Serigueiros no Acre animam-se com manejo comunitário
2006-10-02
Entre os dias 17 e 23, um grupo de 11 seringueiros do Vale do Juruá esteve no Vale do Acre para uma conversa que ainda não chegou aos palanques políticos, mas se estende floresta adentro. Trata-se do manejo comunitário madeireiro e não-madeireiro, que certamente salvará o Acre pelo caminho da sustentabilidade.
A palavra "sustentabilidade" ainda soa estranho aos ouvidos dos seringueiros. Entretanto, já foi assimilada por extrativistas como Nilson e Duda Mendes, primos de Chico Mendes, e lideranças fortes do projeto de assentamento agroextrativista (PAE) do seringal Cachoeira, que leva o nome do líder assassinado em 1988. Nilson, sobretudo, mistura com maestria os termos que aprende na prática do manejo com boas histórias de caçada e de assombração amazônica.
O grupo do Juruá veio composto de nove homens e duas mulheres escolhidos entre 300 famílias que ocupam três "florestas estaduais" criadas na região entre Tarauacá e Cruzeiro do Sul. As unidades de conservação do Rio Liberdade, do Rio Gregório e do Mogno somam uma área de 450 mil hectares cortada pela BR-364 num trecho de 70 km. Os moradores tradicionais ganharam o direito de permanecer em suas colocações e nas margens da estrada com a decretação das Ucs, agora iniciam intercâmbio com as comunidades experientes do Vale do Acre para aprender as práticas de manejo florestal
Alegres e comunicativos, os juruaenses viajaram de ônibus acompanhados pelos engenheiros florestais Telmo Borges e Marcelo Muniz, e pelo biólogo Carlos Millares da empresa de consultoria Tecman. Em Rio Branco juntaram-se a eles as engenheiras florestais Vanessa Lins e Samira Alvim (da Secretaria de Florestas), a advogada Mônica Letícia Breda (do STCP) e mais o pessoal de apoio.
Os técnicos adotam como estratégia não interferir na conversa descontraída dos trabalhadores. Por isso esta fluiu bem, num encontro na sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, na visita à fábrica de pisos que está sendo construída à entrada da cidade e no seringal Cachoeira, onde as novas práticas extrativistas apresentam resultados animadores. "Viemos para ouvir a verdade e aprender. Queremos fazer a coisa certa", diziam um após outro.
Criado pelo Incra no seringal Cachoeira, por pressão da comunidade, o PAE Chico Mendes é um projeto de assentamento gerido por seus ocupantes com apoio do Governo do Estado e de algumas entidades. Duda e Nilson são lideranças locais que atuam na organização comunitária e praticam o manejo com sabedoria. A turma do Juruá ouviu dos dois, no meio da mata, uma aula de otimismo e injeção de ânimo.
De fato, Cachoeira é o melhor exemplo de um seringal do século 21. Localizado na margem esquerda da BR-317 com fácil acesso por um ramal bem conservado, possui área de 24 mil hectares com cobertura florestal pouco mexida onde vivem 86 famílias. A comunidade possui uma rica história de resistência através dos "empates" contra o desmatamento nos anos setenta e oitenta. E desde os anos noventa avança com projetos de exploração racional da floresta. O manejo madeireiro comunitário é apenas uma atividade complementar de geração de renda, pois a floresta acena com um mundo de possibilidades.
Nilson Mendes mostra o que acontece em sua colocação:
- Aqui eu não faço mais roçado e não desmato nenhum pé de árvore. As velhas roças que eu mantinha perto de casa deixei virar "capoeira" e mata. Os frutos que crescem lá são para os macacos, cutias, pacas e quatipurus. As araras, curicas e até os queixadas vêm comer no meu quintal.Ganho dinheiro mostrando estas cenas aos gringos.
De 2001 para cá, a comunidade Cachoeira teve sua renda aumentada com o uso múltiplo dos recursos da floresta. Além da madeira manejada e certificada, ela explora sementes para artesanato, plantas e óleos medicinais. O turismo ecológico é atividade constante. Em breve será inaugurada na área uma moderna pousada orçada em 800 mil reais.
Nilson Mendes afirma que a renda de cada morador ultrapassa mil reais mensais, com perspectiva de aumentar. No projeto as famílias podem caçar e pescar, cultivar pequenas roças de subsistência e criar animais, inclusive desenvolver a pecuária, mas as atividades são monitoradas por um conselho deliberativo e obedecem a um plano de manejo. A comercialização de produtos madeireiros e não madeireiros terá que apresentar selo do FSC , sistema de certificação florestal mais aceito no mundo.
Antes de regressar às suas áreas, os extrativistas do Juruá visitaram outros projetos no Vale do Acre, passearam pela capital e fizeram anotações. Eles aprenderam duas lições básicas. A primeira , que a colocação onde vivem com suas famílias representa uma riqueza imensa, impossível até de ser mensurada .A outra é que a exploração através do manejo é um duro desafio, mas leva a resultados positivos já comprovados.
Ocupação com florestania
As florestas estaduais do Rio Liberdade, do Rio Gregório e do Mogno são Unidades de Conservação de Uso Sustentável foram criadas em 9 de março de 2004 pelo Governo do Estado do Acre como parte de uma política integrada de uso racional das terras da região. Essa política terá que ser compatível com os objetivos sociais, econômicos e de conservação da biodiversidade. Tais florestas são áreas de posse e domínio público estadual e estão localizadas quase que na totalidade no município de Tarauacá, com uma pequena porção no município de Cruzeiro do Sul totalizando cerca de 450 mil hectares.
Uma característica que merece destaque nestas Florestas Estaduais é o fato das mesmas assegurarem nos respectivos decretos de criação, a permanência das populações tradicionais em suas colocações. A decisão beneficiou, no caso, cerca de 300 famílias com a garantia de uma melhoria da qualidade de vida, valorização dos recursos florestais locais e redução das práticas ilegais nas florestas.
A gestão dessas unidades no Estado do Acre, segundo a Lei Florestal (Lei Estadual n°1426/01) é atribuição da Secretaria de Floresta e deve atender ao disposto na legislação nacional através da Lei Federal nº 9985/00, do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), a qual estabelece no artigo 27 que "as unidades de conservação devem dispor de um Plano de Manejo".
O Plano de Manejo é o principal instrumento de gestão de uma Floresta Estadual como unidade de conservação, assim como o Conselho Consultivo citado na mesma Lei, no parágrafo 5º que diz: "A Floresta Nacional (lê-se Floresta Estadual) disporá de um Conselho Consultivo presidido pelo órgão responsável por sua administração, e constituído por representantes de órgão públicos, por organizações da sociedade civil e, quando for o caso, das populações tradicionais residentes".
O Conselho tem a função de construir um espaço de discussão e negociação das questões sociais, econômicas e ambientais da Unidade de Conservação e sua área de influência, desempenhando um papel importante no processo de gestão, do planejamento à tomada de decisões.
O Plano de Manejo como instrumento de gestão das Florestas Estaduais é dinâmico, e na sua elaboração se utilizam técnicas de planejamento participativo através do qual se define o Zoneamento; e este caracteriza as zonas de uso e propõe o seu desenvolvimento físico, bem como estabelece as diretrizes básicas para o seu manejo, através da proposição de um conjunto de programas, de acordo com suas finalidades específicas.
Para atender ao estabelecido na Legislação em nível federal (SNUC) e estadual (Lei Florestal) o Governo do Estado do Acre, através da Secretaria de Floresta (SEF), iniciou em 2006, o processo de Criação do Conselho Consultivo e planejamento das Florestas Estaduais do Rio Liberdade, Rio Gregório e Mogno através da elaboração dos primeiros documentos de Plano de Manejo de Uso Múltiplo. Para a execução de todo este processo foi formada uma equipe multidisciplinar, composta por funcionários, técnicos, pesquisadores e moradores abordando os diversos temas em análise desde os componentes: biótico (fauna e flora), abiótico (geologia, clima, solos e águas), sócio-econômico (sociologia, economia e histórico), aspectos legais e planejamento, além do apoio e trabalho de outros órgãos estaduais e empresas prestadoras de serviços.
(Por Elson Martins, Página 20 – AC, 01/10/2006)
http://www2.uol.com.br/pagina20/01102006/almanacre.htm