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2006-09-29
O embiruçu, árvore nativa brasileira, dá flores que só o morcego come - se não comesse, a árvore não existiria. Esse é um dado importante para o engenheiro florestal Fernando Bechara, paulistano de 30 anos. Ele está iniciando um trabalho de artista: o de restaurar as florestas, e não apenas recuperá-las. Seu horizonte, no momento, é o interior paulista, onde vem ocorrendo um fenômeno interessante: na contramão do desmatamento crônico no Brasil, em São Paulo a área de cobertura florestal está crescendo.

Nos últimos dez anos, a floresta, a capoeira (principalmente) e outros tipo de cobertura cresceram quase 130 mil hectares. Isso representa 3,8% dos 3,3 milhões de hectares que haviam restado no Estado, depois de cinco séculos de devastação - quando Anchieta fundou São Paulo, a mata cobria 82% das terras paulistas.

A volta do verde paulista tem razões específicas, dependendo do grupo que a promove. Os fabricantes de papel e celulose e as usinas de açúcar e álcool, com seus canaviais, estão entre os mais expressivos. Eles querem conquistar o selo verde, a certificação que, cada vez mais, abre portas no País e no exterior, garantindo que a origem do produto não desrespeitou a legislação ambiental.

Uma das exigências da lei é que, em áreas passíveis de desmatamento, sejam mantidos 20% da vegetação nativa. Ela deve ser preservada, também, às margens dos rios (mata ciliar). Quem desmatou tem que trazer a mata de volta. E é aí que entra Fernando Bechara.

O engenheiro florestal diz que a diferença entre seu trabalho e o das empresas de reflorestamento é que elas recuperam a mata, enquanto ele a restaura. As empresas plantam mudas em linha, o que resulta em árvores grossas e altas. “Mas não é uma floresta, é um bosque tradicional, alto e vazio. Embaixo não tem regeneração de floresta, nem animais.”

Bechara está criando, em área piloto de um hectare (10 mil metros quadrados), em Capão Bonito, 237 quilômetros ao sul da capital, “uma floresta o mais próximo possível da original. Mas não é o homem quem consegue isso, é a própria natureza. Há uma rede de ligações alimentares, de reprodução e de abrigo, envolvendo a fauna e a flora, muito complexa.”

Nas florestas tropicais, como as brasileiras, as árvores representam 25% das formas de vida. Os outros 75% são constituídos por arbustos, ervas, cipós, bromélias, epífitas (que ficam sobre as árvores) e outras espécies. Bechara coloca “gatilhos” para precipitar a volta de todas, que obedecem à “sucessão natural.” Primeiro, devem surgir as ervas e os cipós, organismos pequenos e pouco exigentes, que preparam o ambiente. Depois, os arbustos e as pequenas árvores. A seguir, as maiores. Pássaros, morcegos, abelhas, vespas e borboletas contribuem com sementes trazidas de outros lugares. Entre os pássaros, os mais assíduos são o bem-te-vi e o sabiá.

Interações
O que funciona é uma teia alimentar, em que certa árvore precisa de determinado animal para se reproduzir. O morcego (e só ele) come a flor da árvore embiruçu. Suas fezes caem no solo, e com isso novas embiruçus germinam. Há animais que dependem da árvore certa, como o esquilo precisa da palmeira jerivá. Há mais de uma centena de interações desse tipo na floresta tropical, revela Bechara. “Mas o homem ainda conhece pouco sobre elas.”

O engenheiro não usa métodos lineares de plantio, mas cria núcleos, a partir dos quais “a natureza faz o resto.” Ele tem, contudo, de dar uma “mãozinha”. Para o surgimento de ervas e arbustos, usa sementes colhidas na região (parte é trazida pelo vento ou por insetos). Essa primeira cobertura dos núcleos atrai vespas, abelhas e borboletas.

Bechara também transpõe porções de solo retiradas de florestas preservadas, que rapidamente recuperam a perda. Essas porções, de um metro quadrado e 10 centímetros de profundidade, são bancos de sementes de ervas e arbustos e de microfauna (minhocas e fungos). Assentadas nos núcleos, brotam em três meses. Formam uma cobertura que se irradia para além dos núcleos.

São criados, então, poleiros para os “plantadores da natureza” - as aves. Elas se alimentam num lugar, defecam em outro, e assim levam sementes de plantas da região. Para abrigar morcegos, é erguida uma torre de cipó. A copa e tocos de eucalipto são empilhados e se decompõem. Viram abrigo para besouros, lagartos e ratos. Atrás dos ratos vêm as cobras.

Para o surgimento das árvores, Bechara não conta só com pássaros e morcegos. Ele instala, em florestas preservadas, coletores de sementes. São malhas que recebem sementes caídas das árvores. Com elas, produz, em viveiro, mudas para serem plantadas. “Durante todo o ano há árvores frutificando. Isso é importante para manter a fauna.”

Técnica
Bechara iniciou o projeto em Capão Bonito há dois anos. A flora surgida nos núcleos irradiou-se e cobriu toda a área. No primeiro ano, desenvolveram-se 148 espécies vegetais e surgiram 35 de aves. Ele calcula que, dentro de mais quatro anos, terá uma floresta formada, com árvores crescidas e fauna, paca e tatu. Ele desenvolveu a técnica com o professor Ademir Reis, da Universidade Federal de Santa Catarina, onde fez seu mestrado. Com ela, defendeu tese de doutorado na Escola Agrícola Luiz de Queiroz (Esalq), da USP.

A área piloto foi cedida pela Votorantim Celulose e Papel, a maior exportadora de celulose do País e um dos clientes da empresa em que Bechara trabalha, a Casa da Floresta, de Piracicaba. Esta empresa começa a mesclar as técnicas de Bechara em seus projetos de reflorestamento. A Votorantim quer aplicar o novo método em 20% de suas áreas que precisam recuperação. Bechara diz que, além de imitar a natureza, seu método é 30% mais barato.
(Por Valdir Sanches, O Estado de S. Paulo, 28/09/2006)
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