Contra o efeito estufa é possível resfriar o planeta por meios artificiais, mas tecnologia ainda é perigosa
2006-10-04
A concentração em gás carbônico (CO2) na atmosfera passou de 280 partes por milhão (ppm) antes da era industrial, para 380 ppm atualmente. Ela deverá se situar entre 540 ppm e 970 ppm daqui a 2100. Já, a temperatura média aumentou em 0,8 ºC no decorrer do século passado, sendo que um aumento de 0,6ºC foi registrado ao longo das três últimas décadas, segundo o Goddard Institute for Space Studies da NASA (dados disponíveis na Internet, no site do Departamento de geo-engenharia da universidade de Berkeley, http://ce.berkeley.edu/geo ).
Para o climatólogo Edouard Bard, existem meios paliativos para remediar a um aquecimento excessivo do Planeta, mas todos eles comportam efeitos colaterais perigosos. A seguir, trechos da entrevista com este especialista.
Le Monde - Para enfrentar o aquecimento do planeta, vários climatólogos estão falando em "resfriar" artificialmente a Terra. Essa proposta é séria?
Edouard Bard - Sim, infelizmente. Várias hipóteses estão sendo consideradas. Algumas delas situam-se no plano da futurologia. É o caso do projeto que consiste em enviar um imenso espelho entre a Terra e o Sol - muito além da órbita lunar. Isso equivaleria a acrescentar uma mancha solar e a diminuir a iluminação da Terra.
Outras propostas são menos futuristas. É o caso das experiências de fertilização dos oceanos com partículas de ferro: este nutrimento favorece a fotossíntese - e, portanto, a absorção de carbono - pelo fito plâncton. Isso terá por efeito de diminuir a concentração de gás carbônico responsável pelo efeito estufa.
Além disso, outros especialistas planejam injetar partículas muito pequenas ou aerossóis na alta atmosfera para que elas reflitam uma parte da irradiação solar. Teoricamente, isso provocaria uma queda das temperaturas médias... Mesmo se na realidade, as coisas são nitidamente mais complicadas.
Le Monde - A tentação de modificar intencionalmente o clima chega a ser uma nova tendência?
Edouard Bard - Não. Esta disciplina é chamada de "geo-engenharia". Mas este campo de pesquisas permaneceu por muito tempo um tabu no contexto da comunidade científica, por uma razão simples: o perigo que consiste em difundir a idéia junto aos políticos, aos industriais e ao público de que bastaria implementar tais dispositivos para remediar ao aquecimento da Terra. Isso introduz a idéia, fajuta, de que é possível continuar a injetar sem moderação carbono na atmosfera terrestre. Ora, esses dispositivos de geo-engenharia só poderiam constituir um derradeiro recurso, em caso de agravamento brutal e imprevisto da situação climática.
No entanto, alguns climatólogos estimam que, daqui para frente, é preciso deixar de lado o tabu para começar a trabalhar numa tal eventualidade. Isso com o objetivo de avaliar os inúmeros riscos e incertezas, e, sobretudo de evitar que todos acreditem que se trata de uma solução milagrosa.
Le Monde - Qual seria a solução a mais plausível para se obter um resfriamento global?
Edouard Bard - O dispositivo do qual mais se fala já é conhecido há várias décadas, mas ele foi retomado recentemente por Paul Crutzen, Prêmio Nobel de química pelos seus estudos sobre o ozônio. Com ajuda de balões, por exemplo, tratar-se-ia de injetar na estratosfera dióxido de enxofre, o qual se transformaria então em minúsculas partículas de sulfato. Esses aerossóis refletiriam então parcialmente os raios solares durante alguns anos.
As conseqüências de um tal efeito de biombo puderam ser estudadas a partir dos efeitos provocados por grandes erupções vulcânicas - tais como as do El Chichon [no México] em 1982 e do monte Pinatubo [nas Filipinas] em 1991. Esses vulcões expeliram dióxido de enxofre que se transformou num conjunto de nuvens de aerossóis. Para o Pinatubo, este filtro provoca uma diminuição média das temperaturas no solo de cerca de 0,5 °C durante dois anos. Mas é preciso avaliar esses efeitos com muita cautela: este número não reflete a complexidade dos fenômenos perturbados.
Le Monde - Quais são os riscos que existem por traz dessas soluções?
Edouard Bard - No verão que se seguiu à erupção do Pinatubo, um resfriamento foi observado em quase todas as regiões do mundo. No inverno seguinte, outros casos de resfriamento muito acentuado foram constatados, entre outros no mar do Labrador, no Oriente Médio e na África do Norte. Enquanto isso, paradoxalmente, foi observado um aquecimento na Europa do Norte...! Diante disso, dá para imaginar a intensa atividade diplomática que deveria ser necessariamente desenvolvida antes da implementação de tais soluções.
Le Monde - Esses efeitos colaterais não controlados chegaram a ser explicados?
Edouard Bard - A injeção de aerossóis perturbaria um fenômeno natural chamado de oscilação ártica, o que provocaria aquecimentos locais no inverno em certas regiões, enquanto o resfriamento se concentraria em outras. Assim, durante o inverno que se seguiu à erupção do Pinatubo, a redução importante das temperaturas no mar Vermelho provocou uma mistura das águas de superfície e uma subida de elementos nutritivos. O resultado foi uma proliferação de algas, as quais asfixiaram os recifes coralinos. Outros efeitos sobre o crescimento das plantas terrestres também foram detectados em escala mundial.
Com tais dispositivos de geo-engenharia globais, o que está em jogo não é apenas a atmosfera terrestre, e sim o sistema climático como um todo, o qual constitui um gigantesco jogo de dominós de uma grande complexidade. Prever e avaliar os efeitos colaterais em escala mundial requer, acima de tudo, um trabalho científico considerável que envolverá a participação de climatólogos, oceanógrafos, geólogos, astrônomos, biólogos, agrônomos, etc.
Le Monde - Uma outra solução chegou a ser aventada: semear os oceanos com partículas de ferro, de modo a permitir que o fito plâncton possa "bombear" o CO2 - dióxido de carbono - excedente?
Edouard Bard - Nos últimos anos, foram conduzidas experiências pontuais no Oceano austral, no Pacífico equatorial e no Pacífico norte. As imagens que foram obtidas por satélites mostram que a injeção de ferro aumenta efetivamente a produção de clorofila. Mas aqui, mais uma vez, nada é simples. Para que isso seja eficaz, não basta apenas que o fito plâncton absorva grandes quantidades de carbono. É preciso também que este vá para o fundo dos oceanos para que ele possa ser armazenado de maneira duradoura... Não se sabe se este é realmente o caso, ou se, ao contrário, por causa de outros mecanismos, ele retorna rapidamente na atmosfera.
Além disso, mesmo se esta solução pode parecer menos arriscada, é difícil avaliar as conseqüências em cadeia de uma tal manipulação em grande escala. Vamos imaginar a situação: o carbono absorvido é efetivamente transferido para o oceano profundo. Uma parte desta matéria orgânica vai logicamente oxidar-se neste ambiente, consumindo o oxigênio dissolvido na água do mar. O que pode ocorrer então é a formação de zonas anóxicas, isto é, desprovidas de oxigênio, em certas regiões do oceano. Neste caso, apareceriam então bactérias capazes de deteriorar os nitratos, o que produziria um gás, o protóxido de nitrogênio (N2O), que seria finalmente liberado na atmosfera. Este fenômeno teria conseqüências potencialmente desastrosas para o meio-ambiente, isso porque este gás produz um efeito estufa bem mais poderoso que o do CO2.
Le Monde - Mesmo reticentes, muitos são os climatólogos que já estão prevendo a derrota e acreditam que tais procedimentos serão implementados. Qual é a sua opinião a este respeito?
Edouard Bard - Veja como funciona atualmente a diplomacia climática. Dentre os meus colegas de profissão, muitos são os que se tornaram pessimistas em relação à eficiência das medidas de redução das emissões. Até mesmo na Europa, a vontade de desenvolver, rapidamente e em grande escala, alternativas ao petróleo e ao carvão é reduzida. Os industriais e os políticos estão com as cartas nas mãos. Caso o Norte não mudar sua atitude em relação ao clima, temo efetivamente que sejam muito grandes as chances para que cheguemos a tais extremidades, daqui a algumas décadas.
(Por Stéphane Foucart, Lê Monde, 03/10/2006)
http://diplo.uol.com.br/2003-01,a1282