Cidade argentina se prepara para receber cientistas que estudarão o Pólo Sul
2006-10-10
Às vésperas do Ano Polar Internacional, um acontecimento científico mundial criado para aumentar o conhecimento sobre os pólos, a capital da província argentina da Terra do Fogo, Ushuaia, se prepara para ser a principal via de entrada na Antártida. Desde o dia 28 de fevereiro, um relógio virtual marca, nessa cidade, a contagem regressiva para o Ano Polar, na verdade um biênio que acontecerá entre 1º de março de 2007 e 1º de março de 2009, buscando colocar as esquecidas regiões polares no centro da atenção. Em Ushuaia, a Cordilheira dos Andes se despede em pequenas ilhas, até se perder no Oceano Atlântico.
“O slogan de Ushuaia como o fim do mundo é bom para o turismo, mas na verdade somos parte da comunidade circumpolar e principal porta de entrada para a Antártida”, disse ao Terramérica Daniel Leguizamón, secretário-executivo da Comissão Organizadora do Ano Polar Internacional na Terra do Fogo, financiada exclusivamente pelo governo dessa província. “Para uma população – de 54 mil pessoas – formada por imigrantes de outras regiões do país, é difícil pensar que existe algo mais abaixo, mas estamos a três mil quilômetros de Buenos Aires e a apenas mil quilômetros da Antártida”, ressaltou.
“Noventa e dois por cento dos turistas do mundo que vão à Antártida partem daqui”, acrescentou Leguizamón, e os guias dos cruzeiros já foram treinados para divulgar a importância do Ano Polar. A Comissão que preside está integrada por funcionários governamentais, empresários, cientistas, comerciantes, ambientalistas, educadores e guias turísticos. Trabalham há meses para promover este acontecimento. O Ano Polar consiste em uma campanha mundial de pesquisas e observações nos pólos, organizada pelo Conselho Internacional de Ciência e pela Organização Meteorológica Mundial. Estima-se que envolva cerca de dez mil pesquisadores de 50 países, entre eles Brasil, Argentina, Austrália, China, Nova Zelândia e Uruguai.
O objetivo é conhecer o atual estado ambiental nas regiões polares, medir mudanças nessas áreas tão sensíveis ao aquecimento global, melhorar observatórios, aumentar o conhecimento sobre a interação entre os pólos e o planeta, e pesquisar processos históricos sustentáveis em sociedades circumpolares. Os organizadores querem multiplicar o saber sobre essas regiões e sensibilizar a opinião pública e os tomadores de decisão sobre a importância destes ecossistemas para a vida no planeta. “Esperamos ampliar nossos conhecimentos com projetos novos, originais, e deixar como legado novas bases de observação”, disse ao Terramérica Sergio Santillana, coordenador científico do Instituto Antártico Argentino.
Segundo este centro, a Argentina é o país latino-americano que mais projetos apresentou à comissão internacional e o que teve mais projetos aceitos. Um deles, que será realizado em cooperação com os Estados Unidos, é o monitoramento de um bloco que está na barreira de gelo Larsen. Foi instalada uma câmara e uma estação meteorológica que se perderão na medida em que o bloco se desprender, migrar para o Norte e ir se derretendo. "Essa simulação vai permitir a elaboração de modelos do que pode ocorrer na Antártida se a temperatura global continuar aumentando. A Argentina é o país mais próximo da região polar e é aqui onde serão sentidas as primeiras conseqüências da mudança climática”, afirmou Santillana.
O especialista disse que as mudanças não serão necessariamente desastrosas, e enfatizou que será preciso se adaptar. “No Pólo Norte, com o degelo completo previsto para dentro de 50 anos, podem surgir novas rotas comerciais; no Sul mudarão as correntes, que ficarão mais doces com o derretimento, o que trará modificações nas cadeias alimentares”, adiantou. Os cientistas locais do Centro Austral de Pesquisas Científicas (Cadic) e do Instituto Antártico realizam múltiplos projetos de pesquisa na Antártida e estarão envolvidos em, pelo menos, 30 programas para o Ano Polar, a maioria em cooperação com outros países. Além do que foi mencionado por Santillana, estão previstas observações da camada de ozônio, censos para medir o impacto do aumento da temperatura na fauna marinha e estudos sobre a função dos blocos como depósitos de carbono.
Este Ano Polar será o quarto Ano Polar desde o final do século XIX. O primeiro foi entre 1882 e 1883. Para o segundo foi preciso esperar até 1932-33. O terceiro, entre 1957 e 1958, foi chamado Ano Geofísico Internacional e deu lugar à redação do Tratado Antártico (1959), que congelou reclamações de soberania e comprometeu os países na preservação desse continente. “Não sabemos quais conseqüências pode ter este novo Ano Polar, mas sem dúvida, elas existirão”, previu Santillana, aventurando a possibilidade de que esse Tratado, do qual a Argentina faz parte, seja revisado pelos signatários.
Ushuaia busca ser a ante-sala das campanhas, uma função que no momento está concentrada no porto chileno de Punta Arenas, mais distante da Antártida. “Queremos ser um elo para cientistas de todo o mundo”, disse Leguizamón. Isso significa colocar a logística à disposição dos pesquisadores: aeroporto, portos, depósitos, quebra-gelos, combustíveis, guias treinados para se orientar no gelo, equipamentos para se movimentar na neve, ferramentas, roupa polar e víveres. “O Ano Polar precisa de um ponto de apoio em Ushuaia e nós queremos ser parte dele. É uma atividade que reforça nossa identidade como comunidade polar”, afirmou Leguizamón.
(Por Marcela Valente, Terramérica, 09/10/2006)
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