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2006-10-05
A agricultura familiar não está desaparecendo na América Latina, mas está mais vulnerável e exige dos governos políticas para sua inclusão econômica e social, afirmaram especialistas e agricultores durante seminário organizado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) na capital chilena. A renda gerada pelos agricultores que trabalham por conta própria se deteriorara ostensivamente entre 1990 e 2003 na maioria dos países da região, com exceção do Chile, que apresentou leve progresso, afirmou Martine Dirven, especialista da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).

Dirven, chefe de Desenvolvimento Agrícola da Cepal, foi uma das principais expositoras do seminário internacional “Desafios para enfrentar o presente e o futuro da agricultura familiar camponesa”, organizado pelo Escritório Regional da FAO e patrocinada pelo Grupo Interagências de Desenvolvimento Rural, que termina hoje. “No Chile, em média, um agricultor por contra própria ganha, mais ou menos cinco vezes acima da linha de pobreza, enquanto em outros países muitos estão em torno da linha de pobreza”, disse à IPS.

Apesar de não existir no mundo consenso sobre a definição de agricultura familiar camponesa, predomina o enfoque do Banco Mundial, que em 2003 determinou que se tratava de pequenas explorações de menos de dois hectares cultivados e escassa base de ativos. A Cepal acrescenta a este conceito a existência de trabalho por conta própria e de familiares não remunerados. No plano mundial, há 525 milhões de explorações agrícolas, 85% correspondendo a terrenos com menos de dois hectares. Na América Latina, a agricultura familiar camponesa representa, em média, 63% do total das explorações agrícolas. No Equador, 91% das 843 mil propriedades agropecuárias correspondem a este setor, e no peru chega a 80% de um total de 1,6 milhão.

“A agricultura familiar camponesa não está desaparecendo, mas muitos jovens estão migrando para as cidades. Temos uma agricultura por conta própria envelhecida, o que também ocorre no Chile”, afirmou Dirven. Este cenário obriga os países a trabalharem diretamente com os produtores e suas organizações. A especialista sugere incentivar os “filhos, netos e sobrinhos” dos agricultores a continuarem trabalhando, evitando que “a propriedade seja abandonada ou herdada aos 60 anos, especialmente se queremos ver um desenvolvimento dinâmico da agricultura familiar e uma manutenção dos valores do campo”.

Rigoberto Turra, representante da Corporação Movimento Unitário Camponês e Etnias do Chile (Muchech), disse em sua apresentação que em um congresso internacional realizado por organizações camponesas e indígenas há um mês chegou-se à conclusão de que os únicos países que desenvolvem políticas para este setor são Brasil e Chile. Porém, Turra criticou o impacto que tem nos pequenos produtores agrícolas os Tratados de Livre Comércio (TLC) assinados até agora pelo Chile, e lembrou que não tem sido fácil para eles “enfrentar a globalização dos mercados. É necessário um novo tratamento, uma política diferenciada’, que ative “o potencial econômico, social, cultural e territorial desse setor tão relevante para o desenvolvimento do país”, afirmou o representante do Mucech.

“Hoje é muito mais difícil fazer políticas diferenciadas, programas de subsídios creditícios e de apoio ou assistência técnica, porque os pequenos camponeses já não requerem acesso a sementes ou fertilizantes, mas a computadores, Internet. A demanda se tornou mais complexa e muito mais distante das capacidades dos Estados nacionais”, disse à IPS Jose Graziano da Silva, representante regional da FAO. O seminário centrou sua atenção no caso chileno, já que a Política Agroalimentar e Florestal do Chile até 2010 contempla “apoiar decididamente um desenvolvimento inclusive da agricultura familiar camponesa e sua articulação produtiva e de gestão com as cadeias agro-exportadoras e os mercados nacionais”.

Entretanto, a ênfase não está somente no contexto econômico e produtivo, mas também no desenvolvimento social e cultura deste setor, pensando na preservação da identidade nacional. O ministro da Agricultura do Chile, Álvaro Rojas, recordou em sua apresentação que a presidente Michelle Bachelet divulgou em agosto o Programa de Desenvolvimento para a Competitividade da Agricultura Familiar Camponesa 2006-2010. Os eixos desta iniciativa são melhoria na articulação dos mercados, alianças estratégicas e encadeamentos produtivos, qualidade e diferenciação de produtos e serviços camponeses, e renovação, aperfeiçoamento e especialização de competências e habilidades.

Além disso, se contempla uma nova plataforma de financiamento (reprogramação de dívidas), empreendimento e inovação em grupos e territórios especiais; melhoria da base de recursos produtivos e modernização institucional e simplificação de procedimentos. “As medidas tomadas pelo governo de Bachelet podem ser um bom modelo para os demais países”, disse à IPS Marta Mauras, secretária da Cepal. O principal problema da agricultura familiar chilena é o endividamento, o que se resolverá com medidas anunciadas pela presidente, disse Rojas à IPS. Tanto no Chile quanto nos demais países da América Latina, os custos de transação são uma das maiores dificuldades dos pequenos agricultores.

“O que cabe agora é fazer um plano em cada região do país para ir somando novos agricultores aos encadeamentos produtivos regionais (milho, leite, carne, vinhos) e progressivamente ir somando sua capacidade produtiva ao que é a estratégia nacional”, afirmou Rojas. Além disso, o ministro disse à IPS que Bachelet anunciará nesta quarta-feira a criação de uma comissão público-privada, de caráter permanente, com a missão de “criar espaços de reflexão, supervisão e monitoramento do avanço de nosso grande objetivo que é converter o Chile em uma potencia agroalimentar”. Por outro lado, Rojas afirmou que “é possível que os pequenos agricultores (especialmente de milho e de raps, ou colza) tenham um espaço produtivo relevante no desenvolvimento de biocombustível com o etanol ou biodiesel”.

Nesse aspecto, Graziano afirmou que “canalizar os excedentes presentes em muitos cultivos como, soja e beterraba açucareira, para a produção de biocombustíveis, seria uma saída importante (para as produções dos agricultores familiares) da região”. O especialista garantiu à IPS que o futuro da agricultura familiar depende de três fatores: o papel do Estado, a capacidade das organizações camponesas de atuar e intervir nas políticas públicas e a concretização dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, especialmente o de abater pela metade a população que passa fome no mundo.
(Por Daniela Estrada, Envolverde, 04/10/2006)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=23149&edt=1

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