Por Altamirando Moraes*
A Baixada Fluminense, que se estende do Rio Meriti ao Inhomirim e da Baía da Guanabara ao sopé das serras era originariamente uma região coberta por florestas, desde as nascentes na serra até a orla da Baía no encontro com os manguezais; na planície, entre as matas paludosas, meandravam brejos que serviam para espraiamento das água dos sinuosos leitos dos rios.
A floresta natural servia para a contenção dos processos erosivos e a regulação do ciclo hidrológico. Essas condições naturais da bacia quanto à dinâmica de formação da paisagem (relevo, clima, hidrografia e vegetação) revelam, já por si só, uma extrema fragilidade e suscetibilidade ao rompimento do equilíbrio morfodinâmico. A ocupação inadequada e os ciclos econômicos que se sucederam na região acabaram por afetar esse frágil equilíbrio de forma irreversível em grande parte da bacia, pois o processo de ocupação e uso da terra que se desenvolveu, contemporaneamente ao povoamento da cidade do Rio de Janeiro, especialmente na Bacia hidrográfica do Iguaçu-Sarapuí, reflete-se, atualmente, nos graves problemas ambientais e sociais que se verificam na bacia, especialmente aqueles relacionados às freqüentes inundações.
Naquela época, os produtos eram transportados pelos Rios Iguaçu e Pilar até o Porto do Rio de Janeiro, para exportação para a Europa. A construção de ferrovias passou a agravar os problemas já existentes de alagamento naturais, aumentando as áreas de represamento das águas, com a construção de aterros, que atuando como barragens, impediam o livre escoamento das águas.
Desde o final do século XIX, o poder público vem criando várias comissões para a execução de obras de saneamento na chamada “Baixada Fluminense” sendo que as últimas grandes obras foram realizadas na década de 1930, com a criação do DNOS (Depto Nacional de Obras de Saneamento). Essas obras foram realizadas para atender a um interesse do então presidente Getúlio Vargas de criar um “cinturão verde” para abastecimento da capital e arredores em hortifrutigranjeiros, que vinham do então “distante” Vale do Paraíba.
Com essas obras de saneamento, de grande custo e vulto, como os canais de cintura e “podles” (áreas de alagamento contida por diques). No entanto, tais obras não foram acompanhadas de um eficiente programa de colonização, incentivo e apoio técnico por parte do governo federal que gerasse a ocupação agrícola pretendida, ficando a maior parte da região sub-utilizada ou abandonada. Esse quadro resultou, já nos anos 50, com decadência da citricultura associada ao êxodo rural no país, numa desenfreada especulação imobiliária da região, com a criação e venda de loteamentos que não respeitavam as mínimas condições de habitabilidade, constituindo-se “ em cidades dormitórios” para um grande contingente populacional de baixa renda, que vinham na sua maioria do interior e do Nordeste em busca de trabalho na então capital da República.
Com o decorrer do tempo cresceu ainda mais o número de ocupações, a essa altura, de forma totalmente irregular avançando sobre áreas sem nenhuma infra-estrutura urbana, próxima aos cursos d água, dentro das áreas destinadas ao espraiamento dos rios e até nas suas calhas, formando um cenário caótico, fazendo com que a região que originariamente já era área de inundação tivesse suas condições agravadas, tornando praticamente inócuas as obras de saneamento do DNOS.
Este cenário de desordenamento na ocupação urbana dificulta a implementação, em curto prazo, de soluções definitivas para o controle das inundações pelo enorme volume de recursos que a médio prazo necessitam ser investidos. Entretanto, mesmo que de maneira lenta mudanças significativas na postura do poder público , especialmente do Governo do Estado, vêm sendo adotadas. Houve grandes investimentos na região através do Reconstrução Rio (financiamento do Banco Mundial) com recuperação e ampliação no sistema de drenagem do DNOS, rede de esgoto e tratamento através da lagoa de estabilização de Gramacho e mais recentemente com o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara que vêm implantando redes coletoras de esgotos, estações de tratamento de esgoto(Pavuna), obras pavimentação e drenagem através do Programa Nova Baixada, além de outras obras de abastecimento d água como a duplicação da adutora da Baixada.
Como se vê, o problema de inundações da Baixada tem origem remota e requer ações coordenadas entre as diferentes esferas do poder público federal, estadual e municipal e da sociedade civil organizada. Muitos problemas são de difícil reversão, como a ocupação consolidada de muitas áreas baixas, ao longo da calha secundária dos principais que drenam a bacia.
Entretanto, se houver uma ação coordenada, que deve e tem que contar com a efetiva vontade política das Prefeituras locais para o enfrentamento da situação, é possível o disciplinamento do uso do solo de áreas ainda não ocupadas, bem como a recuperação ambiental de áreas ocupadas de modo inadequado (faixa marginal dos rios, diques entre os rios e os “podles” e outras áreas de riscos acentuados de inundações.
Para isso, é necessário que os políticos especialmente os da região dispam-se de suas vaidades e estejam dispostos a cooperar. Propomos a criação de um Consórcio de Saneamento Ambiental da Baixada Fluminense – CONSAB, com a finalidade de unificar planos e ações, e concentrar esforços no sentido de minorar a médio prazo os feitos das enchentes na região. Estamos dando um primeiro passo criando a Agência Regional da Serla na Baixada, com a seguintes finalidades:
a) Conseguir recursos para manter e operar adequadamente o complexo sistema de drenagem implantado pelo DNOS, que hoje é praticamente inócuo pois tem manutenção precária para não dizer inexistente;
b) Trabalhar, em conjunto com as Prefeituras locais no sentido do ordenamento urbano, estabelecendo metas e prazos para desocupação das faixas marginais de proteção dos principais rios;
c) Trabalhar de forma coordenada com as Prefeituras na dragagem permanente dos principais corpos hídricos da região;
d) Fazer esforços conjuntos para viabilizar recursos no sentido de eliminar as obstruções ou comprometimento do escoamento em decorrência de estruturas de travessias mal dimensionadas ou precárias (pontes rodoviárias e ferroviárias, tubulações de água e esgotos, muros e edificações que obstruem as calhas dos rios) e obras novas como barragens para retenção de águas em épocas de enchente, comportas em regiões de intrusão de maré etc.
*Vice-presidente da Serla
(
Fundação Superintendência Estadual de Rios e Lagoas do Estado do Rio de Janeiro (Serla), 03/10/2006)