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2006-10-04
As 54 famílias de quilombolas que formam a comunidade de Caçandoca, nos arredores de Ubatuba, no litoral paulista, têm o que comemorar. Na semana passada, parte do território ocupado pela comunidade remanescente de quilombos foi decretada pelo governo federal área de interesse social. O decreto foi publicado no último dia 27 e acaba com disputas judiciais entre moradores, grileiros e empresas que tentaram despejá-los ao longo dos anos.

“A partir de agora, quem vier ocupar a nossa terra vai ter que se entender com a União”, afirma o presidente da Associação Quilombola de Caçandoca, Antônio dos Santos. De todos os 890 hectares que formam o território quilombola, 210 desapropriados pelo governo eram os mais conflituosos. Os habitantes da área quase foram despejados em abril de 2005 por força de uma ação movida na Justiça pela imobiliária Urbanizadora Continental. A empresa tinha interesse em aproveitar as cinco praias das terras quilombolas - um trecho intocado do litoral norte paulista - para construir um condomínio fechado de luxo.

No dia 13 de maio daquele ano, uma carta assinada por outras associações de quilombos e por entidades do movimento negro foi entregue à Secretaria Estadual de Justiça. A comunidade de Caçandoca tornou-se símbolo de resistência de um povo ancestral e da cobrança de uma dívida histórica com a escravidão dos negros. A vitória veio no dia 1º de junho de 2005, depois de grande mobilização das entidades e movimentos sociais. O Tribunal de Justiça de São Paulo suspendeu, naquele dia, a liminar de reintegração de posse da área de Caçandoca. No mesmo dia, o Incra reconheceu as terras como pertencentes aos quilombolas e abriu caminho para o longo processo que levou à desapropriação.

Na entrega do decreto que reconhece as terras quilombolas, o presidente Luiz Inácio da Silva destacou que a área sempre foi cobiçada por empresas devido a “grandes negócios” que ali poderiam ser construídos. Ele lembrou ainda que houve um longo processo até a desapropriação. “Agora, o local está indo para seu dono original”, afirmou Lula.

Na década de 1970, Caçandoca era habitada pelos mesmos quilombolas, e houve um despejo muito violento. Casas foram derrubadas, animais foram mortos e as plantações foram queimadas. O despejo fez com que os quilombolas se dispersassem e só viessem a se agregar de novo no fim dos anos 1980 e início dos 1990.

Na avaliação do deputado estadual Simão Pedro (PT), que integra a Frente Parlamentar em Defesa das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Estado de São Paulo, abriu-se uma porta para que outras comunidades de quilombolas, em especial as que estão em áreas particulares, obtenham essa conquista. Simão Pedro explica que o caminho é usar o decreto 4887, do governo federal, publicado em 2003, o mesmo aplicado em Caçandoca. “O governo estadual é muito lento para oferecer a titulação aos quilombolas. Portanto, a solução é recorrer à União”, acredita.

O deputado lamenta que não haja essa solução para os quilombolas que estão em terras públicas, como é o caso das comunidades no município de Iporanga (Vale do Ribeira), cujas terras se sobrepõem ao Petar (Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira). “Mas não há motivo para desanimar da luta pela titulação das terras, nem no Vale do Ribeira e nem nos outros hectares restantes de Caçandoca”, afirma.

Futuro
Tanto Antônio dos Santos quanto Simão Pedro ressaltam que é preciso construir o futuro dos moradores de Caçandoca. “É necessário proteger a economia local, incentivar a agricultura familiar, o turismo sustentável e a pesca”, diz o deputado. Antônio detalha um projeto turístico para Caçandoca, de longo prazo, que inclui um parque à beira-mar para ser compartilhado entre os moradores e os novos visitantes.

O próprio Executivo reconhece a necessidade de investir em infra-estrutura para a Caçandoca. O ministro interino do Desenvolvimento Agrário, Marcelo Cardona, disse que “além do reconhecimento de seus direitos e o respeito a sua identidade social, esta comunidade passa a ter tratamento diferenciado e acesso a políticas públicas como assistência técnica, infra-estrutura e financiamento destinados a sua estruturação e sustentabilidade”. A titulação de todas as terras de Caçandoca deve sair até o fim do ano.
(Por Rafael Sampaio, Agência Carta Maior, 04/10/2006)

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