Das esculturas de sucata de ferro de Xico Stockinger ao enredo Ratos
e Urubus Larguem a Minha Fantasia, da escola de samba carioca
Beija-Flor, de 1989, obras do descarte conquistam o gosto popular. No
desfile na Sapucaí, Joãosinho Trinta mostrou que lixo é luxo.
O Estado produz diariamente 7,5 mil toneladas de resíduos sólidos.
Parte do que é jogado no lixo escapa de aterros sanitários e prensas de
cooperativas de reciclagem e ganha vida nova em mãos de músicos,
artistas plásticos e estudantes.
- O uso de material reciclado em arte ou instalações ganhou impulso
nos anos 90 com o aumento da preocupação com o ambiente - explica
Marli Amaro Araújo, diretora do Instituto Estadual de Artes Visuais
e do Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul.
Segundo ela, o reaproveitamento de materiais é prática difundida há
anos entre artesãos. Quem não se recorda das aulas de Educação
Artística, onde a lata de molho ganhava ares de porta-canetas
egrampos de madeira deixavam os varais para recobrir um porta-jóias
no Dia das Mães?
Rio Grande do Sul tem 410 bibliotecas públicas
Entre a infância e a idade adulta, muitos esquecem tudo a ponto de
mandar para a lixeira edições raras de clássicos da literatura.
- É triste ver que isso acontece. Felizmente, tem gente que prefere
doar para uma biblioteca. Alguns restauramos, outros enviamos para
bibliotecas do Interior - diz Morgana Marcon, coordenadora do Sistema
de Bibliotecas Públicas e diretora da Biblioteca Pública do Estado.
O Rio Grande do Sul tem 410 bibliotecas públicas - 85 municípios não
têm biblioteca.
O lixo no Brasil
> O Brasil produz 125 mil toneladas de lixo por dia
> Destes, 69,5% são destinados a aterros e 30,5%, a lixões
> O Rio Grande do Sul produz 7,5 mil toneladas de lixo por dia
> Do lixo produzido nos 3 milhões de domicílios gaúchos, 84% são
coletados por serviços de limpeza, 10,6% são queimados, 2,8% são
enterrados, 2,5% jogados em terreno baldio, via pública, rio ou mar
> As 13 maiores cidades brasileiras são responsáveis por 31,9% de todo
o lixo urbano. Nas cidades com até 200 mil habitantes, são recolhidos
de 450 a 700 gramas por habitante ao dia
> Nas cidades com mais de 200 mil habitantes, o número salta para a
faixa entre 800 gramas e 1,2 quilo ao dia
Fonte: IBGE / Plano Nacional de Saneamento Básico, ano 2000
Catador salva 3 mil livros
A coleção de Luiz Abreu, 45 anos, de Alegrete virou biblioteca
comunitária depois de um ano e meio de trabalho. Das 4,5 mil obras, 3
mil foram retiradas do lixo. O resto foi doado por apoiadores do
projeto.
- Por um quilo de livros, independentemente do valor literário,
ganharia R$ 0,03. Como poderia tratá-los apenas como papel misto para
reciclagem? - diz o catador.
Um barracão de chapas de compensado e lonas protege o acervo que
inclui autores como Erico Verissimo e Camões. As paredes de tijolos
da biblioteca estão sendo erguidas, e a promessa de receber
computadores usados, se confirmada, facilitará o sistema de
empréstimo. Entre os usuários, estão estudantes das redes públicas
e universitários.
- Tem alunas do curso de Enfermagem que já vieram consultar aqui os
livros de anatomia - revela.
Abreu voltou a estudar. No final do ano, deve concluir o Ensino Médio.
Para 2007, os planos pessoais já reservam tempo para mais um projeto:
ele quer fazer vestibular para o curso de Letras.
O artista que garimpa na rua
Há 10 anos, o publicitário de Lajeado Alessandro Cenci, 33 anos, vê o
lixo com outros olhos. E o que encontra em depósitos de ferro-velho,
lixeiras ou pelo chão acaba se transformando em esculturas, pinturas
e instalações impactantes.
- À primeira vista, o lixo me provoca a mesma surpresa que depois
minhas obras costumam causar nas demais pessoas. É como se eu visse
uma coisa em outra - explica.
Quem visita o estúdio de Cenci dica fascinado com os objetos de
matéria-prima simples, tudo aos pedaços:
- Eu vibro quando encontro uma cadeira sem um pé, por exemplo.
Cenci consegue o material em caminhadas pela cidade ou doações de
amigos. Cada obra não lhe demanda investimentos superiores a R$ 20.
Latas viram instrumentos
Quem passa perto do centro de atendimento a crianças e adolescentes
Comunidade Mãe São Francisco de Assis, na periferia de Cruz Alta, e
escuta a música vinda do prédio não imagina que o som sai de latas de
ervilha, tomate e tinta.
Há dois anos, adolescentes praticam durante horas diferentes batidas
nas latas conseguidas nas lojas da cidade e com a prefeitura.
Os jovens têm aulas semanais de preservação do ambiente, quando
aprendem sobre o lixo e as formas de reaproveitar os resíduos sólidos.
- Eles estavam sempre batucando. Então, resolvemos usar a energia deles
para transformar as latas em música - destacou a coordenadora da
comunidade, Suzana Schneider.
Para doar
Capital: Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul: Rua
Riachuelo, 1.190, Centro. Fone: (51) 3224-5045
Interior: bibliotecas ou prefeituras
(Por Francisco Amorim,
Zero Hora, 01/10/2006)