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2006-10-02
Definitivamente a humanidade não pode ter como padrão do que seja uma vida feliz o padrão estadunidense. O planeta não suporta. O planeta vem sendo posto em perigo por uma sociedade capitalista cuja injustiça social se sustenta com base numa profunda injustiça ambiental. Afinal, o que a máquina a vapor, base tecnológica das relações sociais e de poder, com sua matriz energética fossilista proporcionou com sua ampla aplicação foi que a transformação da matéria pudesse se fazer em qualquer lugar do mundo e transportada para os centros geográficos do poder político mundial.

Um dos pilares da sociedade moderna é que o progresso humano advém da dominação da natureza por meio da ciência e sua aplicação tecnológica. Desde que James Watt, no século 18, descobriu os princípios da máquina a vapor com uso do carvão essa idéia vem se tornando cada vez mais concreta. É que o carvão, e depois também o petróleo concentram um enorme potencial de trabalho, isto é, capacidade de transformação da matéria, e a isso os físicos chamam energia. Vem daí a enorme importância que essa matéria adquire em relação a outras matérias.

O carvão e o petróleo são matérias que permitem transformar outras matérias por concentrarem muita energia e, por isso, as regiões e países que abrigam grandes jazidas são particularmente visadas pelos grandes complexos empresariais, em sua maior parte com sede nos países industrializados. Na verdade, esses complexos e esses países não podem viver sem essas jazidas que a natureza parece ter escolhido o lugar errado para localizar.

Neste caso, a arrogância desses grandes complexos industriais e seus países revelam toda a sua fragilidade posto que, por mais que dominem a tecnologia, dependem de um recurso natural que não podem produzir. Aliás, é bom que se afirme que nenhum país é produtor de petróleo, de carvão, de ferro ou de qualquer outro mineral, como muitas vezes nos querem fazer crer.

Nenhum país, nem qualquer sociedade produzem esses minérios pelo simples fato de que eles são produtos da natureza e, assim, somos extratores e não produtores e são enormes as conseqüências de se confundir esses dois termos. Afinal, na condição de extratores sabemos que extraímos algo que não fazemos e, assim, devemos nos precaver, cuidar. Ao contrário, se nos consideramos produtores de petróleo, ou de qualquer outro minério, não precisamos ser cautelosos no uso do recurso na medida que podemos produzi-lo de acordo com nossa vontade. Essa segunda visão que, infelizmente, tem predominado, no fundo, nos leva a muitos problemas, inclusive ao aquecimento global.

A ciência e a técnica tal como vêm sendo desenvolvidas a partir da matriz eurocêntrica, sobretudo desde o século 18, não têm considerado devidamente o papel da natureza. A começar pelo fato de pensá-la enquanto algo a ser dominado, o que sempre implica não pensá-la como ela é, mas sim, enquanto algo que serve para atingir fins que são alheios a ela e que, no caso da sociedade capitalista, é a produção e apropriação da mais valia (do qual o lucro é, apenas, uma parte).

É o que acontece com qualquer dominação, inclusive do homem pelo homem, como na sociedade capitalista onde os trabalhadores importam não como seres humanos com todo o seu potencial criativo, mas sim, pelo seu potencial produtivo de mais valia. Enfim, a idéia de dominação implica sempre ignorar a potencialidade criativa do outro, inclusive da natureza. Assim, as sociedades modernas sob hegemonia da ciência e da técnica eurocêntrica tem atribuído à natureza um papel passivo, de algo a ser dominado.

Marx esteve atento a isso criticando seus correligionários que ao fazerem o programa do partido (Crítica ao Programa de Gotha) afirmaram que só o trabalho criava riqueza, chamando a atenção que não só o trabalho, mas também a natureza são criadores de riqueza. Se o trabalho é o pai, a natureza é mãe, nos disse Marx. Infelizmente, essa idéia não teve maiores conseqüências teóricas e práticas, haja vista os estragos à natureza deixados nos ex-países socialistas e, hoje, na China.

Um dos principais efeitos dessa subestimação da natureza é exatamente o efeito estufa. Ele está ligado a certas leis da termodinâmica (lei de entropia) que diz respeito, entre outras coisas, à tendência à desagregação da matéria e à dissipação da energia sob a forma de calor inerente a qualquer processo de trabalho. Um motor quando trabalha libera calor e se está demasiado aquecido, com certeza perde a sua capacidade de trabalho.

Foi para isso que se inventou o termostato, aquele aparelho que se usa nas geladeiras, por exemplo, que é regulado pela temperatura e que se desliga automaticamente quando a temperatura aumenta muito e se religa quando o aparelho volta a baixar a temperatura. Para isso inventou-se, também, a ventoinha dos carros para esfriar o motor e permitir que ele trabalhe melhor. Acontece que nem todos os sistemas são controláveis pelo homem, como as geladeiras e os motores dos carros.

Por exemplo, o planeta Terra recebe diariamente uma imensa quantidade de energia que nos chega do Sol. Essa energia trabalha intensamente ao incidir sobre a superfície da Terra, movendo o ar (ventos e massas de ar), evaporando as águas e promovendo chuvas, produzindo intemperismo (sobretudo o intemperismo físico que desagrega as rochas e contribui para fazer os solos onde, depois, vamos plantar), proporcionando a fotossíntese que produz a biomassa das florestas e dos campos, das plantas e dos animais, dos nossos alimentos.

Em todo esse trabalho há não só dissipação de energia, como também vários gases e partículas são liberados contribuindo para o efeito estufa. Entre os gases estufa se destacam o dióxido de carbono, o dióxido de enxofre, o monóxido de carbono, óxido nitroso, hidrofluorcarbonos (HFC) além de partículas em suspensão. São chamados de gases estufa exatamente pelo fato de, ao se dispersarem pela atmosfera, impedirem que o calor liberado pelo intenso processo de trabalho realizado, tanto pela energia solar como pelo conjunto da humanidade, seja liberado para fora da atmosfera, contribuindo assim para o aquecimento do planeta.

Registre-se ainda que grande parte do gás carbônico emitido é absorvida pelos oceanos e mares, pelas florestas, campos, cerrados, estepes, mangues e tundras. Grande parte do corpo das plantas e dos animais é constituída por cadeias de carbono e, assim, quanto maior a quantidade de biomassa por hectare maior é a quantidade de carbono que fica retida na biosfera e não é liberada para a atmosfera. Por isso, as florestas, em particular as florestas tropicais, como a Amazônia sul-americana, a Lacandona no sul do México, o Petein na Guatemala, a Mata Atlântica, a do Pacífico sul colombiano habitada por afrodescendentes, têm uma enorme importância para o equilíbrio do planeta.

Os gases estufa ao reter o calor dissipado a partir do trabalho da própria radiação solar na Terra são responsáveis pelo equilíbrio climático do planeta tal como conhecemos até aqui. Não fossem esses gases estufa e toda a energia dissipada iria para fora da atmosfera e as temperaturas do planeta seriam, segundo cientistas, 30o. C menores que as atuais. Assim, não podemos condenar o efeito estufa enquanto tal, pois em parte é ele que permite que a vida, tal como a conhecemos hoje, exista no planeta Terra. Toda a questão parece estar não no efeito estufa, mas sim no seu aumento nos últimos anos, posto que assim mais calor fica retido entre a superfície da Terra - litosfera, a biosfera, a hidrosfera - e a atmosfera.

Os Efeitos do Efeito Estufa
Vários cientistas se esmeraram em negar o papel da atual matriz energética com base em combustíveis fósseis no aumento do efeito estufa, dizendo que se tratava de um fenômeno natural. É claro que mudanças climáticas ocorreram no planeta independentemente da ação dos homens. Por exemplo, entre 12.000 e 18.000 anos atrás as calotas polares estavam na altura de Paris e de Nova York, no hemisfério norte, e na altura de Montevidéu (Uruguai), no hemisfério sul.

Não foram os homens que fizeram o degelo dessa imensa massa de gelo que levadas ao mar fizeram que eles aumentassem 100 metros, conforme nos informa o geógrafo brasileiro Aziz Ab´Saber. Depois de muitas discussões e controvérsias os cientistas chegaram a um consenso que pode ser resumido na frase de Dr.a Jane Lubchenco, ex-presidente da Sociedade para Progresso da Ciência dos EUA, que destacou: “Nas últimas décadas, os seres humanos se converteram em uma força da natureza”. Mesmo o governo dos EUA que até o final dos anos Clinton vinha negando o papel dos combustíveis fósseis no aumento do aquecimento global do planeta, passou a admitir essa relação.

Segundo José Santamarta Flórez, diretor de World Watch, “o dióxido de carbono presente na atmosfera (370 partes por milhão) foi incrementado em cerca de 32% desde o século XIX, alcançando as maiores concentrações nos últimos 20 milhões de anos. Hoje, acrescentamos anualmente à atmosfera mais de 23 bilhões de toneladas de CO2, acelerando a mudança climática. Previu-se que as emissões de dióxido de carbono aumentem em 75% entre 1997 e 2020. Cada ano são emitidos cerca de 100 milhões de toneladas de dióxido de enxofre, 70 milhões de óxidos de nitrogênio, 200 milhões de monóxido de carbono e 60 milhões de partículas em suspensão, agravando os problemas causados pelas chuvas ácidas, o ozônio troposférico e a contaminação atmosférica local”.

O aquecimento climático global é o mais importante efeito do efeito estufa. Os 20 anos mais quentes já registrados na história do planeta ocorreram nos últimos 25 anos! As ondas de calor recentemente ocorridas na Europa e nos Estados Unidos revelam a gravidade do problema. Na França, em 2003, cerca de 11.000 idosos morreram por excesso de calor. Tanto o Nordeste dos EUA como Londres sofreram pane em seus sistemas de abastecimento de energia (apagão) em função do aumento do consumo de energia pelo excesso de calor. São as populações mais vulneráveis, os mais pobres e os mais velhos, que sofrem mais na medida que não têm como comprar ar refrigerado. Todavia, se todos compram é o sistema elétrico que é submetido a uma sobrecarga de demanda em momentos de pico levando o sistema ao colapso.

Além disso, o aquecimento global e as mudanças climáticas a ele associadas têm contribuído para uma maior intensidade de furacões e tufões com conseqüências graves como as que, recentemente, assistimos entre os negros de Nova Orleãs e Luisiânia, nos EUA, vítimas não só da ação do furacão Katrina, como também das políticas neoliberais que cortaram as verbas do Corpo de Engenharia da Defesa Civil daqueles estados, proporcionado que os diques das barragens da cidade se rompessem provocando a tragédia.

Nesse caso, foram patéticas as orientações liberais dos governos conservadores que recomendaram que cada um se deslocasse ignorando que os pobres não tinham como fazê-lo, por não disporem de carros. Contrasta com isso o elogio da Onu ao modo como em Cuba o governo, em íntima relação com a sociedade civil, coloca todo o sistema técnico-científico para o monitoramento do deslocamento dos furacões e toda a logística da defesa civil para que a população se desloque. No caso do Katrina nenhuma vítima foi registrada em Cuba!

Devemos registrar, ainda, que o aquecimento global tem levado à elevação do nível dos oceanos e mares o que, atualmente, já causa problemas gravíssimos a diversas populações das ilhas do oceano Índico e do Pacífico. Para essas populações não se trata de um problema para o futuro. O aquecimento global está ali, agora.

O aquecimento global está também entre as causas que aumentam as implicações do El Niño, fenômeno que está associado ao aquecimento do oceano Pacífico e que tem contribuído para o aumento das chuvas em determinadas regiões e das secas em outras. Nas últimas décadas essas mudanças climáticas globais, em grande parte derivadas do aquecimento global, têm provocado que tanto os invernos como os verões sejam mais agudos, assim como as secas e as enchentes sejam mais pronunciadas.

Os incêndios em florestas vêm atingindo com freqüência mansões na Califórnia e no Mediterrâneo e, recentemente, uma seca pronunciada na Amazônia também contribuiu para o aumento das queimadas, assim como para que os rios atingissem os níveis mais baixos já registrados nos últimos 80 anos. Em todos esses casos, por mais que os efeitos se façam sentir sobre todos, são os mais pobres que mais sofrem com o aumento do aquecimento global.

Já não se pode acusar os ambientalistas de simplesmente serem contra o progresso como até aqui vêm insistindo seus detratores. Ao contrário das geladeiras e do ar condicionado, o planeta não tem termotasto para se auto-desligar. Os ambientalistas, sobretudo os ecosocialistas, vêm lutando para dar um pouco de lucidez a essa verdadeira insensatez que é o atual modelo de desenvolvimento.

Efeito Estufa, Produtivismo e Capitalismo
O capitalismo deve muito do seu desenvolvimento aos combustíveis fósseis (carvão e petróleo) não sendo exagero dizer que se trata de uma sociedade fossilista. O que vem sendo feito desde que a sociedade capitalista se conformou, ainda que de forma geograficamente desigual de 200 anos para cá, é se aproveitar da energia solar fotossintetizada há milhões anos atrás sob a forma de florestas e animais que, tendo sido sepultados durante um longo período geológico, sofreram transformações que os mineralizaram nos dando o carvão e o petróleo atuais.

Ora, essas florestas e animais sepultados continham carbono que, à época, foram retirados da atmosfera e que, agora, com as máquinas a vapor, são devolvidos à atmosfera sob a forma de monóxido e dióxido de carbono aumentando o efeito estufa. Os países industrializados são os maiores responsáveis pelo atual aquecimento global, muito embora as queimadas, sobretudo de florestas tropicais tenham importância e, nesse caso, o Brasil é o país que mais vem se destacando negativamente no mundo.

Os EUA são os maiores responsáveis pelo aquecimento climático do planeta e com somente 4,6% da população mundial emitem 24% do CO2 mundial (mais de 20 toneladas por habitante/ano), tendo aumentado suas emissões em 22% entre 1990 e 2000. Esses dados deveriam nos servir de alerta, pois indicam que o american way of life vendido todo dia pela mídia não pode ser estendido a toda a humanidade. Essa ilusão é necessária para a reprodução do capitalismo, embora seja ambientalmente impossível realizar a promessa que a mídia nos vende todo dia o dia todo.

E aqui cabe uma breve reflexão sobre alguns correntes de esquerda que teimam em ignorar a problemática ambiental e se manter prisioneira de uma lógica produtivista, no fundo, parte da lógica burguesa. É o que se depreende do discurso do então Secretário do Partido Comunista francês que declarou, em 1974, quando candidato à Presidência da república que se eleito todos os franceses teriam direito a um carro. Assim, ignorava que se todos tivessem carro o que seria socializado seria o congestionamento, como já provam nossas cidades com apenas 30% das pessoas possuindo automóveis.

Para não falar da poluição que daí adviria. Além disso, cabe indagar se o socialismo existiria para dar a todo mundo o que o capitalismo só dá para alguns, o que implicaria dizer que seria o consumo de bens o valor maior da vida e o socialismo só estaria generalizando os valores da sociedade burguesa. Se esse pensamento já não revelasse, por sis mesmo, a falta de uma outra perspectiva para a vida, temos esses dados de que esse modelo não pode materialmente ser estendido a toda a humanidade. É de outros valores que carecemos!

Definitivamente a humanidade não pode ter como padrão do que seja uma vida feliz o padrão estadunidense. O planeta não suporta. O planeta vem sendo posto em perigo por uma sociedade capitalista cuja injustiça social se sustenta com base numa profunda injustiça ambiental. Afinal, o que a máquina a vapor, base tecnológica das relações sociais e de poder, com sua matriz energética fossilista proporcionou com sua ampla aplicação foi que a transformação da matéria pudesse se fazer em qualquer lugar do mundo e transportada para os centros geográficos do poder político mundial.

Antes, a energia (capacidade de realizar trabalho, lembremos sempre) para lavrar a terra dependia das mulheres, dos homens e dos outros animais – os animais de tração – assim como o próprio trabalho de transporte dependia dos animais de carga. A memória dessa fase ainda está viva na expressão HP (diz-se que um motor tem 20 HPs, por exemplo). HP é s sigla que deriva do inglês Horse Power, literalmente Poder do Cavalo ou cavalo-força. Uma máquina é tanto mais potente quanto mais equivalentes de cavalo tenham; 20 HP seria o equivalente à força de 20 cavalos.

Ora, os animais se alimentavam de forragem (energia solar sob a forma de biomassa) exigindo áreas próximas às lavouras onde fossem arar a terra destinadas a produzir a forragem. Essas condições implicavam, também, que as cidades não ficassem distantes e não fossem muito grandes, caso contrário, exigiam áreas mais extensas para produzir forragens para alimentar os animais de carga. Hoje, é possível que uma grande cidade, em qualquer lugar do mundo, seja abastecida com matéria prima agrícola ou mineral de qualquer lugar do mundo.

O uso da energia advinda dos combustíveis fósseis com a generalização da máquina a vapor, inclusive nos transportes a grandes distâncias tanto terrestres – ferrovias – como transcontinentais com a navegação transoceânica, vai submeter o mundo a uma generalizada divisão do trabalho impondo especializações aos lugares, regiões e países e, assim, oferecendo as bases materiais para a generalização do mundo das mercadorias e aprofundando a tragédia social e ambiental do mundo. Toda a tragédia social e ambiental da produção de soja nos chapadões e planícies dos cerrados brasileiros, e já adentrando a Amazônia, se destina, em grande parte, a alimentar o gado europeu criado em estábulos.

O enorme desperdício de energia nesse transporte transcontinental e transoceânico não é calculado nessa cadeia de injustiça social e ambiental do agonegócio e dos agronegociantes (para não falar do desperdício de água, diminuição de fontes, de rios e das veredas, perda de solos por erosão e de diversidade biológica por causa das monoculturas). O retrato dessa tragédia podemos observar quando vemos um caminhão frigorífico (mais energia consumida para refrigerar) com placa de Chapecó, Santa Catarina, atolado em Altamira, em plena Rodovia Transmazônica, no Pará.

O problema não está só no fato de estar atolado, mas por ser um exemplo emblemático de irracionalidade ambiental, com enorme desperdício de energia para transportar frango de tão longe, como se o camponês do Pará sequer soubesse criar galinha. É à custa dessa irracionalidade ambiental que temos a formação de grandes cartéis como a Sadia, a Perdigão, a Cargill, a Syngenta, a Bunge entre tantas que conseguem, assim, vender frango e soja em qualquer lugar do mundo.

Todo esse modelo está fundado num enorme consumo de energia, sobretudo de origem fóssil - o Sol de tempos geológicos passados, como vimos - largamente utilizado pelos diversos equipamentos de que se utiliza – tratores, colheitadeiras, pivôs centrais, tudo movido a óleo. É essa demanda de energia tão grande que impede a paz nos lugares, comunidades, regiões e países que abrigam grandes reservas desses combustíveis fósseis.

Há uma oculta, mas real, relação entre o efeito estufa e as guerras pelo controle das fontes que o geram. A vida de diferentes povos se tornou um verdadeiro inferno por causa do petróleo, como se vê no Oriente Médio (Iraque, Líbano-Palestina-Israel em destaque), na África (como o povo Ogoni em conflito tenso com a holandesa Shell, na Nigéria), na América Latina (na Amazônia equatoriana, peruana e colombiana, na fronteira colombiana-venezuelana e na Bolívia - gás).

Esse modelo, além de esgotar recursos oferece uma qualidade de vida duvidosa para os ricos e para os pobres. A obesidade já é um dos maiores problemas de saúde no mundo. Nos EUA, 65% da população adulta dos EUA é obesa o que gera 300 mil mortes por ano e um custo anual de US$ 117 bilhões para o sistema de saúde. Como na ideologia hegemônica atual o consumo é tomado como referência de qualidade de vida é importante se considerar que, hoje, apenas 1,7 bilhão dos atuais 6,3 bilhões de pessoas têm capacidade de consumir além das necessidades básicas”.

E mais grave ainda é quando consideramos a qualidade do próprio consumo dos mais ricos: 18 bilhões de dólares são gastos anualmente com maquiagem, 15 bilhões com perfumes, 11 bilhões com sorvetes na Europa, 14 bilhões com viagens de navios em cruzeiros. Segundo ainda nos informa o jornalista Washington Novaes, com base no Relatório da Worldwatch Institute, “bastariam 19 bilhões de dólares anuais para eliminar a fome no mundo (mais de 800 milhões não têm o que comer), US$ 10 bilhões/ano para prover todas as pessoas com água de boa qualidade (1,1 bilhão de pessoas não têm), US$ 1,3 bilhão/ano para imunizar todas as crianças contra doenças transmissíveis, US$ 12 bilhões para dar saúde reprodutiva a todas as mulheres.

A ONU vem repetindo isso há anos, em seus relatórios sobre o desenvolvimento humano. Enfatizando que 2,8 bilhões de pessoas, quase metade dos seres humanos, vivem abaixo da linha da pobreza. Enquanto o crescimento econômico no mundo desde 1950 multiplicou por sete o PIB mundial, a disparidade de renda entre ricos e pobres dobrou”.

O Worldwatch Institute nos informa que o crescimento do consumo mundial passou de US$ 4,8 trilhões em 1960 para US$ 20 trilhões e está altamente concentrado - 60% só nos EUA, no Canadá e na Europa, onde vivem menos de 12% da população. Se acrescentarmos o Japão e outros países industrializados, chega-se aos 80% da produção, do consumo e da renda apontados pelos relatórios da ONU como concentrados em nações com menos de 20% da população mundial. Um mundo rigorosamente insustentável! Há uma profunda imbricação entre os problemas relacionados com o aquecimento global e a injustiça ambiental planetária.

Mais abominável, ainda, é quando vemos governos e muitas ONGs se associando para transformar essa tragédia sócio-ambiental que advém desse mundo marcado pela dominação – dos homens e da natureza – em oportunidade de negócio. Enfim, ganhar dinheiro com a tragédia. É o que se vê com o chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL – que permite que um país continue a lançar na atmosfera seus gases de efeito estufa desde que compre áreas nos países pobres onde plantem árvores que capturariam gás carbônico da atmosfera, limpando-a, ou simplesmente as mantenham com suas florestas impedindo que o carbono seja lançado à atmosfera.

Além de ser cientificamente duvidoso o efeito desse mecanismo de captura, ou seqüestro, de carbono da atmosfera, transformam os países pobres em verdadeiras latas de lixo da sujeira que compram o direito de continuar lançando, para sustentar um desenvolvimento injusto e ambientalmente degradante que, assim, se mostra um desenvolvimento sustentável. Além disso, mais uma vez, a natureza é vista de um modo passivo, isto é, como seqüestradora de carbono e não como potencial produtivo.

Segundo nos informa o físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite, professor emérito da Unicamp e membro do Conselho Editorial da Folha de São Paulo, “a densidade média da fitomassa na floresta amazônica é de 740 toneladas por hectare na parte aérea, acrescidas de 255 toneladas de raízes”. Enfim, aproximadamente 1.000 toneladas de biomassa das quais cerca de 8% se reciclam todos os anos, ou seja, aproximadamente 80 toneladas tudo isso usando energia solar! Quanto de energia fóssil (fotossíntese de milhões de anos atrás) seriam necessários para produzir 80 toneladas de biomassa todos os anos?

Todo esse potencial produtivo sempre foi aproveitado pelos povos indígenas que, em vez de desmatar para plantar, souberam criativamente, por meio de suas diferentes culturas, aproveitar o trabalho da natureza por meio da fotossíntese que, assim, permitia que eles ficassem caçando, pescando, cuidando dos filhos, pintando. Foi o encontro dessa lógica de viver com a floresta com a cultura gaúcha que nasceu o projeto RECA, em Nova Califórnia, na fronteira de Rondônia com o Acre.

Ali a inteligência do camponês sulista se aliou à inteligência das tradições indígeno-caboclas para nos brindar com um dos mais bem sucedidos projetos de desenvolvimento social e ambientalmente sustentável da Amazônia. Para isso foi necessário romper com muitos problemas, a começar com o preconceito que, quase sempre, acompanha aqueles que se acham querendo levar o progresso, o que os impede de aprender com os indígenas e com os camponeses desses lugares, assim como da dependência dos órgãos técnicos governamentais, já que o projeto RECA foi, sobretudo uma iniciativa de auto-organização camponesa e de alguns religiosos ligados à Teologia da Libertação. Felizmente, hoje, alguns técnicos e cientistas reconhecem as vantagens para a humanidade de se estabelecer um diálogo entre esses saberes e o saber científico. Só falta transformar isso em política pública sistemática e não supletiva e folclórica.

O efeito estufa bem pode ser combatido a partir de iniciativas como essas, desde que saibamos aliar essas iniciativas locais às lutas nacionais e globais, já que o planeta é um só, e o maior responsável pelos danos ecológicos globais é um sistema que se globalizou globalizando a exploração da natureza.
(Por Carlos Walter Porto-Gonçalves, Amauta, 30/09/2006)
http://www.amauta.inf.br/index.php?option=com_content&task=view&id=3124&Itemid=27

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