Pelo menos 120 pessoas participaram de um protesto contra a repressão da Prefeitura de São Paulo aos catadores de lixo reciclável da cidade. Reunidos sob a marquise do Masp (Museu de Arte de São Paulo), em plena avenida Paulista, os manifestantes (a maioria deles sem-teto, catadores e militantes de movimentos populares) organizaram um desfile das carroças de lixo no fim da tarde de segunda-feira (09/10).
A razão do protesto é questionar a aplicação da Lei n° 14.146, proposta pelo vereador Roberto Trípoli (sem partido, ex-PSDB) e sancionada pelo prefeito Gilberto Kassab (PFL), em abril deste ano. A lei proíbe carroças de tração animal de circularem pelas ruas de São Paulo, e neste rol estão incluídas as que são instrumentos de trabalho dos catadores. A cidade, em seus 16 mil quilômetros de vias asfaltadas, abriga 2.500 carroças circulantes em um trânsito caótico, formado por quase seis milhões de carros.
Segundo o texto sancionado por Kassab, quem contrariar a lei terá sua carroça, mercadoria ou animal apreendido, e para isso poderá ser usada força policial. O prefeito vetou os artigos que previam a criação de programas de requalificação profissional para os carroceiros e manteve apenas as punições, que incluem o citado confisco. A liberação do animal ou da carroça é feita mediante o pagamento de um “resgate”, cujo valor é próximo de R$ 800.
O catador Edmilson Vieira da Silva sofreu a punição por manter uma carroça de lixo reciclável. Há 15 dias, ele estava trabalhando no Bom Retiro, quando foi abordado por fiscais da prefeitura e pela Guarda Civil Municipal (GCM). Edmilson, que recolhe materiais recicláveis desde 1999, ficou sem a única fonte de renda da família e está preocupado com os filhos. “Vou comprar outra carroça, porque não dá para ficar sem trabalho”, diz ele.
Edmilson vive uma situação singular: foi demitido da Volkswagen de São Bernardo, onde trabalhou de 1986 a 1999 como montador de motores. Ele afirma que soube das recentes ameaças de demissão de três mil funcionários da Volkswagen pela televisão. “Eu sou como eles, eu quero paz para trabalhar”, exclama o catador.
De acordo com o defensor público Renato De Vitto, presente na manifestação, a lei de Trípoli vai contra a Constituição Federal de 1988, já que impede o direito ao trabalho dos catadores de lixo. “Esse é o tipo de lei que cria uma exclusão social e coloca mais pessoas à margem da sociedade”, reclama o defensor. Ele diz que é possível questionar a lei na Justiça. Depende dos movimentos populares entrarem com uma ação no Ministério Público.
Vídeo e cultura
Em apoio ao protesto dos catadores, o Festival Latinoamericano de la Clase Obrera (Felco) iniciou suas atividades em São Paulo na mesma hora e local, com a exibição do vídeo “O Leviatã”, do cineasta pernambucano Camilo Cavalcanti. O festival tem por princípio exibir vídeos dedicados às lutas e à cultura da classe trabalhadora, bem como reunir cineastas e intelectuais para debater a produção “proletária” latino-americana.
Criado em 2004, no auge das mobilizações populares argentinas, o Felco teve sua primeira edição em Buenos Aires. A edição de 2005 foi realizada em El Alto (Bolívia), uma cidade que fervilha nos últimos anos com a agitação política dos movimentos sociais andinos.
O Brasil, além da Bolívia e da Argentina, sediará o Felco em 2006. Maria Gutierrez, uma das responsáveis pelo Festival em nosso país, explica que a mostra inicial é itinerante e já começou. “Está havendo exibições de vídeos em sindicatos, associações de moradores, centros acadêmicos e outros lugares. Elas terminam em dezembro, quando começa a mostra central de vídeos do festival”, diz ela.
“Qualquer um pode enviar seu curta-metragem ou documentário para exibição. O único critério é de que o vídeo seja sobre a classe trabalhadora”, detalha Maria. O acervo do Felco no Brasil, até agora, reúne 65 filmes registrados, cujos temas giram em torno de ocupações de sem-teto em São Paulo (a ocupação Prestes Maia, por exemplo), terceirização do trabalho ou outros assuntos relativos à realidade dos movimentos sociais.
Segundo a produtora, há uma rede de distribuição montada pela organização do Felco, que inclui vários sindicatos e movimentos populares. Maria relata que foram distribuídos 50 pacotes com 11 DVDs em cada um, e quem os recebeu foram os militantes de movimentos sociais que compõem a rede de distribuição. Caso a exibição atinja 50 pessoas para cada DVD enviado, haverá 27.500 espectadores em todo o festival.
Para a exibição central, que ocorre de 02 a 10 de dezembro, a equipe do Felco pretende alugar um cinema na avenida Rio Branco. “Vai haver, ainda, dois dias de exibição dos vídeos na Escola Nacional Florestan Fernandes”, revela Maria, que se formou em Audiovisual na USP e agora faz mestrado.
Para quem espera uma mostra latina de “vídeos proletários”, a produtora avisa que há muitas obras nacionais. “Nosso material é quase todo feito por organizações não-governamentais brasileiras. Eu lamento que por aqui os movimentos sociais não produzam tantos vídeos quanto as ONGs”, afirma Maria. Outra proposta do Felco é dar início a uma “Frente de Cultura da Periferia”, que vai agregar grupos de teatro de rua, música, dança, cinema e rádio para dialogar sobre militância política e cultura.
(Por Rafael Sampaio,
Agência Carta Maior, 11/10/2006)