Plano ordena presença humana na Serra do Mar
2006-09-27
Aprovado na semana passada, o plano de manejo do Parque Estadual da Serra do Mar, em São Paulo, inclui um zoneamento inovador, com áreas destinadas às comunidades indígenas, caiçaras e quilombolas do litoral paulista. O plano também estabelece contrapartidas para as empresas que possuem infra-estrutura dentro da Unidade de Conservação.
Quem trafega pelo trecho paulista da rodovia Rio-Santos, entre o paredão da Serra do Mar e a orla marítima, se acostumou a ver na beira da estrada o comércio ilegal de palmito e de outras espécies da flora nativa. Esta extração predatória de recursos naturais, relacionada em parte à ausência de alternativas econômicas sustentáveis para as comunidades da região, é um dos problemas que o plano de manejo do Parque Estadual da Serra do Mar, aprovado na semana passada pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente de São Paulo (Consema), quer solucionar ou, ao menos, reduzir.
Para isso, o plano se vale de mecanismos inovadores na gestão de Unidades de Conservação de proteção integral, caso do Parque Estadual da Serra do Mar, cuja área de 315 mil hectares representa a maior porção contínua de Mata Atlântica do Brasil. Plano de manejo é um plano de uso racional do meio ambiente, visando à preservação do ecossistema em associação com sua utilização para outros fins, sejam sociais e/ou econômicos.
O plano do PE da Serra do Mar, elaborado durante dois anos pelo Instituto Florestal de São Paulo em parceria com entidades e organizações da sociedade civil, definiu o zoneamento do parque, com destaque para zonas que concentram problemas socioambientais, como a extração ilegal de espécies de fauna e flora, moradias irregulares e obras de infra-estrutura. Também definiu áreas sobrepostas com terras indígenas demarcadas e delimitou as chamadas áreas “intangíveis” ou “primitivas”, ou seja, aquelas totalmente vedadas a qualquer atividade humana. Estas áreas somam mais de 74% do território total da UC.
O parque sempre foi e vem sendo ocupado por pessoas. Contém favelas, sítios, aldeias indígenas, moradias de veranistas. Estas ocupações e demais atividades afetam hoje algo em torno de 8% de sua área total, segundo estimativa do governo estadual. Muitas vezes, essa presença humana acarreta em conflitos e sérias ameaças ao ecossistema do parque. “Como nada podia ser feito no interior do parque, existia uma situação de guerra entre a administração e as comunidades do entorno e moradores de seu interior”, explica Adriana Mattoso, coordenadora dos planos de manejo da divisão de parques do Instituto Florestal de São Paulo. “Os gestores do parque passavam a vida correndo atrás de palmiteiros e obras ilegais”.
Adriana diz que estes impasses ocorrem também pela demora da Justiça em definir as ações indenizatórias aos posseiros e proprietários que devem ser desapropriados. “É um pântano legal, onde os conflitos eram solucionados de acordo com o empenho do gestor do parque, dos procuradores do estado, ministério público e da Justiça”. O resultado, segundo ela, é que as comunidades ficavam contrárias à preservação da UC e, como muitos outros setores da sociedade regional, a interpretavam como um impedimento ao desenvolvimento regional. O Parque Estadual da Serra do Mar abriga extensões de 28 municípios paulistas, entre os litorâneos, do Vale do Paraíba e da Grande São Paulo, incluindo a capital.
Zonas de uso sustentável
É diante deste quadro que o plano do PE da Serra do Mar buscou conciliar, em partes da UC, a ocupação humana tradicional à preservação do território. Para lidar com a pressão antrópica, o plano definiu três zonas especiais no território da UC: a “zona de ocupação temporária”, a “zona histórico, cultural, antropológica” e a “zona de uso conflitante/infra-estrutura de base”. Somadas, estas zonas não representam 7% da área total do parque. “Devemos considerá-las áreas de uso sustentável enquanto não completamos a regularização fundiária ou a mudança de categoria”, diz Adriana.
A “zona de ocupação temporária”, que atinge 5% da área total do parque, define regras para a convivência dos moradores ou donos de casas que ainda não foram indenizados e, portanto, não deixaram suas moradias no interior da UC. O plano prevê um processo de regularização fundiária que vai definir a mudanças de cada área desapropriada para outra categoria do zoneamento, em função de suas condições ambientais. A regularização fundiária do Parque da Serra do Mar está a cargo do Instituto de Terras de São Paulo (Itesp) e da Procuradoria-Geral do Estado, a partir de recursos de compensação financeira provenientes de obras de infra-estrutura, como a duplicação da rodovia Imigrantes e a instalação de plantas e estruturas da Petrobras.
A “zona histórico, cultural, antropológica”, por sua vez, representa menos de 0,5% do parque e foi criada para contemplar os direitos das comunidades tradicionais (caiçaras e quilombolas) que vivem na região. A idéia é permitir que as comunidades exerçam atividades dentro do parque, como o cultivo de roças, manejo de palmito e coleta de sementes, de forma sustentável, por meio de planos de uso tradicional. “No caso do palmito, queremos incentivar a exploração da polpa que envolve a semente da espécie, atividade que pode ser mais sustentável do que o corte da árvore para a extração do palmito, sempre falando das zonas de ocupação temporária”, diz Adriana Mattoso. Quanto aos critérios para definição das comunidades tradicionais, Adriana afirma que esta categoria abarca os indivíduos e famílias que nasceram e moram nas áreas das quais dependem para garantir sua sobrevivência, e cujas comunidades são originárias do mesmo lugar e vivam nas mesmas condições.
A terceira zona especial, a de “uso conflitante/infra-estrutura de base”, engloba as áreas nas quais estão localizas rodovias, ferrovias, dutos, linhas de transmissão, estações de captação e tratamento de água, barragens, antenas de rádio, TV e celular. Representa 0,73% do parque. De acordo com o plano aprovado pelo Consema, “o objetivo deste zoneamento é criar condições para que as empresas que operam estas estruturas contribuam com a proteção, monitoramento, controle e implantação do parque”. Com isso, a proteção aos mananciais e à biodiversidade do parque pode ser melhorada sem sobrecarregar a fiscalização exercida pelos funcionários do Instituto Florestal e pela Polícia Ambiental.
Outros pontos
A zona de superposição indígena é outro avanço do plano de manejo, pois reconhece a existência de cinco terras Guarani homologadas dentro dos limites da UC. Além de contemplar os direitos indígenas sobre a parcela do território ocupada pelos índios, o zoneamento visa evitar que os usos dos recursos naturais presentes no parque, por estas comunidades, não sejam distorcidos para servirem aos interesses de traficantes de animais silvestres, consumidores de carne de caça e comerciantes ilegais de produtos florestais.
Também foram definidas no plano de manejo onze áreas prioritárias de manejo (principalmente para regularização fundiária e ecoturismo), e propostas 54 bases de apoio à fiscalização e visitação das trilhas que percorrem e atravessam o parque, e que deverão ser implantadas por meio de parcerias.
Avaliações
A avaliação do plano de manejo tem sido positiva dentro e fora do governo estadual. Maria Cecília Wey de Brito, diretora da Fundação Florestal de São Paulo, comemora a aprovação do plano quase 30 anos após a criação do parque (em 1997). “Sua construção contou com a participação ativa de diversos setores sociais. Dá uma diretriz para os próximos planos, trabalha com temas estratégicos, contempla a presença de comunidades tradicionais e conta com um orçamento que viabiliza sua execução”.
O advogado Eduardo Hipólito, representante das entidades ambientalistas no Consema, diz que pela primeira vez as organizações da sociedade civil tiveram espaço para contribuir na elaboração de um plano de manejo e que a aprovação por unanimidade no Consema reflete o consenso atingido. “A flexibilização de pequenas áreas do parque é um passo importante para sua gestão ser efetiva, afinal não existem unidades de conservação na Mata Atlântica inteiramente desocupadas”, avalia. “Nossa preocupação é que a execução do plano garanta o reforço da fiscalização e da atuação da polícia ambiental. Para isso ocorrer, os órgãos responsáveis devem contar com recursos compatíveis”. O custo para a operação do plano de manejo do PE da Serra do Mar, sem contar com a folha de pagamento de servidores, está estimado em R$ 2 milhões anuais.
Para Nilto Tatto, do Instituto Socioambiental, o modelo de gestão de unidades de conservação proposto pelo plano de manejo do PE da Serra do Mar é inovador na medida em que incorpora as comunidades no processo de elaboração e abre caminho para o uso sustentável dos recursos presentes nos territórios tradicionalmente ocupados. “A maioria dos parques foi criada de cima para baixo e sobreposta às áreas tradicionalmente ocupadas por populações tradicionais, como quilombolas, caiçaras e índios, amplificando os conflitos socioambientais, com o Estado sempre tratando estas comunidades como inimigas da conservação”, afirma. “O principal desafio agora é implementar políticas públicas que apóiem as iniciativas de uso sustentáveis dos recursos naturais pelas comunidades”.
(Por Bruno Weis, ISA – Instituro Socioambiental, 25/09/2006)
http://www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=2326