O geoprocessamento deve ser tratado mais como procedimento metodológico e menos como ferramenta tecnológica. Por isso, é necessário estabelecer uma cultura nos órgãos governamentais, responsáveis pela implantação de políticas públicas e de formulação de planejamento estratégico, de pensar espacialmente e de forma integrada, para evitar que certas decisões não venham conflitar com outras ações tomadas em outras instâncias.
Este conceito e outras opiniões sobre a importância da utilização do
geoprocessamento na área ambiental estão nesta entrevista concedida pelo professor Dr. Carlos Hiroo Saito*, chefe do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília e titular no curso de mestrado em Desenvolvimento Sustentável, do Núcleo de Estudos Avançados
(Neama), do Centro de Recursos Ambientais, autarquia da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (Semarh), na disciplina
Geoprocessamento Ambiental.
O que significa geoprocessamento ambiental?
Saito - De modo geral, geoprocessamento constitui qualquer conjunto de procedimentos, manual ou baseado em computador, utilizados para armazenar e manipular dados geograficamente referenciados. Não costumamos falar em geoprocessamento ambiental, porque não restringimos o uso de geoprocessamento apenas à área ambiental.
Qual a importância do geoprocessamento para a preservação e conservação das riquezas naturais?
Saito - O geoprocessamento, quando aplicado na conservação da
natureza, permite que possamos fazer diagnósticos a respeito das áreas de
risco ambiental, como aquelas com maior probabilidade de submeter-se a
processos de contaminação, por exemplo, ou ainda identificar áreas
prioritárias para a conservação da biodiversidade, por meio da criação
de áreas protegidas. Permite ainda fazer prognósticos, avaliando
possíveis conseqüências de cenários futuros, como a implantação de
rodovias, ferrovias, projetos de irrigação ou de criação de camarões.
Qual a importância como ferramenta para subsidiar o
planejamento estratégico dos órgãos ambientais e de tomada de
decisões dos gestores ambientais?
Saito - No momento em que diagnósticos e prognósticos são realizados, identificando e cartografando riscos e potenciais para diferentes atividades, é possível identificar também incongruências de uso (ou seja, não conformidade do uso atual com os potenciais ou vocações
identificadas), potenciais conflitantes (ou seja, potenciais para uma
atividade que ocorrem simultaneamente na mesma localidade que outros
potenciais identificados), e áreas críticas (ou seja, reconhecimento da
existência de potenciais para determinadas atividades em áreas de
risco, como por exemplo, riscos de desmoronamento em áreas com
potencial para expansão urbana).
Como está no panorama nacional, a integração dos dados e
qual é o objetivo final?
Saito - Ainda vivemos no país uma cultura em que as diferentes áreas do conhecimento, e, sobretudo as diversas áreas de atuação do governo não se comunicam. A integração, nesse caso, é bastante dificultada, de forma que ações desenvolvidas por um setor do governo costumam ser mal-recebidas e promover impactos negativos junto a ações de outros setores do governo. Exemplo disso são os leilões de blocos de
exploração de petróleo pela Agência Nacional de Petróleo (ANP), que
incluem áreas de grande fragilidade ambiental como o Banco dos
Abrolhos ou a região de Camamu.
Na prática, como se utilizar dessa ferramenta e quais os meios?
Saito - A ferramenta tem tido até grande difusão junto aos órgãos
governamentais, de diversas áreas. O problema é que muitas vezes a
ferramenta é vista de forma distorcida, ganhando uma aura de poder que
não corresponde à verdade. Dizemos que a tecnologia é "reificada", e as
pessoas deixam de enxergar a dependência e a ilusão a que estão
submetidos. Acabam por acreditar muitas vezes que basta introduzir
dados que ela gera produtos confiáveis por si só, ou no outro extremo,
subutilizam a tecnologia, acreditando que serve apenas para fazer mapas
bonitos para apresentação. Esquecem que um bom uso da tecnologia
depende de estabelecer os objetivos e definir procedimentos, ou seja,
requer formação de pessoal.
Em termos de custo versus benefício, o que significa para a proteção
e preservação do meio ambiente?
Saito - Representa grande avanço quando utilizada de forma adequada, pois permite fazer diagnósticos complexos, projetar cenários e fazer prognósticos, antecipando-se a fatos, de forma a subsidiar a tomada de decisão por parte dos gestores de políticas públicas. Na área de meio
ambiente, em que grande volume de dados requer análise de forma à
buscar interferir positivamente na resolução de conflitos
socioambientais, uma tecnologia como a do geoprocessamento que
permite registrar a ocorrência espacial dos fenômenos e dos diagnósticos
e prognósticos, de forma eficiente, precisa e rápida, sem dúvida
representa um ganho para o meio ambiente.
Em linhas gerais, poderia sintetizar os principais benefícios
dessa ferramenta?
Saito - Grande quantidade de dados podem ser mantidos e recuperados a grandes velocidades e baixo custo unitário, habilidade para manipular e integrar dados espaciais e seus atributos, capacidade de executar análises espaciais complexas (planejar cenários, modelos de decisão, modificar diagnósticos e decisões).
Quais as deficiências dessa ferramenta no Brasil, com relação à
área ambiental e o que há de mais novo?
Saito - Não acredito que estejamos atrasados em relação a outros países. No atual contexto da globalização, e a boa inserção do país no
desenvolvimento científico-tecnológico no plano internacional, estamos
a par do avanço científico-tecnológico na área Mas sofremos também,
tal como nos demais países, inclusive dos países centrais, problemas
com relação à ilusão na tecnologia, e a carência de investimento na
formação de pessoal voltada para o domínio conceitual da ferramenta. É
preciso estabelecer uma cultura nos órgãos governamentais (responsáveis
pela implementação de políticas públicas e de formulação de
planejamento estratégico) de pensar espacialmente e de forma integrada.
Para isso, é preciso fazer com que o geoprocessamento seja tratado mais
como procedimento metodológico e menos como ferramenta tecnológica,
e capacitemos o pessoal para pensar no problema e não para serem
operadores de softwares.
*Carlos Hiroo Saito é Biólogo e Analista de Sistemas, mestre em
Educação e Doutor em Geografia. Professor Adjunto nível 4 do
Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília e Pesquisador
nível II com bolsa de produtividade em pesquisa do CNPq.
Atualmente é o chefe do Departamento de Ecologia. Responde pelas
linhas de pesquisa em Educação Ambiental e em Geoprocessamento
aplicado à Ecologia na UNB.
(Por Ronaldo Macedo,
Ascom/CRA/Bahia, 22/09/2006)