Prostituição, tráfico de pessoas, pobreza e aids: saldo social de dois megaprojetos de petróleo e gás na Ásia
2006-10-04
Prostituição, tráfico de pessoas, pobreza e aids são o saldo social de dois megaprojetos de petróleo e gás nas zonas da Ásia onde estes são desenvolvidos, afirma uma pesquisa feita por organizações não-governamentais. As causas estão no reassentamento de trabalhadores, principalmente homens estrangeiros, que trabalham na construção de tubulações e outras instalações, além das débeis ou inexistentes políticas de gênero.
Problemas como este foram encontrados em dois dos maiores projetos mundiais de exploração e distribuição de hidrocarbonetos: o oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan (BTC), com custo de US$ 3,2 bilhões e que passa por Azerbaijão, Geórgia e Turquia; e o projeto gasífero e petrolífero Sakhalin II, de US$ 20 bilhões, na ilha de mesmo nome situada no extremo leste da Rússia, no Oceano Pacífico. Ambos são dirigidos por dois gigantes internacionais do petróleo e financiados em parte por bancos públicos multilaterais, dominós por nações industrializadas ávidas por combustíveis e energia.
O braço do Banco Mundial que atende ao setor privado, a Corporação Financeira Internacional, apoiou os dois projetos. O Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento (Berd), financiou o BTC com empréstimo público de US$ 250 milhões. E está terminando de tomar uma decisão final em matéria de financiamento sobre o controvertido Sakhalin II. A anglo-holandesa Shell lidera o consórcio que explora este projeto, enquanto a gigante britânica British Petroleum constrói as tubulações do BTC para transportar petróleo desde o Mar Cáspio até o Mediterrâneo.
O oleoduto da BTC terá cerca de 1,8 mil quilômetros, desde o terminal de Sangachal, próximo de Baku, capital do Azerbaijão, passando pela Geórgia, até o porto turco de Ceyhan, no Mediterrâneo. Sakhalin II ampliará a extração de petróleo e gás da plataforma submarina da ilha russa. Prevê-se que a produção comece em 2008, e 60% irão para o mercado japonês. O informe “Boom time blues: Big oil’s gender impactis in Azerbaijan, Georgia and Sakhalin” (Blues de tempos de auge: Impactos de gênero do petróleo no Azerbaijão, Geórgia e Sakhalin), apresentado no dia 22 de setembro, argumenta que os projetos geram uma carga social enorme, além de pobreza, para as comunidades locais, particularmente para as mulheres, na medida em que uma força de trabalho de homens estrangeiros é assentada nessas áreas.
Os megaprojetos da Shell e British Petroleum também causam degradação ambiental, perda de terras e prejuízos na infra-estrutura comunitária, segundo o informe da organização não-governamental CEE Bankwatch Network (Rede de Controle do Banco Multilateral Europeu) e Gender Action, organização com sede em Washington. O estudo se baseou em missões de investigação enviadas pela CEE Bankwatch Network ao Azerbaijão, à Geórgia e Sakhalin no começo deste ano, em uma análise das informações existentes de ONGs locais e de grupos de ativistas, e em uma pesquisa e avaliação dos dois projetos do ponto de vista dos problemas de gênero, a cargo da Gender Action.
No caso do projeto russo, as ONGs afirmaram que produziu bem menos oportunidades de trabalho para mulheres da região do que o prometido inicialmente, e a maior quantidade desses postos de trabalho era para fornecimento de alimentos e serviços de limpeza. As condições de trabalho das mulheres contratadas para essas tarefas freqüentemente são consideradas inaceitáveis pelos moradores da região, pois representam horários muito longos. Como muitos dos trabalhadores do projeto procedem de países “diferentes”, trouxeram consigo doenças igualmente “diferentes”, como a tuberculose, que no passado não eram encontradas na região, segundo o informe. O documento afirma que as mulheres estão envergonhadas e alarmadas pelos sinais de aumento da prostituição, e são vítimas de assédio sexual e de outros delitos por causa do contato entre os trabalhadores e as populações locais.
“Uma e outra vez na ilha ouvi comentários sobre o grande descontentamento a respeito do comportamento da Shell em relação ao ambiente local e os severos efeitos do projeto no tecido social de Sakhalin”, disse Fidanka Bacheva-McGrath, da filial checa da CEE Bankwatch Network, que fez investigações para o relatório. Os pedidos de esclarecimentos feitos pela IPS à British Petroleum, Corporação Financeira Internacional e ao Berd não foram respondidos. Segundo o informe, o projeto BTC não foi muito melhor. “Apesar dos compromissos dos patrocinadores do projeto e dos financiadores, este não ampliou o acesso das mulheres aos recursos naturais e a uma infra-estrutura melhor, não proporcionou emprego nem renda permanentes nem lhes deu mais poder para participar da tomada de decisões”, assinala.
O relatório revela que os direitos das mulheres, o tráfico sexual e a propagação da aids se converteram em importantes preocupações para as comunidades locais próximas ao oleoduto BTC. O documento inclui declarações do chefe de polícia de uma das regiões próximas ao BTC, segundo as quais o aumento do narcotráfico e da aids está diretamente vinculado com a prostituição causada pela obra. Durante a construção, chegaram muitos trabalhadores estrangeiros, bem como de outras regiões do país, para realizar serviços necessários a está população, com restaurantes e hotéis. Como resultado, o uso de drogas, a prostituição e o consumo de álcool aumentaram.
As organizações autoras do relatório o consideram mais uma evidência de que as instituições que apóiam estes projetos deveriam deixar de financiá-los ou, então, insistir para que cumpram os padrões sociais e ambientais mais rígidos, o que encontra resistência por parte das empresas devido ao seu custo maior. “Tanto o Berd quanto a Corporação Financeira Internacional fizeram vista grossa diante do aumento da prostituição, do tráfico de pessoas e da aids causado pelos dois projetos”, afirmou Elaine Zuckerman, da Gender Action.
Zuckerman disse que os financiadores públicos deveriam agir no sentido de frear o abuso contra as mulheres e incorporar melhores medidas de proteção em suas garantias de empréstimo. “Devem criar e, o que é mais importante, implementar políticas para impedir o tipo de impactos de gênero próprios dos grandes investimentos que estão fazendo”, disse à IPS. “Por um lado, os financiadores têm esses pequenos projetos que estão supostamente fornecendo serviços de cuidados com a saúde e, por outro, estão os planos de grande orçamento, como os oleodutos, que debilitam seus próprios objetivos em matéria de redução da pobreza e de serviços de saúde”, acrescentou.
Os bancos multilaterais não têm regras para respeitar as garantias básicas das mulheres, garantindo que cheguem até à administração social, o desenvolvimento comunitário e as consultas, e protegendo-as de violações de direitos humanos, diz o informe. Os críticos afirmam que projetos tão grandes tradicionalmente causam oportunidades de trabalho limitadas e de curto prazo, e que freqüentemente não conseguem dar o apoio prometido às comunidades locais ou no sentido de reduzir a pobreza.
(Por Emad Mekay, Envolverde, 03/10/2006)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=23093