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2006-10-11
A América Latina vive hoje uma guerra intestina, mas silenciosa, em pequenos focos espalhados pelo continente, mas que podem eclodir a qualquer momento num emaranhado de ações e convulsões sociais se não estivermos preparados para novos enfrentamentos econômicos e políticos. As águas da América Latina de hoje podem ser, no futuro próximo, objeto de disputas sangrentas, como é hoje o petróleo do Oriente Médio.

Se o Oriente Médio sofre por ter seus recursos naturais espoliados, a América Latina sofre com a servidão ao sistema financeiro internacional. Sofre com a usura das altas taxas de juros, a especulação financeira, o endividamento e é vitimada pela corrupção endêmica.

A América Latina detém a maior biodiversidade do planeta, as maiores reservas de água doce do mundo. É rica em minérios, abriga as maiores florestas tropicais, extensos litorais paradisíacos, solo e climas diversificados, que garantem o vigor da produção agropecuária nos 365 dias do ano.

Construímos na América Latina a nossa cultura americana árabe, agregando valor à cultura miscigenada dos povos latino-americanos. O carisma, a vontade de trabalhar, a diplomacia e nossa maneira de ser deram a nós, árabes e descendentes, uma vantagem comparativa para negociar e realizar parcerias.

É esse exemplo de integração que nos dá a certeza de que só com o apoio, a união dos vários países, árabes em especial, nos investimentos, parcerias, joint-ventures é que sairemos da servidão financeira que nos é imposta por um modelo econômico degradador e desumano pelos países ditos desenvolvidos.

Não faz sentido que os recursos obtidos pela exploração do petróleo árabe funcionem como lastro para o sistema financeiro que hoje os bombardeia. Contra o capital excludente somente um novo capital inclusivo. Contra uma globalização que tenta extorquir nossos recursos naturais e estratégicos, somente uma nova globalização cultural, inter-racial e inter-religiosa.

A América Latina possui todos os recursos naturais estratégicos que os países desenvolvidos necessitam para produzir bens de consumo na indústria, comércio e serviços. O Brasil tem posição estratégica na América Latina por sua dimensão continental, miscigenação e por concentrar o sistema financeiro do continente.

O mundo árabe tem sua economia centrada nos recursos energéticos não renováveis, um “privilégio” pago com milhares e milhares de vidas. Faz-se estratégico e vital migrar para a energia renovável, com todo conhecimento e tecnologia acumulados ao longo de décadas por aqueles produtores de petróleo. Por não ter água o mundo árabe não consegue produzir o que consome, nem gerar excedentes para exportação. Por isso é franco comprador de mercadorias in natura e industrializadas.

Infelizmente, pouco exportamos em linha reta para o mundo árabe, pois as rotas de comercialização ou foram reduzidas ou foram fechadas para os países em desenvolvimento. Produzimos laranja no Brasil, exportamos in natura ou suco para a Itália, onde é reprocessada e embalada com a marca "made in Italy" e reexportada para os países árabes. Assim, ficamos com todos os riscos de produção, custos de financiamento, encargos e tributos, enquanto as indústrias estrangeiras ficam com a parte gorda dos lucros.

Temos fortes laços culturais que, se aliados à capacidade e desenvolvimento de tecnologias, poderiam se traduzir em grandes operações de trocas entre os países árabes com um intercâmbio e, conseqüentemente, aquecer as economias árabe e latino-americanas.

Os fundos islâmicos não aplicam em juros, mas podem muito bem financiar a produção de longo prazo, desde que tenhamos também nesses contratos, a contrapartida dos investimentos de base em educação, saúde, agricultura, ciência, cultura, cooperativas de produção, entre outros. Estudar uma estratégia para as rotas marítimas e aéreas é imprescindível para que as relações entre o Oriente Médio e América Latina se fortaleçam e intensifiquem, com ganhos para os dois lados.

No âmbito nacional e continental, é vital que parcerias e acordos garantam a preservação e o uso público e social das bacias hidrográficas e águas subterrâneas transfronteiriças. Trata-se não só de uma questão ambiental e social, mas de soberania e segurança internacional. A crise hídrica mundial que se prenuncia pode transformar o ora pacífico continente no cenário de disputas cruentas como as que têm lugar hoje no Oriente Médio.

Outro aspecto importante é aprofundar o estudo crítico das questões intrínsecas do Protocolo de Kyoto, recomendando cautela com negócios nos mecanismos de desenvolvimento limpo. O estabelecimento do mercado de carbono, através de créditos compensatórios, simplesmente reproduz o modelo econômico que é alvo de nossas críticas. A alternativa é a estruturação de uma rede de investimentos, parcerias e comercialização, que garanta o monitoramento, a fiscalização e a orientação de negócios e projetos sócio-ambientais na América Latina.

Para debater esta questão na América Latina criamos o Projeto RECOs – Redes de Cooperação Comunitária, que têm como objetivos o intercâmbio de experiências, a promoção e fomento da produção de bens e serviços das comunidades regionais. O projeto atende às reivindicações da Agenda 21 – Pense Globalmente e Aja e Aja Localmente, com a implantação da responsabilidade social empresarial, comércio justo e sustentabilidade em diversos programas educacionais.

Estes são, em resumo, os principais pontos do pronunciamento elaborado por Amyra El Khalili e Eduardo Felício Elias e encaminhado por Claude Fahd Hajjar ao Primeiro Congresso Fearab América-Liga de Estados Árabes, realizado no Cairo, Egito, entre 10 e 12 de julho deste ano. Esperamos que sirvam de ponto de partida para um amplo debate sobre o futuro deste nosso planeta.
(Por Amyra El Khalili, Envolverde, 10/10/2006)
http://www.jornaldomeioambiente.com.br/JMA-index_noticias.asp?id=11351

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