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2006-10-11
As duas Reservas Extrativistas (Resex) da Terra do Meio, no Pará, começam a dar os primeiros passos no caminho de sua consolidação, mesmo que lentamente. Com uma série de dificuldades, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) vem tentando monitorar as duas áreas e prestar apoio aos seus moradores. O presidente Lula decretou a Resex do Riozinho do Anfrísio, em novembro de 2004, com 736 mil hectares, e, em junho último, a Resex do Iriri, com 398,9 mil hectares.

De lá para cá, a prefeitura do município de Altamira, onde estão localizadas as duas áreas, contratou agentes comunitários de saúde e técnicos para realizar testes de malária – mas só depois de uma reclamação do Ministério Público Federal (MPF). Desde meados do ano passado, o Ibama organizou reuniões comunitárias e expedições para cadastramento, emissão de documentos, atendimento médico e esclarecimento da população. Também foram realizadas algumas operações de fiscalização. O Exército esteve presente por algumas semanas na Resex do Riozinho do Anfrísio para garantir a segurança de lideranças ameaçadas por defender suas terras.

As medidas foram tomadas depois de fevereiro de 2005, quando o governo federal criou a Estação Ecológica (Esec) da Terra do Meio e o Parque Nacional (Parna) da Serra do Pardo, também na região. As duas UCs foram parte do pacote ambiental lançado em resposta à série de assassinatos de trabalhadores rurais e líderes do movimento social no Pará, em especial, da freira missionária Doroty Stang, no dia 12 daquele mês.

A decretação das áreas e as primeiras ações do governo fizeram cair, pelo menos em um primeiro momento, o desmatamento, o preço das terras no mercado local de grilagem e o número de denúncias de casos de violência praticada por grileiros contra os "beiradeiros", como são conhecidos os ribeirinhos.

A situação de abandono dos moradores da região, no entanto, mudou pouco. O quadro de saúde das cerca de 200 famílias que vivem na Terra do Meio é grave: o índice de mortes por doenças como pneumonia, malária e diarréia, por exemplo, é alto. O atendimento médico ainda é raro e o transporte de pacientes é muito difícil – algumas localidades ficam a mais de quatro dias de viagem de barco de Altamira, cidade mais próxima. O analfabetismo beira os 100%, mas ainda não se sabe quando serão construídas escolas no local. Muitas pessoas continuam sem documento de identidade.

Comunidades começam a se organizar
A figura da Resex garante legalmente a conservação dos recursos naturais, as atividades econômicas e a posse coletiva da terra das populações tradicionais (seringueiros, castanheiros, babaçueiros, caiçaras, sertanejos etc). A regularização fundiária propiciada por esse tipo de UC de uso sustentável facilita o acesso ao financiamento agrícola, programas de segurança alimentar e investimentos na produção local - a informação vem sendo divulgada com a ajuda do Ibama, fazendo com que as comunidades tomem consciência de seus direitos. Com intermediação do MPF e de organizações da sociedade civil, elas já desenvolvem iniciativas de geração de renda e começam a cobrar o acesso a saúde, educação e segurança.

Na Resex do Riozinho do Anfrísio, um pequeno projeto de apoio ao agroextrativismo está sendo financiado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) desde o ano passado. Foram distribuídos quatro motores de popa e equipamentos para extração e beneficiamento da copaíba e da andiroba. Dois barracões já foram construídos e, nas próximas semanas, devem ser erguidos mais dois. As edificações poderão abrigar futuras escolas, vão servir para reuniões comunitárias e para armazenamento da produção das 47 famílias de beiradeiros da reserva. O Ibama também deverá construir uma pequena base no local, nos próximos meses.

Apesar do otimismo de vários moradores, fontes do próprio Ibama lembram que grupos de Trairão e Rurópolis, municípios próximos, continuam desmatando nos limites da Resex. De acordo com dados do Laboratório de Geoprocessamento do ISA, o desmatamento teria aumentado no interior da área na ordem de 198% na comparação entre 2002-2004 e 2004-2005.

Um garimpo voltou à atividade nas últimas semanas. Apenas um funcionário foi designado para cuidar da reserva, quando seriam necessários pelo menos três. A falta de pessoal limita o gasto do dinheiro que já está liberado para a UC. Dos R$ 760,7 mil previstos no Plano Operativo Anual (POA) de 2006, elaborado pelo Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa), apenas R$ 130 mil haviam sido usados até o final de setembro, pouco mais de 17% do total.

O Ibama argumenta que a demora nos trâmites para a contratação de serviços e a compra de equipamentos, além da dificuldade de acesso na época da seca, quando os rios ficam muito baixos, também estariam emperrando a implementação da reserva. Desde agosto, não se tem informações sobre o desmatamento porque o técnico responsável pelo monitoramento via satélite da Resex está fora, em operações de campo. A gerência-executiva do Ibama em Altamira garante que deve ocorrer uma operação de fiscalização contra desmatamentos e garimpos clandestinos nos próximos meses.

Trabalhos engatinham no Iriri
Na Resex do Iriri, criada há poucos meses, os trabalhos estão engatinhando. Um funcionário ainda não foi nomeado para cuidar da área. Até o final de setembro, não havia sido gasto nenhum centavo dos R$ 685 mil disponibilizados pelo Arpa para este ano. A previsão é que uma equipe de saúde paga pela prefeitura de Altamira suba o rio Iriri nas próximas semanas.

De acordo com Paulo Rodrigues Cambuí, presidente da Associação dos Moradores da Resex do Iriri, um invasor que desmatou e está ocupando 1,5 mil alqueires dentro da reserva realizou recentemente um novo desmatamento de 180 alqueires. Cambuí afirma que notificou o Ibama sobre o problema, mas nada foi feito até agora. “Desde janeiro, não recebemos a visita de uma equipe de fiscais. Eles dizem que não têm recursos para nos atender. Não sei mais a quem me dirigir.”

No meio de setembro, Paulão, como é conhecido, foi até Altamira prestar depoimento ao MPF e à PF sobre a atuação de pistoleiros. Alguns dias antes, dois homens armados desceram o rio Iriri, rondando a sua casa e intimidando outros moradores. Paulão conta que uma pessoa chegou a lhe dizer no rádio que ele deveria deixar a presidência da associação e que sua vida estaria valendo R$ 50 mil. “Essa pessoa, que não conheço e não se identificou, me disse que quando minha cabeça estivesse valendo R$ 100 mil viria atrás de mim”. Segundo o ribeirinho, neste caso, até agora também não foi tomada nenhuma providência por parte das autoridades.

Terra do Meio continua ameaçada
Representantes do movimento social e de organizações não-governamentais avaliam que a Terra do Meio continua ameaçada por madeireiras e fazendas ilegais e que algumas atividades ilícitas já teriam sido reiniciadas. O receio é de que o governo não tenha condições de manter presença efetiva para inibir a ação dos criminosos. Tarcísio Feitosa, membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Altamira, confirma que as mudanças ainda são muito pequenas na vida dos beiradeiros. “Mudou alguma coisa porque as três esferas de governo e a sociedade brasileira agora sabem que essa população existe, mas em campo a situação não se alterou muito”.

Ele conta que algumas “fazendas” voltaram recentemente à atividade nas duas Resex, com realização de desmatamentos e queimadas ilegais. O Ibama foi comunicado do problema, mas até agora não tomou nenhuma providência. Feitosa está descrente de uma ação mais enérgica do Poder Público na região para combater os crimes ambientais.

O próprio coordenador do Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Populações Tradicionais (CNPT) do Ibama, Alexandre Cordeiro, teme a retomada do desmatamento quando “baixar a poeira” da decretação das áreas. Ele admite que as ações do governo na região ainda são limitadas. “Estamos com uma presença ainda insuficiente. O Estado brasileiro não botou o seu dedo ali. Não temos cidadania plena ali. Não temos controle do espaço. Ainda é terra de ninguém.” O servidor acredita que a falta de pessoal só deve ser resolvida no início do ano que vem, com o ingresso de 50 analistas ambientais recém-concursados no CNPT. Destes, cinco seriam destinados às Resex do Riozinho do Anfrísio e do Iriri.

Cordeiro informa que estão sendo investidos recursos em pequenas operações de fiscalização, no mapeamento das posses irregulares existentes nas reservas(primeira fase no processo de regularização fundiária), na capacitação e na mobilização da comunidade. O consultor responsável pelo diagnóstico rural participativo e pelos estudos para criação do conselho deliberativo da Resex do Riozinho do Anfrísio já foi contratado e o contrato para a realização do trabalho no Iriri deve ser fechado nas próximas semanas.

O colegiado deve ser composto por representantes das diversas localidades, que precisam receber uma formação mínima. É o primeiro passo para a elaboração e a execução do plano de manejo da Resex e para a assinatura do contrato de concessão real de uso aos ribeirinhos, etapa final da regularização fundiária.

Negociações paralisadas
Enquanto os moradores do Riozinho do Anfrísio e do Iriri pelo menos conseguiram avançar na solução de seu problema fundiário com a decretação das Resex, a situação de outras quase cem famílias de beiradeiros espalhadas pela Terra do Meio ainda precisa ser resolvida. Alexandre Cordeiro afirma que o governo pretende oficializar, até o fim do ano, a Resex do Médio Xingu na faixa de 100 quilômetros ao longo do rio, totalizando uma área de 303 mil hectares, onde moram cerca de 50 famílias.

Os estudos para o decreto da UC estariam sendo finalizados. Já os ribeirinhos que vivem nas UCs de proteção integral, que não permitem moradia, e na Terra Indígena Cachoeira Seca terão de deixá-las. Muitos, porém, ainda não foram convencidos a fazê-lo e resistem à idéia. As negociações para a transferência das famílias estão paralisadas. Segundo Cordeiro, o CNPT aguarda, há alguns meses, que a Diretoria de Ecossistemas (Direc) do Ibama elabore os termos de compromisso que autorizam a permanência temporária em suas posses e garantem o reassentamento em outras terras.

No caso da Terra do Meio, esses moradores deverão ser fixados nas duas Resex já criadas e na outra que deve ser instituída nos próximos meses. A legislação também obriga o Ibama – e a Fundação Nacional do Índio (Funai), no caso da TI – a indenizar as benfeitorias construídas de boa fé.
(Por Oswaldo Braga de Souza, ISA, 10/10/2006)

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