o inglês se explicou. "Por outro lado, não houve até agora nenhum desmentido oficial", disse à Folha na quinta-feira o secretário de Biodiversidade e Florestas do ministério, João Paulo Capobianco. "Ele disse que foi mal-interpretado, mas não explicou qual é a proposta britânica" para reduzir o impacto das florestas tropicais no aquecimento do planeta, disse Capobianco.

Clube da floresta
Em novembro, numa reunião da Convenção do Clima da ONU em Nairóbi, Quênia, o governo brasileiro vai dizer qual é a sua proposta. Ela gira em torno da criação de um mecanismo voluntário pelo qual os países ricos, que têm metas de redução de emissões de gases-estufa a cumprir pelo Protocolo de Kyoto, compensem países detentores de florestas tropicais (virtualmente todos subdesenvolvidos) que tiverem reduzido seu desflorestamento abaixo de um nível x por um determinado período.

Não se sabe se o dinheiro viria de um fundo (opção favorita do Brasil) ou de algum mecanismo de mercado (que o governo não quer mas tampouco descarta). O dinheiro seria usado para que os membros do "Clube dos Redutores do Carbono de Floresta", como já é apelidada a potencial associação de nações, desenvolvam economias florestais não-predatórias.

A compensação só seria feita após o país ter demonstrado que de fato reduziu o desmatamento, contribuindo para a estabilização do clima do planeta: estima-se que até 25% do gás carbônico lançado na atmosfera por seres humanos (que aprisiona o calor da Terra e eleva a temperatura global) seja proveniente da derrubada de árvores nos trópicos -para pasto e lavoura, sobretudo.

Como o mecanismo é voluntário e desatrelado das metas de Kyoto, ele também elimina a principal oposição dos gigantes do Terceiro Mundo (inclusive de setores do governo brasileiro, como o Itamaraty e o Ministério da Ciência e Tecnologia), que não abrem mão de seu direito de poluir para se desenvolver, à inclusão de florestas no debate climático. "Eu não vejo nenhuma objeção à proposta", disse à Folha José Domingos Miguez, especialista em clima do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Jipe na Lua
A proposta foi apresentada por Capobianco em Roma no mês passado, e, segundo o secretário, teve boa recepção pelos países ricos. Mas o que leva o governo a crer que países ricos colocariam dinheiro num fundo desses, já que não poderão abater as emissões reduzidas da própria meta?

"Tempo", afirma Capobianco. "Qualquer coisa que não seja uma mudança estrutural na economia e reduza emissões da meta total do planeta é lucro." O raciocínio é simples: se o desmatamento tropical fosse reduzido em 25% (o Brasil provou que isso é possível, em tese), isso significaria 600 milhões de toneladas de carbono a menos na atmosfera --e na planilha de metas de redução dos países ricos.

O dinheiro do fundo seria distribuído entre os sócios do clube de acordo com a parcela de redução de cada um. "Esta proposta não vende jipe na Lua", diz Capobianco. "Estamos reduzindo emissões globais e, como efeito colateral, protegendo a biodiversidade sem cobrar nada por isso", afirma o secretário, que aponta ainda o "constrangimento ético" como um fator de apoio dos países ricos à proposta. Se o Reino Unido meter a mão no bolso para financiá-la, "constrangimento ético" será mesmo o termo exato.
(Por Claudio Ângelo, Folha de S.Paulo, 10/10/2006)
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u15333.shtml

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