O Juiz da Vara Ambiental Federal de Porto Alegre, Cândido Alfredo Silva Leal Júnior,
concedeu liminar, no último dia 21/09, para determinar que a Quinta da Estância Grande,
localizada em Viamão, RS, deixasse imediatamente de realizar aulas de anatomia dirigidas a
crianças que colocavam suas mãos nas víceras de animais mortos.
A Ação Civil Pública foi proposta à Justiça Federal pelos Advogados Renata Fortes e Ricardo
Ahanásio Felinto de Oliveira representando as entidades sem fins lucrativos União pela Vida
e Movimento Gaúcho de Defesa Animal.
Foi pedido também a ação tramitasse em segredo de justiça, o que foi negado pelo magistrado,
e que a empresa deixasse de utilizar irregularmente de animais da fauna silvestre nativa e
exótica nas suas atividades.
A empresa, com sede em Viamão, no Rio Grande do Sul, recebe alunos da etapa infantil,
empresas, e outros interessados, para horas de lazer rural e educação ambiental. Segundo o
saite do empreendimento, "a Quinta da Estância Grande é uma ferramenta indispensável que as
escolas devem utilizar de março a dezembro, para realização de aulas práticas, observação e
contato com o meio ambiente e natureza preservada, além da realização de atividades de lazer
imperdíveis." Também afirma que "os laboratórios das escolas não conseguem experienciar, na
prática, todos os conteúdos que os alunos estudam na teoria, em sala de aula."
Afirma o endereço oficial na Internet também que "a Fazenda criou condições ideais que
permitem aos alunos vivenciarem estes conteúdos, com ganhos qualitativos e quantitativos,
comprovados em serviços voltados à educação desde 1992."
O endereço é
www.quinta-da-estancia.com.br . O conteúdo, bem completo, foi recentemente
modificado para excluir fotografias de crianças com luvas cirúrgicas mexendo nas partes
internas de porcos e outros animais. As fotos inicialmente divulgadas foram utilizados pelas
entidades no processo e acessadas na internet pelo magistrado que concedeu a liminar.
Procurada pela EcoAgência nesta quarta-feira (04/10), a Quinta da Estância, através do sócio
Lucas Goelzer, afirmou que "temos criação de animais de fazendas, que são abatidos com o
objetivo de consumo, como qualquer fazenda em que animais são aproveitados para alimentar
outros"
Afirmou que nunca fizeram vivisecção, que se constitui, segundo o dicionário Aurélio, em
"operação feita em animais vivos para estudo de fenômenos fisiológicos" e de prática
proibida em escolas para crianças e jovens. Para alunos da 7ª série, era aproveitado um
porco abatido anteriormente cuja carne seria destinada para os animais do Criatório
Conservacionista, diz Lucas, fazendo questão de chamar a função de conter animais silvestres
pelo nome técnico dado à atividade licenciada pelo Ibama.
Os alunos tinham acesso às víceras, e recebiam explicações da médica veterinária comparando
os órgãos, tecidos e membros com os do corpo humano. A atividade é de dissecação, afirma.
Para a criançada da 6ª série, registra Lucas, eram utilizadas galinhas, peixes, e coelhos,
já mortos e também criados para alimentação de outros animais, relacionando-se as suas
partes com as respectivas funções orgânicas. O sócio estranha que as duas entidades tenham
proposto a ação sem conhecer o empreendimento, que é "exemplar para a educação ambiental".
Desde a última sexta-feira (29/09), as atividades deixaram de ser oferecidas às escolas, em
obediência à decisão judicial. A maioria dos escolares que visitam o local não vivenciaram a
atividade.
Nas próximas horas, a empresa entregará à Justiça um pedido de reconsideração da decisão,
por meio de petição dos advogados Fernando Baum Salomom, Luisa Falkenberg e Andréia Netto
Morais. No documento, juntam a lista das aulas de anatomia comparada realizadas nos últimos
12 meses e dos nomes dos respectivos responsáveis. E solicitam a inspeção no local do
próprio Juiz Federal "para que reste claro as atividades da instituição dentro do contexto
em que as desenvolve".
Falou o Ibama
O juiz Cândido terminou na liminar ao IBAMA que realizasse a fiscalização do local diante
do alegado uso irregular de animais silvestres. Em 27/9, os procuradores do Órgão
encaminharam o Relatório de Vistoria e uma manifestação do chefe do Núcleo de Fauna, Mário
Tischer.
O servidor adjetivou as atividades do Criadouro Conservacionista Quinta da Estância como
"valorosos, de qualidade e de presteza na manutenção de animais silvestres oriundos de
apreensões de órgãos responsáveis pela fiscalização da fauna, a exemplo deste IBAMA, Polícia
Ambiental e Prefeituras da Região". Estendeu a sua resposta à intimação da Justiça
informando que "o Criadouro em questão possui corpo técnico mais do que capacitado no manejo
da fauna silvestre tais como biólogos, veterinários, muitos com especialização, mestrado ou
doutorado". A documentação relativa ao plantel está em dia.
O Criadouro, segundo o Ibama, foi um dos primeiros a se registrarem no Estado, em 1994, e
todos os animais constantes do plantel possuem origem definida e são de conhecimento do
órgão. No local, há tucanos e outros pássaros, tartarugas e jabutis, iguana, gato do mato,
Hárpia, carcarás, catetos, emas, tachãs e 8 capivaras, todos em boas condições de saúde.
No momento da vistoria, em 25/9, destaca o chefe Tischer, "o Ibama não detectou indícios ou
fatos daqueles contidos na Ação Civil Pública". E concluiu: as supostas atividades de
anatomia, que estariam sendo realizadas no local ´Quinta da Estância´, podem tratar-se,
provavelmente, de eventos não correspondentes ao Criadouro Conservacionista, devendo ser,
salvo melhor juízo, investigados, talvez, pelo Ministério da Educação ou pelo Conselho
Regional de Medicina Veterinária.
A decisão
Proferida sem as informações oferecidas pela empresa ou pelo Ibama, na decisão liminar, o
juiz Cândido considerou, em 21/9, que, "não parece social e cientificamente tolerável que
crianças e adolescentes possam participar dessa espécie de ´programa pedagógico´". A
respeito das fotos publicadas no saite da Estância da Internet, em que apareciam crianças
mexando nas vísceras de animais, afirmou o magistrado que "não é preciso ser pai ou educador
para saber que alguma coisa parece errada naquela foto em que três crianças de pouca idade
mostram expressão de satisfação e deleite pelo fato de, com luvas cirúrgicas, estarem
"mexendo" nas vísceras de um animal sacrificado".
E continua: "esse Juízo não sabe que explicação será dada àquelas fotos e às demais práticas
de ´anatomia comparada´ para crianças em idade escolar (...), mas até que essa explicação
seja dada parece prudente, muito prudente, impedir que essas práticas sejam repetidas e
realizadas diante de crianças e adolescentes que, a título de buscarem conhecimento
"ecológico", acabam se "deliciando" com os prazeres de tocar e manipular vísceras de animais
sacrificados, mesmo que esses animais tenham sido criados e preparados para essa
finalidade".
Para a íntegra da decisão judicial, consulte
aqui.
Nos próximos dias, o processo voltará novamente às mãos do magistrado para avaliar as
informações juntadas, pedidos e novos argumentos manejados pela empresa e pelo Ibama.
(Por João Batista Santafé Aguiar, Ecoagência, 04/10/2006)
http://www.ecoagencia.com.br/index.php?optionfiltered=content&task=view&id=1867&Itemid=2