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2006-10-04
Paula Brügger*

Segundo Paul Kingsnorth (2001), a produção de leite é uma das indústrias mais tristes. Quanto mais leite e laticínios consumimos, mais as vacas precisam produzir e o setor de produção intensiva as trata como máquinas de produzir leite para seres humanos.

De acordo com o grupo PETA (People for the Ethical Treatment of Animals), cerca de metade das vacas americanas vivem em fazendas de produção intensiva. Passam sua vida em alojamentos de concreto, ligadas a máquinas de ordenhar que não raro lhes dão choques elétricos. Mastite e infecções bacterianas, comuns em regimes intensivos, freqüentemente deixam resíduos de pus no leite que produzem.

Devido à alta demanda por leite, as vacas de hoje produzem o dobro do que produziam há 30 anos e até 100 vezes mais do que produziriam no estado natural. As vacas da década de 1990 viviam apenas cerca de cinco anos, em contraste com 20 a 25 anos de vida, há 50 anos atrás. Elas são entupidas com drogas e químicos para prevenir doenças e aumentar sua produtividade, incluindo o famoso hormônio de crescimento bovino.

Os bezerros, que são obrigadas a parir regularmente para estimular a produção de leite, são separados de suas mães em 24 horas, não tomarão seu leite e serão vendidos como carne. Em 60 dias, as vacas serão engravidadas de novo.

Peter Singer (2004) afirma que a indústria de produção de vitela é a atividade rural intensiva mais repugnante do ponto de vista moral. O termo vitela era reservado aos bezerrinhos abatidos antes do desmame. A carne desses animais muito jovens (macia e pálida porque não comem capim) provinha dos animais indesejados, do sexo masculino, descartados pela indústria leiteira.Um ou dois dias depois do nascimento eles eram levados para o mercado onde, famintos e assustados pelo ambiente estranho e pela ausência das mães, eram vendidos ao matadouro.

Na década de 1950 produtores holandeses encontraram uma forma de fazê-los atingir cerca de 200kg (em vez de cerca de 50kg que pesam os recém-nascidos) sem que sua carne se tornasse vermelha ou menos macia. Para tanto, os animais passaram a viver em condições extremamente antinaturais, confinados em baias de cerca de 56cm x 137cm. Quando pequenos, são acorrentados pelo pescoço para evitar que se virem. O compartimento não tem palha ou qualquer outro tipo de forro onde deitar-se (pois os animais poderiam comê-la, comprometendo a cor da carne). Sua dieta é líquida, baseada em leite em pó desnatado, vitaminas, sais minerais e medicações que promovem o crescimento.

Assim vivem durante cerca de quatro meses, até o abate. Nessa vida miserável,mal podem deitar-se ou levantar-se. Tampouco podem virar-se. Os bezerrinhos sentem uma falta imensa de suas mães. Também sentem falta de alguma coisa para sugar, uma necessidade tão forte quanto nos bebês humanos (quando se oferece um dedo ao bezerro, ele começa a chupá-lo como um bebê humano faz com seus polegares), mas desde o primeiro dia de confinamento bebem num balde de plástico. Distúrbios estomacais e digestivos são comuns e também a diarréia crônica.

O bezerro é mantido anêmico. A carne rosa, pálida, considerada uma iguaria, é na verdade uma carne anêmica. Para que cresçam rápido a maioria é deixada sem água, pois isso aumenta o consumo de seu substituto lácteo.

A monotonia é outra fonte de sofrimento. Para reduzir a agitação dos bezerros entediados, muitos produtores os deixam no escuro. Assim, os bezerros já carentes de afeição, atividade e estimulação que sua natureza requer, vêem-se privados do contato visual com outros também. Os bezerrinhos mantidos nesse regime são muito infelizes e pouco saudáveis. Isso é o que aconteceu com o seu jantar no tempo em que ele ainda era um animal, diz Singer.

E a vitela no Brasil, como é produzida? E em Santa Catarina? Ainda que nem todas as etapas descritas no processo relatado por Singer e Kingsnorth estejam presentes, a indústria de laticínios e da vitela ainda é marcada pela violação dos corpos das vacas (que são forçadas a engravidar continuamente); pelo seqüestro de seu bebê, bem como pelo roubo do alimento dele; pela tortura em cativeiro (quando há confinamento do bezerro); e pelo assassinato (já que se trata de morte desnecessária, movida por motivos hedonistas e, portantotorpes).

Se nos compararmos com outras sociedades humanas que chamamos de primitivas, constataremos que nenhuma delas jamais dispensou um tratamento tão cruel para com os animais. O progresso que alcançamos é tão somente no plano técnico. No plano ético nosso progresso é mínimo, senão nulo. O correto, do ponto de vista ético, é a total abolição do consumo de leite e seus derivados porque não precisamos deles. Se você acha que isso é um esforço grande demais, diminua seu consumo. As vacas - mães como muitas de nós - e seus pobres bebês serão muito gratos a vocês.

"O homem moderno toma o Ser em sua inteireza como matéria-prima para a produção e submete a inteireza do mundo-objeto à varredura e à ordem da produção". (Martin Heidegger)

Referências:
BRÜGGER, Paula. Amigo Animal - reflexões interdisciplinares sobre educação e meio ambiente: animais, ética, dieta, saúde, paradigmas. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2004: 34-36.

KINGSNORTH, Paul. Mother s milk. The Ecologist, 31(5), junho, 2001: 38.

SINGER, Peter. Vida ética: os melhores ensaios do mais polêmico filósofo da atualidade. Tradução de Alice Xavier. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.

*Doutora em Filosofia e Ciências Humanas (UFSC), professora do Departamento de Ecologia e Zoologia e do Programa de Pós-graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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