Ganhou-se a batalha, mas não a guerra. A zona de amortecimento do Parque
Nacional Marinho de Abrolhos, criada através de uma portaria do Ibama em
maio após intensa mobilização de organizações não-governamentais, é
novamente alvo de discussões sobre sua função e tamanho. Desta vez quem
questiona a área de transição que rodeia o arquipélago é o setor de gás e
petróleo.
Um grupo de trabalho interministerial foi criado na Casa Civil da
Presidência da República e já começa a discutir um novo desenho para a faixa
marítima que se estende por 450 km entre os litorais da Bahia e Espírito
Santo (ver mapa ao lado). Participam do grupo Ibama, Ministério de Minas e
Energia (MME), Ministério do Meio Ambiente e Agência Nacional do Petróleo
(ANP).
A zona de amortecimento de Abrolhos foi criada às pressas pelo governo
federal para barrar um grande empreendimento de criação de camarão que se
instalaria no município de Caravelas (BA), a apenas poucos quilômetros do
Parque Nacional. Embora a portaria tenha causado uma estrondosa revolta de
políticos locais, que tentam derrubar a medida com pedidos de liminar na
Justiça Federal, a verdade é que foi nos gabinetes do MME em Brasília que a
norma do Ibama não pegou bem.
No texto da Portaria 39, em seu artigo 3º, a exploração de hidrocarbonetos
se tornou totalmente proibida em aproximadamente 80% da zona de
amortecimento, o que frustra as esperanças de se encontrar ali ricas jazidas
de petróleo e gás. A esta “área proibida” chamou-se de zona de exclusão, uma
figura que não existe na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação
(9.985/ 2000) e até então não havia sido utilizado em nenhuma outra unidade
de conservação no país.
O mal estar criado pela portaria se deve também ao fato que, há três anos, a
ANP escuta os pedidos do setor ambiental do governo federal e retira de suas
rodadas de concessão os blocos de exploração próximos a Abrolhos. Quando, o
Ibama criou a zona de amortecimento do arquipélago, ninguém do MME foi
consultado e, em uma simples canetada, áreas de perfuração já concedidas
entraram na zona de exclusão. Por isso, a revisão mais imediata que deve
sofrer a faixa de amortecimento é nas partes em que ela avança sobre a costa
do sul da Bahia. Ali, nos municípios de Mucuri e Nova Viçosa, existem
concessões da Petrobras obtidas nas rodadas de 2004 e 2006.
O diretor de Ecossistemas do Ibama, Valmir Ortega, garante que a mudança em
Abrolhos não será significativa, haverá uma diminuição apenas nas bordas da
área que foi estabelecida como de amortecimento. Em sua opinião, o esforço
para barrar o avanço da carcinicultura no litoral baiano acabou por gerar
erros no desenho da faixa de proteção do arquipélago. Para que o bom diálogo
com o setor de petróleo e gás seja mantido, decidiu-se criar o grupo de
trabalho na Casa Civil. Ortega reitera, no entanto, que as regras rígidas
para o licenciamento de empreendimentos de carcinicultura continuarão a
existir.
Questão mais profunda
Porém, a querela que se coloca sobre Abrolhos não diz respeito apenas a uma
correção “nas bordas”. Um representante do MME, que foi indicado pela
assessoria de imprensa para conversar com O Eco como um porta-voz do órgão
governamental, afirmou que a validade da zona de amortecimento está em
dúvida pois ela foi criada com base em estudo feito por uma coalizão de
ONGs. O posição do MME é que se deve analisar a proibição de quaisquer
atividades na zona de exclusão baseando-se em novos estudos, desta vez
comissionados pelo próprio governo. O edital para a realização de novos
levantamentos na região de Abrolhos será publicado em breve, garantiu o
representante do MME
O que não está claro é a ordem em que as medidas sairão do grupo de trabalho
na Casa Civil. A diminuição da faixa de amortecimento na costa não deve
gerar polêmica, já a situação em que ficará a proibição de exploração de
petróleo e gás nas proximidades do Parque é a grande dúvida. As ONGs têm
defendido que a restrição estabelecida pelo artigo 3º da Portaria 39 só pode
ser revista quando o novo estudo estiver pronto.
De acordo com o coordenador regional do Instituto Baleia Jubarte, Eduardo
Camargo, o estudo das ONGs que embasou a portaria do Ibama não foi
tendencioso. Foram usados dados ponderados (e não os de situações extremas)
sobre correntes marítimas e climas para demonstrar quais seria a dinâmica da
dispersão de um vazamento de óleo nas proximidades do Parque Nacional. “Se o
problema são os limites costeiros da zona de amortecimento todas as partes
estão dispostas a discutir, mas o debate sobre a zona de exclusão tem que
ser feita com argumentos técnicos e não políticos”, protesta Camargo.
Mas eliminar o componente político-econômico do debate é praticamente
impossível. O limite sul da zona de amortecimento de Abrolhos, que se
estende até o paralelo 19º S, próximo à cidade de São Mateus no Espírito
Santo (ver imagem ao lado), é atualmente uma das áreas de maior atenção do
setor de petróleo e gás. Existem indícios que a bacia sedimentar desta
região possa garantir o suprimento de petróleo leve ao Brasil, um produto
que o país ainda importa mesmo sendo auto-suficiente em petróleo pesado. Além
disso, já se sabe que ali existe muito gás, e a posição do governo é que, em
tempos de crise com a Bolívia, está na hora de buscar mais gás em terras
próprias.
Não à toa, a ANP vem concedendo muitas licenças de exploração na bacia
sedimentar do Espírito Santo. Até agora, apenas um bloco (BM-ES-20) se
aproximou de Abrolhos, e no ano passado, ele teve sua licença negada pelo
Ibama. A maioria dos blocos está dentro da zona de amortecimento, mas não na
chamada zona de exclusão. A Petrobras possui boa parte destas concessões,
mas acompanha a discussão sobre Abrolhos de longe. Funcionários que não
quiseram se identificar disseram que a empresa decidiu não participar da
discussão no governo para não atrapalhar a boa relação que estariam criando
com os órgão ambientais. Aliás, o cuidado ao falar também marcou as
pontuações do porta-voz do MME. “Queríamos deixar claro que qualquer
discussão nossa está pautada por profundo respeito ao meio ambiente”,
frisou.
O especialista em políticas públicas e professor da Universidade Federal do
Espírito Santo, Roberto Simões, tem o palpite de que o apelo do crescimento
econômico gerado pela exploração do petróleo na costa do estado será maior
que o da conservação. Tal qual já ocorre no Campo de Golfinho, localizado
próxima a costa de Vitória, os prefeitos do norte do Espírito Santo querem
receber os recursos dos royalties do petróleo. “Não existe no estado, um
setor de turismo bem organizado, dependente das belezas naturais, que se
coloque como um força contrária às vantagens da exploração do petróleo”,
resume.
Valmir Ortega, do Ibama, afirma que a discussão sobre qual será a nova
feição da zona de amortecimento de Abrolhos não está contaminada por
pressões políticas. “São questionamentos legítimos, que estão relacionados
com interesses do país”, ele pondera. O diretor do Programa Marinho da
Conservação Internacional, Guilherme Dutra, concorda que o debate com o
setor de petróleo deve ocorrer, mas crê que se a zona de exclusão da faixa
de amortecimento deixar de existir, será um “retrocesso considerável”. “A
discussão sobre a zona de amortecimento só será valida se não houver
decisões de cima para baixo”, alerta Dutra.
(Por Gustavo Faleiros,
OEco, 28/09/2006)