Europeus consomem alimentos altamente tóxicos, segundo estudo da WWF
2006-10-10
Os alimentos consumidos diariamente em sete países europeus contêm substâncias muito tóxicas, afirma um estudo realizado durante dez anos pela filial italiana do Fundo Mundial para a Natureza (WWF). A pesquisa descobriu as mesmas substâncias contaminantes em animais e em três gerações de 13 famílias, em 18 personalidades e em 14 editores de revistas que participaram e foram analisados no estudo.
A carne bovina, os pescados e os queijos foram os alimentos mais contaminados, com mais de 60 substâncias tóxicas entre 107 de origem industrial investigadas na Grã-Bretanha, Finlândia, Suécia, Polônia, Itália, Espanha e Grécia. Compostos usados na indústria do plástico, a eletrônica e a cosmética, entre outras, são o motivo do alarme. Segundo o estudo Cahin of Contamination – The Food Link (Cadeia de contaminação – o vínculo alimentar), divulgado no dia 21 de setembro pelo WWF Itália, a proporção de contaminantes varia entre 0,1 e 10 nanogramas por grama de alimento. Um nanograma representa a milionésima parte de um grama.
“Estamos expostos a graus baixos de contaminação. Mas essas substâncias são acumulativas. E também há o efeito coquetel, pois juntas podem potencializar sua capacidade tóxica. Por isso defendemos um uso mais sustentável destes produtos”, explicou a bióloga Eva Alessi, coordenadora cientifica da campanha Detox da WWF Itália. Substâncias proibidas há mais de 20 anos na Europa foram encontradas em várias crianças estudadas, que apresentaram mais contaminantes do que suas mães.
“Esse estudo é inédito, porque pela primeira vez são investigadas três gerações de uma mesma família”, destacou Alessi, uma das participantes do IV Fórum Internacional para Jornalistas sobre a Proteção da Natureza, organizado dela Associação Cultural Greenaccord, em Monte Porzio Catone, próxima de Roma, entre quarta-feira passada e sábado. O principal objetivo do estudo é pressionar o Parlamento Europeu, que deve votar em breve uma legislação sobre Registro, Avaliação e Autorização de Químicos (Reach, sigla em inglês), para criar um sistema de informação sobre substâncias químicas no bloco e estabelecer um mecanismo rígido de controle e segurança.
Atualmente, estão em uso na Europa 30 mil substâncias químicas, das cem mil disponíveis para uso comercial. Apenas desde 1981 foram obrigatórios os testes de toxidade. Segundo Alessi, a maioria destes compostos foi lançada no mercado antes dessa data sem uma avaliação de seus riscos para a saúde humana e o meio ambiente. Além de serem neurotóxicas, algumas destas substâncias podem causar danos no sistema endócrino, afetando a função reprodutiva. No organismo, imitam os hormônios, que são mensageiros químicos naturais, e alteram sua produção.
Em 2003, disse Alessi, foi encontrado no Mediterrâneo um peixe-espada macho com características sexuais femininas. A contaminação não tem fronteiras. Animais contaminados – ursos polares, leões marinhos, baleias e pássaros – já foram encontrados por ambientalistas no oceano Ártico, onde não há fontes de emissão dessas substâncias. Os ftalatos espécie de compostos usados para flexibilizar os plásticos, são considerados responsáveis por danos ao sistema reprodutor masculino, como a redução da quantidade de esperma. Produtos usados na indústria cosmética, como os almiscares artificiais, e os perfluorocarbonos das panelas com teflon também afetam a saúde.
As substâncias inflamáveis usadas para fabricar aparelhos eletrônicos, teres de prolibromobifenilos (PBDE), são motivo de grande preocupação, disse Alessi. Dos três tipos existentes deste grupo de compostos – conhecidos com Octa e Penta BDE – já são proibidos na Europa. Mas o Deca BDE ainda está em uso. A ecologista assegura que hoje há soluções menos tóxicas. Além disso, é preciso mais controle dos biocidas aplicados aos cascos dos navios, Comissão Européia o tributilo de estano, ou TBT, pois causam enorme dano ambiental e acabam contaminando a fauna marinha.
Todos estes compostos não se degradam facilmente e têm uma vida longa nos tecidos orgânicos. Seu potencial de bioacúmulo (de persistir em organismos vivos) depende das propriedades de cada substância e de fatores ambientais e bióticos desses organismos, como idade, quantidade de gordura, metabolismo e a posição na cadeia alimentar. Segundo Alessi, uma alimentação rica em frutas e verduras ajuda a reduzir os efeitos nocivos dos contaminantes químicos alojados em outros alimentos e até nos utensílios domésticos, na roupa, nos cosméticos, nos produtos de limpeza e nas tinturas. Além disso, recomenda-se consumir alimentos orgânicos, cultivados sem agrotóxicos.
Enquanto os europeus se preocupam cada vez mais com a qualidade dos alimentos que consomem, os países em desenvolvimento aumentam de modo incessante o uso de pesticidas e fertilizantes químicos em seus cultivos. Para a colheita 2003-2004, os países em desenvolvimento aplicaram 98,4 milhões de toneladas de fertilizantes químicos. No mesmo período, as nações ricas usaram menos da metade: 44,2 milhões de toneladas. Em 1997-98, os volumes foram, respectivamente, 83 milhões e 54 milhões. Segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), os países industriais usavam uma média de 1,55 quilos de pesticidas por hectare entre 1998 e 2000, o que representou redução de 8,5$ na comparação com a quantidade média aplicada entre 1989 e 1991.
Por outro lado, nas nações em desenvolvimento era usado 1,02 quilos por hectare entre 1998 e 2000, o que significou aumento de 25% em relação às quantidades aplicadas dez anos antes. Além disso, os produtos menos tóxicos são os mais caros, e, portanto, os menos usados nos países pobres. Esses dados foram apresentados no Fórum pela diretora do Programa de Agricultura, Alimentação e Ambiente da norte-americana Tufts University, Kathleen Merrigan. A pesquisadora afirmou que três quartos das frutas e verduras consumidas pelas crianças nos Estados Unidos contêm restos de agrotóxicos. O interesse pela agricultura orgânica aumenta continuamente nesse país. As vendas destes alimentos cresceram cerca de 20% na última década. É o setor agrícola que mais cresce, apesar de apenas 2,7% dos produtores participarem deste tipo de produção, afirmou.
“Os cultivos orgânicos podem produzir mais do que os convencionais. Mas precisam de 12 a 15 anos para atingir uma boa produtividade, segundo novos estudos feitos nos Estados Unidos. Não podemos comparar uma plantação onde se usa químicos com outra orgânica.”, disse Merrigan. Em sua opinião, a humanidade está diante de uma encruzilhada. Ou continua o caminho da chamada revolução verde, brincando com substâncias químicas tóxicas nos alimentos, ou toma o da nova revolução orgânica. Os cultivos sem venenos, e sem organismos geneticamente modificados, têm todas as condições técnicas para alimentar o mundo, concluiu Merrigan.
(Por Roberto Villar Belmonte, Envolverde, 09/10/2006)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=23284&edt=1